Title: Contra a Modernidade
Subtitle: O Terrorismo Doméstico Nos Estados Unidos E a Série De Televisão "Manhunt: Unabomber" (2017)
Date: 2023-04-14

    Front Matter

      Title Page

      Dedicação

      Agradecimentos

      Epígrafe

      Resumo

      Abstract

      Lista De Ilustrações

    Introdução

      Aporte teórico-metodológico

    1. Tradições De Dissenso Norte-americanas Em “Manhunt: Unabomber”

      1.1 Henry David Thoreau

      1.2 A crítica ao mundo moderno

        1.1.1 Henry D. Thoreau como dissenso nos Estados Unidos

        1.1.2 Símbolo para os norte-americanos: a casa de troncos (log-cabin) de Thoreau em Walden

        1.2.3 A casa de troncos de Kaczynski

        1.2.4 A produção de Manhunt e a casa de troncos

      1.3 Tradição norte-americana da wilderness: a escolha estética em Manhunt

        1.3.1 A ideia de wilderness na História dos Estados Unidos

        1.3.2 Natureza como componente da identidade norte-americana

        1.3.3 A escolha da estética da natureza em Manhunt: cenas e imagens

    2. Intelectuais, Anti-intelectualismo E O Homem De ação Em “Manhunt: Unabomber”

      2.1 Contra o elitismo: o anti-intelectualismo nos Estados Unidos

        2.1.1 Anti-intelectualismo em Manhunt

        2.1.2 Imagens do intelectual versus o homem de ação

      2.2 Elementos da construção das personagens de James Fitzgerald e Theodore Kaczynski

      2.3 O público-alvo de Manhunt

    3. O Produto Cultural “manhunt”: Criação, Produção E Disputas De Narrativa Em Uma Série De Televisão

      3.1 O processo criativo e o roteiro original

      3.2 Uma série roteirizada no canal de televisão de Shark Week

        3.2.1 A programação da Discovery nos anos anteriores ao Manhunt (2012 - 2014)

        3.2.2 A disputa com a Netflix: a tentativa da Discovery de se adaptar ao mercado

      3.3 A produção de Manhunt: Unabomber

      3.4 Interpretações e disputas pela narrativa do caso Unabomber

        3.4.1 Contestando a narrativa: os agentes aposentados do FBI

        3.4.2 Cartas para Kaczynski

        3.4.3 Manhunt e a recuperação de Theodore Kaczynski nas redes sociais

      3.5 Manhunt: Unabomber como um negócio de risco

    Considerações Finais

    Referências

      Entrevistas

      Arquivo

      Videos

      Revistas, jornais e sites

Front Matter

Title Page

Universidade De São Paulo Faculdade De Filosofia, Letras E Ciências Humanas Departamento De História Programa De Pós-graduação Em História Social

Rodolpho Hockmuller Menezes

Contra a Modernidade: O Terrorismo Doméstico Nos Estados Unidos E a Série De Televisão “Manhunt: Unabomber” (2017)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof Dr Mary Anne Junqueira

Versão Corrigida


Autorizo a reprodução c divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou cleiròmco, para fius de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.


Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia. Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Hc

Hockmuller Menezes, Rodolpho

Contra a modernidade: o terrorismo doméstico nos

Estados Unidos e a série de televisão "Manhunt: Unabomber" (201*7) / Rodolpho Hockmuller Menezes; orientadora Mary Anne Junqueira - São Paulo, 2023.

188 f.

Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de História. Área de concentração: História Social.

1. História dos Estados Unidos. 2. Seriado (Gênero). 3. Televisão. 4. Anti-Intelectualismo. 5. Dissenso. I. Junqueira, Mary Anne, orient. II. Titulo.


fflch

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

ENTREGA DO EXEMPLAR CORRIGIDO DA DISSERTAÇÃO/TESE

Termo de Anuência do (a) orientador (a)

Nome do (a) aluno (a): Rodolpho Hockmuller Menezes

Data da defesa: 14/04/2023

Nome do Prof, (a) orientador (a): Mary Anne Junqueira

Nos termos da legislação vigente, declaro ESTAR ÇIENTE do conteúdo deste EXEMPLAR ÇQRRICjIDQ elaborado em atenção às sugestões dos membros da comissão Julgadora na sessão de defesa do trabalho, manifestando-me plenamente favorável ao seu encaminhamento ao Sistema Janus e publicação no Portal Digital de Teses da U$P.

São Paulo, 04/06/2023


HOCKMULLER MENEZES, Rodolpho. Contra a modernidade: o terrorismo doméstico nos Estados Unidos e a série de televisão “Manhunt: Unabomber” (2017). 2023. 188 f Dissertação (Mestrado) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre

Aprovado em:

Banca Examinadora


Dedicação

Para B, seu amor e paciência
possibilitaram esse trabalho


Agradecimentos

Agradeço á Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo, pela concessão da bolsa de mestrado e pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa, processo número 2019/21042-0 Instituição a qual me proveu os meios, desde a graduação, para fazer pesquisa dentro e fora do Brasil As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP

Ao Departamento de História e á Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, pela oportunidade de realização do curso, junto aos muitos trabalhadores e professores, que auxiliaram minha trajetória de pesquisa.

À Profa. Dra Mary Anne Junqueira, essa pesquisa é resultado de todos os anos de trabalho em conjunto Deixo marcado meu agradecimento pela orientação desde a Iniciação Científica, que nesses anos de convivência, muito me ensinou, contribuindo para minha formação e crescimento científico e intelectual

Agradeço á Profa Dra Mariana Martins Villaça, ao Prof Dr Eduardo Morettin e Prof Dr Alexandre Busko Valim pela leitura de meu trabalho, pelas recomendações, críticas e sugestões, fundamentais para desenvolvermos dessa pesquisa

À Profa Dra Stacy Takacs, da Oklahoma State University, que em nossos diálogos vem me orientando sobre televisão e mídia Obrigado pela paciência e por me mostrar que pesquisa acadêmica pode ser algo mais divertido e leve Agradeço por ter me acolhido em Oklahoma, onde me senti em casa, mesmo em um Estado profundamente republicano.

À Oklahoma State University, especialmente ao Departamento de Inglês e o programa Screen Studies, que me proporcionaram toda a infraestrutura necessária para desenvolver essa pesquisa enquanto no exterior Aos amigos que fiz durante a minha estadia nos Estados Unidos: Santiago Neira, Jonathan Howell, Ryan e Hugo.

Aos produtores e criadores de Manhunt: Unabomber Greg Yaitanes, Andrew Sodroski, James Fitzgerald e Tony Gittleson, que disponibilizaram tempo e material para essa pesquisa Sem o depoimento desses trabalhadores da indústria cultural, muito das análises desse trabalho ficariam incompletas.

Agradeço aos trabalhadores da coleção Joseph A Labadie, na Universidade de Michigan, Ann Arbor, especialmente a Julie Herrada, curadora responsável pelas correspondências de Kaczynski A Giden Gooodrich que me recebeu no arquivo e disponibilizou todos os materiais que requisitei Meus agradecimentos a Gabriel Mordoch, ex-aluno da FFLCH e trabalhador da Labadie, a quem foi uma excelente surpresa conhecer, obrigado por trazer um ar de familiaridade ao inverno de Michigan

Para os meus familiares, meu querido avô, Pedro Moura de Almeida e a minha mãe Irene Hockmuller, que sempre são fonte de constante inspiração. Expresso também meus agradecimentos aos amigos que me motivaram durante essa jornada: Mauricio Helfstein, Rodrigo Kuester, Lucas Tomasi, Yan Kalled e Leonardo Nogueira A meu amigo e colega, pesquisador de História dos Estados Unidos, Gustavo Sivi, obrigado pelas conversas sobre audiovisual e wilderness A Maria José, que durante meus momentos mais difíceis, mostrou que a vida, assim como a pesquisa, é um grande aprendizado

À Bruna B Fontes, historiadora, minha companheira, que com toda atenção discutiu os problemas de minha pesquisa. Obrigado pelas incontáveis horas de revisão do meu texto, paciência e atenção que dedicou a mim Seu suporte possibilitou a escrita dessa dissertação e vencer a todos os obstáculos que apareceram


Epígrafe

“Now I have a question for you. You say you're
working on a project for Discovery Channel about me &
“the FBI effort to capture me” My bombing campaign
ended 22 years ago, my trial was completed 19 years ago.
Yet all through the intervening years, over
and over and over again, ad nauseam, the media keep putting on
these programs about me, why?”

Theodore Kaczynski[1]


Resumo

HOCKMULLER MENEZES, Rodolpho Contra a modernidade: o terrorismo doméstico nos Estados Unidos e a série de televisão “Manhunt: Unabomber” (2017). 2023. 188 f Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2023.

A dissertação de Mestrado analisa a série de televisão Manhunt: Unabomber, originalmente exibida em 2017 nos Estados Unidos pela Discovery Channel e no serviço de streaming Netflix A série representa a investigação de Theodore Kaczynski, terrorista doméstico estadunidense, a partir do ponto de vista de James Fitzgerald, agente do FBI. Conhecido como Unabomber por seus alvos inicialmente serem linhas aéreas e universidades, Kaczynski enviava bombas caseiras por correio, levando mais de 17 anos para ser identificado e preso. O terrorista foi identificado a partir da análise linguística de seu manifesto, The Industrial Society and its future, que critica a sociedade tecnológica e moderna Manhunt conta a fase final do caso ao mesmo tempo em que representa os motivos e eventos que levaram Kaczynski a realizar tais atos de violência Nosso objetivo foi pensar tradições de dissenso nos Estados Unidos e as representações da natureza selvagem (wilderness) na narrativa, como contraposição à vida moderna. Abordamos como as representações do anti-intelectualismo e das instituições tém raízes em uma reação ao elitismo estadunidense. Propusemos entender Manhunt como produto cultural da sua época, fruto das negociações da equipe de produção da série. Assim, nos propusemos a discutir as mudanças na indústria que levaram a Discovery investir em uma série roteirizada, considerada elaborada e “de qualidade” em 2017.

Palavras-chave: História dos Estados Unidos; Seriado (Gênero); Televisão; Dissenso; Wilderness; Anti-I ntelectualismo.

Abstract

HOCKMULLER MENEZES, Rodolpho Against-modernity: domestic terrorism in the United States and the TV series “Manhunt: Unabomber” (2017). 2023.188 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2023.

The master’s thesis analyzes the TV series Manhunt: Unabomber, originally aired in 2017 by Disco very Channel in the United States, and available in the streaming service Netflix. The series portrays the investigation of Theodore Kaczynski, an American domestic terrorist, from the point of view of James Fitzgerald, an FBI agent Known as the Unabomber, as his targets were initially airlines and universities, Kaczynski sent homemade bombs by mail, taking more than 17 years to be identified and arrested The terrorist was identified by the linguistic analysis of his manifesto, The Industrial Society and its future, which criticizes the technological and modem society Manhunt dramatizes the final stages of the investigation while also portraying the reasons and events that led Kaczynski to carry out such acts of violence Our objective was to discuss the tradition of dissent in the United States and the representations of wilderness in the narrative, as the antithesis to modern life. We address the representations of anti-intellectualism and institutions as an answer to American elitism. We proposed to understand Manhunt as a cultural product of its time, the result of negotiations by the series' production team. Thus, we discuss the changes in the industry that led Discovery to invest in “Quality TV”, producing a scripted series in 2017.

Keywords: U.S. History; Television; Series; Dissent; Wilderness; Anti-intellectualism.

Lista De Ilustrações

Figura 1 Folha De Rosto Da Primeira Versão Impressa De walden

Figura 2 Imagem Da Sequência De Abertura Da Série

Figura 3 Casa De Troncos Em Transporte

Figura 4 Fotografia Da Casa De Kaczynski Em Lincoln, Montana

Figura 5 Cena Da Casa De Troncos No Galpão Do Fbi

Figura 6 Casa De Troncos Do Artista Polonês Robert Kusmirowski

Figura 7 Casa De Troncos Em Exposição Sobre Kaczynski

Figura 8 Remontagem Da Casa De Troncos Nas Dependências Do FBI

Figura 9 Imagem Panorâmica Do Interior Da Casa De Troncos

Figura 10 Casa De Troncos Em Estúdio

Figura 11 Cena Excluída De Manhunt

Figura 12 Primeira Página Do Roteiro De Tony Gittleson

Figura 13 kindred Spirits (1849) De Asher Durand

Figura 14 O Protagonista, Fitzgerald, Contempla a wilderness.

Figura 15 Formatura Como profiler Do Fbi

Figura 16 Kaczynski Dançando Livremente Na Wilderness

Figura 17 Diretor Yaitanes Analisando O Enquadramento Da Câmera

Figura 18 Kaczynski Em Presão De Segurança Máxima

Figura 19 Jovem Kaczynski Amarrado Em Cadeira

Figura 20 Kaczynski Relembra Sessão De Tortura Em Harvard

Figura 21 Ackerman Analisa Fotos Da Cena De Crime

Figura 22 Bastidores, Os Atores Paul Bettany E Sam Worthington

Figura 23 Cena Entre Agente Do Fbi Cole E Fitzgerald Na Escada

Figuras 24 E 25 Objetos Cenográficos E Originais Fotografados Da Moradia De Kaczynski

Figura 26 Fotos Dos Materiais Originas E Reproduções

Figura 27 James Fitzgerald No Programa Foxnews (2018)

Figura 28 Carta Enviada a Theodore Kaczynski. Autoria De “Jennifer”

Figura 29 Reposta De Theodore Kaczynski Ao Jornalista A. Kaczynski

Figura 30 Carta De D. Presley, Da Produção De Manhunt, À Kaczynski

Figura 31 Matéria Da Vice Sobre a Extrema Direita


Introdução

Nossa dissertação de Mestrado tem o objetivo de analisar a série de televisão Manhunt: Unabomber (2017), exibida originalmente pela Discovery Channel e disponibilizada no catálogo da Netflix A série estreou nos Estados Unidos entre 1[o] de agosto e 12 de setembro de 2017 Totalizando oito episódios, cada um com cerca de quarenta minutos, foi exibida semanalmente Embora os historiadores já tenham avançado nos estudos de História e Cinema, pesquisas sobre séries de televisão são raras no Brasil e igualmente nos Estados Unidos. Assim, foi um desafio tratar de tema em que a bibliografia é sumária. Entretanto, consideramos que primeiramente com a TV a cabo e depois com os serviços de streaming urge abordamos esse tipo de produto cultural Em outras palavras, a série que estudamos nos indica a velocidade com que o consumo desse tipo de produto cultural tem mudado, mostrando como o ato de assistir televisão vem sendo modificado desde o final do século XX Exploramos assim esse caminho dada a popularidade das séries de televisão tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil Entretanto, nosso propósito não foi estudar a recepção do produto cultural no nosso país, mas sim o seriado como como peça que trata de um universo cultural específico norte-americano, embora a sua inclusão no catálogo da Netflix tenha ampliado o público-alvo para além das fronteiras norte-americanas

A série narra a investigação do FBI que capturou e prendeu Theodore Kaczynski (Paul Bettany), conhecido como Unabomber (acrônimo para University and Airline Bomber). Portanto, trata-se de caso que realmente aconteceu adaptado para a televisão, valendo-se da ficção para a apresentação[2] A série busca reconstituir os eventos envolvendo a investigação do caso do terrorista doméstico, protagonizada na trama por James Fitzgerald (Sam Worthington) Dessa forma, a série tem como central o personagem de Fitzgerald, que utilizou um método não convencional para analisar as pistas do caso Ainda que Kaczynski seja também protagonista da trama Depois de anos de tentativa de capturar o terrorista, o agente do FBI, em oposição a outros policiais que seguiam pistas forenses tradicionais, insistiu na possibilidade da análise Linguística das cartas e textos escritos pelo Unabomber Em especial o seu manifesto, como um caminho viável para o FBI chegar ao criminoso. Na narrativa, a partir da leitura crítica dos textos de Kaczynski, Fitzgerald, sem treinamento acadêmico formal, tentou extrair pistas que auxiliassem a montar um profile (perfil), analisando marcas linguísticas que informassem o gênero, raça, idade, região de origem e formação do terrorista Ao fim e ao cabo, a captura do Unabomber ocorreu não pelo método forense tradicional, mas pela análise linguística do texto que o terrorista havia escrito Detalhes da série são encontrados no início do primeiro capítulo dessa dissertação

Entendemos Manhunt enquanto produto cultural de sua época, fruto de negociação e disputas em seu processo de produção. Ao narrar sobre o passado, o programa diz mais sobre seu o presente do que sobre período pretérito Discutimos porque Manhunt Unabomber se utiliza da representação da investigação do caso, nos anos 1990, para dialogar com o período de sua exibição, época da presidência de Donald Trump (2017-2021). O seriado pretendeu atingir público conservador e foi ao ar em período da ascensão da extrema direita nos Estados Unidos

O nosso objetivo central foi discutir algumas tradições norte-americanas já mobilizadas em Hollywood, na televisão e em outros meios como a literatura. Foi assim que identificamos pelo menos três tradições daquele país mobilizadas pela série: o dissenso, a ideia de wilderness e a valorização de um certo anti-intelectualismo no país Todas muito conhecidas do público norte-americano e pouco do brasileiro. Em outras palavras, é possível abordar a série sem levar em conta essas tradições, mas a análise não ganharia densidade Além disso, como indicado, defendemos pensar nosso objeto como fruto de negociações e disputas Não é possível entender a série de televisão fora do contexto da Discovery Channel e da emergência dos serviços de streaming como o Netfíix.

Por um lado, a porta para entrar nas tradições norte-americanas nos foi dada por Mary Anne Junqueira, orientadora desse trabalho, e especialista em História dos Estados Unidos no Brasil[3] Estando os norte-americanos tão imersos nessas tradições, muitas

vezes, eles as consideram como parte do mundo do liberalismo econômico, ou do universo do mundo civilizado. Entretanto, elas são referência importante e marcam a cultura e política norte-americanas. Por outro, esse trabalho é beneficiário do importante campo de estudos com o qual tivemos contato no período que estivemos nos Estados Unidos. Lá, além das entrevistas com a equipe que elaborou e conduziu o seriado, tivemos acesso ao campo do Media Industry Studies, cujos textos foram importantes para a consolidação desse trabalho[4]

Além da série em si, esse trabalho se valeu de documentos encontrados nos Estados Unidos em estadia de seis meses, graças o apoio da FAPESP - Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo Lá, além do acesso á bibliografia importante para o audiovisual, pudemos visitar o arquivo onde está a documentação de Theodore Kaczynski, o Unabomber Através das cartas trocadas pelo terrorista doméstico, pudemos avaliar parte da recepção da série, inclusive com o criminoso procurando ter controle sobre a narrativa O Manifesto do terrorista foi outro documento relevante consultado por nós. Contudo, mais importante na nossa estadia nos Estados Unidos foram as entrevistas que pudemos realizar com a equipe da série Sem elas, temos certeza de que o trabalho perderia em densidade.

A documentação de Kaczynski está no campus principal da Universidade de Michigan, na cidade de Ann Arbor Tal conjunto de documentos recebeu o nome de um ativista trabalhista e anarquista de Detroit, Joseph Labadie (1850-1933) No início do século XX o ativista doou livros, jornais, panfletos, revistas, manuscritos e memorabilia que colecionou ao longo dos anos Iniciada na década de 1930, a coleção expandiu-se de seu foco inicial, o anarquismo, para abranger um pensamento dissidente mais amplo, especialmente nos Estados Unidos, do século XIX até o presente[5]. Em artigo escrito pela curadora, uma das razões para a preservação dos textos de Kaczynski é que ele faz parte de uma tradição política mais ampla nos Estados Unidos. Dessa forma, o material que pesquisamos em The Ted Kaczynski Papers consta como parte do principal acervo documental sobre esses movimentos sociais reconhecidos no país.

A maior parte do material disponível no arquivo foi adquirida por doações de Kaczynski Ele continua enviando seus manuscritos, correspondências e documentos legais para o arquivo, como parte de um acordo feito entre seus advogados e a Universidade no final dos anos 1990[6] Os documentos são divididos em oito séries: Correspondências, Legal, Prisão, Publicações, Escritos de Ted Kaczynski, Recortes de Jornal e Artigos, Audiovisual e Arquivos do FBI[7] Somadas, essas séries representam noventa e oito caixas de documentos, cada uma organizada em dezenas de pastas, datadas de antes de sua prisão em 1996 até o ano recente de 2018.

Assim, dada a enorme quantidade de material que compõe o acervo, foi necessário reduzir o escopo da pesquisa antes de visitar o arquivo. Com enfoque no tema, concentramos nas Correspondências Nosso objetivo foi estudar as cartas para uma compreensão mais ampla da recepção de Manhunt. Como a maior parte da série de correspondências é composto por cartas enviadas por particulares de 1996 a 2018, e o programa de televisão estreou em agosto de 2017, pudemos coletar cartas nas quais o objeto de pesquisa foi discutido

Aporte teórico-metodológico

Como propomos analisar um objeto audiovisual, tornam-se necessárias metodologias específicas para essa categoria de fonte para o historiador, considerando o suporte no qual se insere, os desafios particulares na interpretação e os seus próprios limites. Marcos Napolitano argumenta que ao analisar fontes audiovisuais, o historiador deve articular os elementos de estrutura interna de linguagem com a representação da realidade Segundo ao autor, uma primeira decodificação é a de natureza técnico- estética, ou seja, o pesquisador deve estar atento aos “mecanismos específicos mobilizados pela linguagem” audiovisual. Nesse sentido, de acordo com Napolitano, para a especificidade da televisão deve-se pensar na relação “texto/imagem/trilha sonora" Assim, o enquadramento da cena, duração, edição, cores utilizadas, vocabulário escolhido e as estratégias de reiteração são elementos centrais para se fazer sentido da obra[8]

Outra camada de decodificação da fonte audiovisual, segundo Napolitano, está na representação "da realidade histórica ou social nela contida” Portanto, procurar entender as representações socialmente construídas com o conteúdo da estrutura narrativa (tema, personagens e construções de eventos) Para Napolitano, a fonte audiovisual é portadora de uma tensão entre evidência e representação Portanto, o pesquisador deve procurar entender as representações por grupos, instituições e atores ao mesmo tempo que analisa a fonte como “evidência de um processo ou evento ocorrido cujo estabelecimento do dado bruto é apenas o começo de um processo de interpretação com muitas variáveis”[9]

Napolitano aponta que alguns historiadores “tributários da tradição iniciada por Marc Ferro” buscam fazer uma divisão entre “actuality films (documentários) e os featured films (filmes encenados)" Esses historiadores, segundo ao autor, estariam mais identificados com uma “concepção positivista de documento" Dessa forma, os documentários seriam mais preferíveis para a análise em comparação com os filmes encenados, pois “conforme essa visão, cada plano, sequência, ou produção completa é um registro primário do passado e seu conjunto editado transformar-se em um documento em si"[10].

Eduardo Morettin faz a critica á Marc Ferro, especialmente sobre a busca por uma “autenticidade” na fonte audiovisual. Segundo Morettin, nas análises de Ferro transparece uma ideia de que é possível buscar resgatar uma “realidade histórica” no filme. O historiador francês buscou estabelecer uma metodologia em que fosse possível identificar “manipulações deliberadas” através do "ângulo adotado na tomada de cena”, da legibilidade das imagens, iluminação, de marcas na película, entre outros. Dessa forma, caberia ao historiador identificar e separar possíveis tentativas de "adulteração" da análise do documento[11]

Morettin diverge de Ferro sobre o referencial de análise na relação cinema história Na análise do autor, Ferro coloca as fontes escritas em primeiro plano em relação ao documento fílmico. Consequentemente, para Ferro o filme aparecería em luz de um conhecimento histórico já estabelecido a priori para “negar, confirmar ou complementar” a bibliografia Morettin crítica Ferro por esse procedimento enviesar a análise com uma visão teleológica "o voltar, com o conhecimento do que já se passou’, dentro de uma leitura da história teleológica permeia a crítica de Ferro É sob a luz do saber oriundo da tradição escrita que o cinema será interpretado e feito prisioneiro”[12]

Morettin então propõe que o documento fílmico deve ser tratado por aquilo que ele é: um documento. Dessa maneira as perguntas, para se evitar conclusões teleológicas, devem surgir a partir da análise desses documentos e não para dar luz a conhecimentos históricos prévios. Considerando que a imagem possui um caráter polissêmico, as edições feitas não devem ser identificadas como “manipulações”, mas como parte integrante do filme que devem ser devidamente analisadas e questionadas Dessa forma, o documento audiovisual, como objeto de estudo, deve ser entendido em seu singular ao mesmo tempo em que é investigado através das tensões que trava com projetos ideológicos que converge e/ou conflita[13].

Manhunt: Unabomber tem uma especificidade ao não ser um filme de duas horas de duração que passa primeiro nos cinemas[14] Como série, foi originalmente exibida em um determinado horário e agora está disponível no serviço de streaming da Netflix Para discutirmos a indústria televisiva, nos baseamos nos estudos de Amanda Lotz em The television will be revolutionized[15] A autora analisa os formatos de programas com base em seus modelos de financiamento, distribuição e consumo Lotz afirma que muito do que se utiliza para a pensar a televisão atualmente foi escrito durante seu período inicial Segundo ela, a televisão como mídia, entre os anos 1950 e 1980, era um broadcasting As poucas emissoras conseguiam atingir milhares de pessoas. Nos Estados Unidos, desse período, existiam apenas três emissoras NBC, CBS e ABC Assistir televisão era um hábito que se dava no ambiente doméstico e em grupo, devido a menor acessibilidade ao aparelho Dessa forma, os programas televisivos eram espécies de water coolers, pois deveriam agradar, de alguma maneira, diferentes faixas etárias, raças, gêneros e opções políticas[16]

Contudo, a televisão atual nos Estados Unidos é uma mídia de narrowcasting, e não mais broadcasting O público está fragmentado entre centenas de canais de televisão abertos e a cabo, serviços de streaming (Netflix, Amazon Prime Video), plataformas de vídeo sob demanda (iTunes, Hulu, Xfinity) e sites de compartilhamento de vídeos (Youtube, Vimeo, DailyMotion). Além disso, essas diferentes formas de televisão possuem processos econômicos e regulatórios distintos que contribuem em suas normas de operação e que influenciam na possibilidade de programas que podem criar[17].

Como já indicamos, os hábitos de assistir televisão mudaram, se tornando cada vez mais individualizados A disponibilidade de plataformas de reprodução como computadores, notebooks, celulares e consoles de videogame, além da maior facilidade de adquirir o aparelho de televisão tradicional contribuiu para a individualização da prática Esse novo hábito de assistir televisão também está relacionado a fragmentação da audiência por interesses particulares. Isso se deu, inícialmente, em canais específicos para esporte, notícias e cultura: “A princípio, essa programação de nicho era destinado a um público mais geral, com canais como a CNN buscando interessados em notícias, a ESPN atendendo ao público esportivo e a MTV visando a cultura jovem”[18].

A fragmentação aumentou no começo dos anos 2000, quando começaram a surgir, por exemplo, canais para mulheres (Lifetime, Oxygen e WE) que distinguiam entre si por fornecer programação para interesses divergentes Em outras palavras, a audiência passou a se fragmentar por faixa etária, religião, gênero e espectro político[19] No exemplo de Lotz, dificilmente um liberal norte-americano acompanharia um programa da Fox News[20]. A Discovery Channel, um canal de TV presente em planos de assinatura básico, busca, dessa forma, agradar um grupo específico. Por ser dependente de anúncios publicitários para se financiar, a companhia de entretenimento vende inserções para empresas que desejam promover produtos para sua audiência Exploramos, nessa dissertação, como esse modo de financiamento teve impactos na narrativa e da própria escolha de Manhunt como série para ser transmitida no canal

Organizamos a presente dissertação em três capítulos No primeiro deles, intitulado “Tradições de dissenso norte-americanas em Manhunt: Unabomber”, discutimos como a crítica ao mundo moderno e o dissenso, central para a mensagem que Kaczynski buscou passar em seu manifesto, são parte da tradição e do imaginário norte-americano[21] A partir da simbologia sobre Henry David Thoreau e sua casa de troncos no seu livro Walden, contextual izamos a casa de Kaczynski na floresta de Montana[22] Assim, argumentamos que, para compreendermos diversos elementos e imagens presentes na série de televisão, precisamos discutir o dissenso, aliado á ideia de wilderness, a natureza selvagem, dentro da História dos Estados Unidos

No segundo capítulo, ‘ Intelectuais, anti intelectualismo e o homem de ação em Manhunt: Unabomber", analisamos as raízes antielitistas do anti-intelectualismo estadunidense Nesse segundo capítulo da dissertação, tratamos das representações da intelectualidade e de instituições em Manhunt, como também de sua oposição ao homem de ação Articulamos como a narrativa utiliza-se dos recursos de espelhamento e voz over para a construção das personagens de James Fitzgerald e Theodore Kaczynski Ao final, defendemos a necessidade de entender o momento histórico — 2017, ano de eleição de Trump nos Estados Unidos — bem como do público-alvo da série, homens brancos, de classe trabalhadora, com mais de 35 anos, em geral pouco intelectualizados — uma referência ao “homem comum” norte-americano,

O terceiro e último capítulo, “O Produto Cultural Manhunt criação, produção e disputas de narrativa em uma série de televisão”, tem como foco os processos criativo e de produção da série, pela Discovery Channel, e algumas das leituras de seus espectadores. Traçamos como, desde o roteiro original, a produção de Manhunt foi marcada pela disputa da narrativa por parte dos seus idealizadores. Dessa forma, argumentamos que é preciso estudar a Discovery e sua programação tradicional para entender o porquê da escolha da produção de uma série roteirizada "de qualidade” pelo canal Esse produto coletivo ceivado por conflitos e tensões também se reflete nas diferente leituras e interpretações de Manhunt Unabomber Exploramos algumas delas, como relatos de outros agentes que trabalharam no caso, cartas enviadas á Kaczynski na prisão e a recuperação das idéias do terrorista por parte de grupos da extrema direita

1. Tradições De Dissenso Norte-americanas Em “Manhunt: Unabomber”

A série de televisão Manhunt: Unabomber busca reconstituir os eventos envolvendo a investigação — protagonizada na trama pelo agente do FBI James Fitzgerald — de uma sequência de atentados nos Estados Unidos durante os anos de 1978 a 1995, atribuídos ao Unabomber (University and Airline Bomber)[23]. A série narra os últimos meses da investigação do FBI. O agente Fitzgerald, em oposição aos outros personagens que seguiam pistas forenses tradicionais, procurou fazer uma análise linguística das cartas e textos escritos pelo Unabomber, em especial o manifesto The Industrial Society and its future. Consta que o caso foi pioneiro em definir novo instrumento de investigação: a Linguística Forense Na narrativa, a partir da leitura critica dos textos de Kaczynski, o agente tentou extrair pistas que auxiliassem a montar um profile (perfil), analisando marcadores linguísticos que informassem pistas sobre a identidade e formação do autor dos atentados

Representado na trama, o terrorista doméstico Theodore Kaczynski nasceu em Chicago no ano de 1942, filho mais velho de uma família polonesa-americana, mãe dona de casa e pai operário Ele foi criado em um subúrbio de classe trabalhadora Frequentemente lembrado como “estudante brilhante", iniciou aos 16 anos a graduação em Matemática na Universidade de Harvard, formando-se em 1962 Em seguida, decidiu seguir a carreira acadêmica e iniciou o doutorado na Universidade de Michigan, sob a orientação do matemático Allen Shields. Ele concluiu seu doutoramento em 1967 para, em seguida, lecionar na Universidade de Califórnia Berkeley, no cargo de Professor Assistente, onde permaneceu até 1969[24] Em 1971, abandonou a vida acadêmica e se mudou para uma pequena casa de troncos isolada que construiu em Lincoln, Montana[25]

No ano de 1978, Kaczynski enviou uma bomba por correio endereçada a um professor de engenharia da Universidade Northwestern, dando início a uma série de 16 atentados a representantes da tecnologia e modernidade, como acadêmicos e companhias aéreas. Sua campanha de terror continuou por 17 anos, causando a morte de três pessoas e ferindo mais 23[26] Em 1995, um ano antes de ser identificado e preso, foi publicado pelos jornais The Washington Post e The New York Times seu tratado filosófico, chamado pelo FBI de “manifesto", intitulado Industrial Society and Its Future[27] Assinando como “FC" (Freedom Club), a publicação do material foi sua exigência para pôr fim a sua campanha de atentados.

Preso em 1996, ele foi julgado e condenado a cumprir quatro prisões perpétuas consecutivas sem a possibilidade de liberdade condicional Kaczynski apelou a sentença em todas as instâncias, chegando até a Suprema Corte em 2002, onde foi rejeitada[28] Até 2021, Kaczynski ficou na prisão de segurança máxima em Florence, Colorado Durante esses anos, ficou recluso em um bloco denominado de Bombers Row, cumprindo pena com os mais notórios terroristas da história recente dos Estados Unidos como: Timothy McVeigh (Oklahoma City Bombing), Erick Rudolph (Olympic Park Bombing) e Ramzi Yousef (ataque de 1993 ao World Trade Center)[29] É notória a amizade que Kaczynski estabeleceu na prisão com McVeigh, um terrorista de extrema direita antigovemo, executado em 2001[30].

Kaczynski foi transformado em um ícone da cultura popular nos Estados Unidos. São diversos os livros, artigos, exposições, fotos, filmes, séries, podcasts, documentários e obras de arte sobre o terrorista e sua famosa casa de troncos[31]. Após a estreia de Manhunt, diversos grupos no Twitter e Facebook, foram criados para discutir suas idéias.

Essas comunidades criadas por jovens de extrema-direita disseminam memes com sua imagem e frases de seu manifesto[32]

Um outro personagem central de Manhunt é James Fitzgerald, um agente (criminal profiler) aposentado do FBI, representado como o responsável pela prisão do Unabomber Na vida real, Fitzgerald escreveu uma trilogia de livros sobre suas investigações na polícia, da qual faz parte A Journey to the center of the mind: Book III, que conta sua experiência com o caso Unabomber[33] Em adição, ele trabalha como professor universitário na PennWest California, no Departamento de Justiça Criminal e Psicologia

Fitzgerald tem um longo histórico na indústria do entretenimento Sua atuação começou enquanto ainda trabalhava para o FBI, participando como “consultor técnico" na terceira e quarta temporada de Criminal Minds (2005 - 2020)[34] Após a estreia de Manhunt, ele ganhou uma maior notoriedade na mídia Desde então, é convidado para apresentar a Linguística Forense em palestras, entrevistado em podcasts e ocasionalmente convidado a comentar temas relacionados à segurança pública no noticiário da Fox News[35].

O primeiro episódio da série, intitulado UNABOM: Task Force, inicia-se com um texto de abertura informando ao público que a ficção se baseia em eventos reais[36] Em seguida, um narrador apresenta ao espectador o funcionamento dos correios nos Estados Unidos[37] Nessa primeira sequência, que dura cerca de dois minutos, a audiência acompanha o percurso de uma postagem no serviço de correios. A câmera foca em uma caixa de coleta, instalada em local público. Em primeiro plano, vemos um funcionário, o qual não é possível enxergar o rosto, recolhendo as cartas e pacotes contidas dentro da caixa de coleta e as posicionando dentro de um veículo. Já nos correios, o pacote ressurge em uma esteira, no que parece ser uma espécie de triagem, onde recebe um carimbo, por outro funcionário anônimo. A eficiência e automatização são colocadas como evidências do mundo moderno. Em seguida, o pacote é transportado a seu destino, um edifício comercial Uma secretária entrega a correspondência a um dos escritórios, no qual um homem começa a abrir a caixa. Agora, em um plano geral, a câmera se posiciona fora do edifício onde se segue uma grande explosão

É interessante notar que o narrador se identifica ao usar a primeira pessoa “Eu quero que você pense sobre o correio", "Eu posso te enviar biscoitos do outro lado do mundo”, "Eu escrevo um endereço e eles apenas... obedecem”[38] (Unabom, Ep.01). Ou seja, são dadas informações suficientes para que o espectador possa identificar que o narrador é o responsável pelo ato Nas primeiras cenas, já é possível identificar a intenção da série em estabelecer a principal crítica do terrorista ao funcionamento da sociedade moderna: um funcionário fez passar a bomba sem questionar, sem saber que liberava um artefato mortal ao seu destinatário Em outras palavras, agia como autômato, cumprindo o que tinha que fazer, mas alienado do significado do seu trabalho e seus resultados.

Ainda nesses primeiros minutos da série, chama a atenção os momentos em que o narrador fala diretamente com a audiência, comparando o espectador a uma "ovelha", “obediente", parte de uma sociedade formada por indivíduos “autômatos”

Pare de dar como garantido, como uma ovelha complacente e sonâmbula, e realmente pense nisso [...] E veja, isso só funciona porque todas as pessoas ao longo da cadeia agem como autômatos [...] bem, não é sua culpa. A sociedade fez você assim. Mas você é uma ovelha e vive em um mundo de ovelhas. E porque vocês sao todas ovelhas, porque tudo o que vocês fazem é obedecer, eu posso alcançar e tocar qualquer pessoa em qualquer lugar. Eu posso alcançar e tocar você ... Agora[39]

Entendemos que a série está dialogando com um quadro de referências particular e reconhecido pelos norte-americanos, uma tradição de dissenso, o de crítica à modernidade e da ideia de wilderness

1.1 Henry David Thoreau

No Brasil, os Estados Unidos são vistos, em parte, como poderosos e quase implacáveis em termos internacionais, entretanto faz parte da História do país uma forte tradição de dissenso pouco conhecida dos brasileiros O dissenso é um fenômeno amplo, difícil de estabelecer contornos precisos Em geral, está vinculado ao questionamento do governo ou de uma ordem estabelecida Dentro desse escopo ampliado encontram-se os reformistas, os não conformistas, os radicais, os que operam em perspectiva de desobediência civil

Segundo Saul Cornell, desde a sua fundação a nação passou por forte questionamento com suspeita da autoridade centralizada, cujos desdobramentos deitaram raízes na História norte-americana. O autor se refere aos antifederalistas que em debate com os federalistas foram importantes no forjar da Constituição do país Não se trata aqui de descrever todas as tradições de dissenso do país, mas é importante destacar o papel dos transcendentalistas, comentados no correr deste capítulo e que foram referência para a série Manhunt

Os transcendentalistas foram aqueles que apontaram as contradições do mundo moderno que surgia Embora boa parte do dissenso seja vinculada aos radicais progressistas, não é correto estabelecer o vínculo exclusivamente a esse campo da política, já que há radicais á direita igualmente em ações de dissenso[40] Acreditamos que a série de TV Manhunt dialoga com tradições de dissenso do passado e do presente Desse modo, abordar como esses elementos são mobilizados pela série significa entender o produto cultural em seus próprios termos.

1.2 A crítica ao mundo moderno

Na cultura norte-americana, entre tantos outros fatores, houve a elaboração de forte questionamento sobre o mundo moderno a qual é contraposto a uma ideia de natureza selvagem, como observamos com a representação e imagens da wilderness na série Isso porque faz parte das tradições norte-americanas um olhar quase nostálgico sobre a natureza A natureza selvagem, ou mesmo a “intocada", é o contraponto para o mundo industrial e moderno que foi a escolha dos Estados Unidos para alcançar determinado nível social, apesar da desigualdade do país, e o lugar que se encontram no mundo Autores, pintores, escritores se valeram da natureza como um dissenso, um contraste, ao mundo moderno. Mais do que isso, a natureza é vista como lócus privilegiado para o encontro com o divino Na natureza, o homem poderia acessar o divino no seu interior. Para isso, na série Manhunt buscamos entender a questão da natureza acompanhando a narrativa e os elementos mobilizados a partir de seus personagens e cenas. De maneira semelhante, buscamos estudar essa problemática com base nas entrevistas de membros da produção concedidas a nós ou a veículos da mídia

Importa notar que Manhunt mobiliza uma imagem icônica da cultura estadunidense Nos referimos a pequena casa de troncos (log cabin) de Henry David Thoreau, além do imaginário sobre a natureza daquele país. Adiantamos que o programa de televisão em nenhum momento se remete diretamente a esse autor, mas mobiliza símbolos que se referem diretamente a ele Ainda que a série esteja em um serviço de streaming e seja vista pelo público norte-americano, cuja leitura pode prescindir das tradições aqui tratadas, ela ganha muito em significado quando compreendemos esses elementos que orientam o olhar e a interpretação do público norte-americano Os componentes dessas tradições foram selecionados, escolhidos por quem escreveu, produziu e dirigiu a trama.

Henry David Thoreau, considerado um dissenter no século XIX, e sua obra Walden fazem parte do quadro de referências norte-americano e são importantes desde a concepção da série O icônico autor é recuperado para legitimar e justificar certas atitudes tomadas pelos protagonistas Dessa maneira, o programa, ao remeter a casa do terrorista doméstico á pequena casa de Thoreau, aponta para Theodore Kaczynski como alguém que atua dentro dessa tradição de dissenso Assim, em um primeiro momento, discutimos a figura do poeta e filósofo estadunidense, para mostrar como Manhunt projeta a legitimidade de Thoreau sobre seus protagonistas

Dada a importância de Henry David Thoreau, buscamos contextualizá Io em relação a um movimento político-religioso do século XIX, conhecido como transcendentalismo, que tem Ralph Emerson como um de seus principais expoentes. Com base nesses elementos, procuramos mostrar os múltiplos significados da casa de troncos de Thoreau: como templo e lugar de contemplação da wilderness, a natureza selvagem, símbolo da não conformidade e da rejeição à modernidade e seus problemas

1.1.1 Henry D. Thoreau como dissenso nos Estados Unidos

Henry D Thoreau (1817-1862), filósofo e poeta, nascido em Concord, Massachusetts, era um dos herdeiros da fábrica de lápis “John Thoreau & Co” Com os proventos da manufatura, sua família possibilitou seu estudo na Universidade de Harvard. Após sua formatura, Thoreau lecionou em uma escola pública de sua cidade natal, onde permaneceu apenas algumas semanas, quando, diante de sua recusa em castigar corporalmente seus alunos, pediu demissão[41] Pouco tempo depois estabeleceu um liceu, onde trabalhou até a morte de seu irmão e sócio John Thoreau Jr. Entre 1841 e 1843, Henry Thoreau morou na propriedade de Ralph Waldo Emerson (1803-1882) e de sua família Emerson, seu mentor intelectual, foi um dos fundadores do movimento religioso-filosófico que ficou conhecido como transcendentalismo.

O transcendentalismo está inserido em um contexto norte-americano de reação á industrialização, á mecanização do mundo e á sociedade burguesa capitalista Elementos que podem ser vistos na série tanto na construção da personagem de Kaczynski, quanto na do agente da polícia federal, especialista em construir perfis de suspeitos, James Fitzgerald Emerson apontava que existiam duas formas de conhecimento. O primeiro é o entendimento (understanding), o conhecimento formal e o acadêmico imposto pela extemalidade, e o segundo, é a razão (reason) A razão seria um conhecimento inato e intuitivo, presente no self Todos seríamos capazes de reconhecer o que é belo, não precisando do ensino dessa capacidade Quando compartilhamos essas morais universais, estaríamos, de algum modo, nos conectando com a “força criadora" Vendo a natureza de forma positiva, acabou-se por colocá-la como uma entidade viva, a mesma fagulha divina presente no humano estava presente no não humano[42]

Nós reconhecemos a verdade e beleza no momento em que estamos nos conectando com a força criadora do universo. Emerson chamava essa força criadora de 'oversold* e nossas almas individuais seriam parte da oversoul. Todos nós somos parte da divindade. Todos temos uma centelha da divindade dentro de nós. Quando nós vemos isso, nós encontramos autorrealizaçâo, reconhecemos nossa conexão com a natureza, com o universo, com todas as criaturas vivas. Nesse sentido nós vemos que não existe diferença entre humanos, não há diferença no nível da alma entre raças ou gêneros. Assim, autorrealizaçâo nos leva a um mais profundo engajamento com o mundo[43]

Os transcendentalistas viam uma correspondência entre o plano inferior do mundo físico e a esfera superior espiritual[44]. Nesse sentido a natureza assumia importância central Se observada correta mente, podería revelar verdades espirituais universais: “natureza é o símbolo do espírito... o mundo é emblemático”[45] Em outras palavras, adquiria um papel espiritual pois era como um portal privilegiado de acesso às leis superiores que emanam de Deus.

Para os transcendentalistas o homem pertencia ao mundo material, mas tinha o potencial de transcender essa condição usando da imaginação e intuição Da mesma forma, podería descobrir a sua correspondência com o divino e sua capacidade para seu aperfeiçoamento moral Todos os indivíduos teriam a capacidade de transcender; no entanto, esse era um caminho difícil e delicado, que só poderia ser encontrado na individualidade[46].

Esse movimento colocava como central o self e a busca solitária por essa conexão com a força criadora. A sociedade demanda de seus indivíduos obediência, a supressão do self, dizia Emerson Como resposta, ele defendia a não conformidade, o sujeito deveria pensar e viver com base no self, naquilo que todos têm como divino. As instituições e legislações deveríam ser questionadas se afirmassem como um homem devia viver Cada indivíduo deveria ser autossuficiente, para pensar e reger sua vida, mesmo que não correspondesse com as expectativas de um outro ou da sociedade:

Em todos os lugares a sociedade está em conspiração contra a humanidade de todos os seus membros. Uma Sociedade Anônima, na qual os membros concordam, para melhor assegurar o seu pão ao acionista, a abrir mão da liberdade e da cultura daquele que se alimenta. A virtude mais requisitada é a conformidade. Autossuficiência é a sua aversão. Ela não gosta da realidade e dos criadores, mas de nomes e costumes. Aquele para ser um homem, deve ser um não-conformista[47]

Autores consideram o movimento transcendentalista, e, dessa forma, Henry David Thoreau como uma dissidência Se Emerson foi expoente de grande relevância, Thoreau é aquele que levou os princípios do transcendentalismo mais longe Além das críticas ao modo de vida capitalista industrial, o autor também defendeu, no livro Resistance to Civil Government (1849), o "dever" do indivíduo em se opor a leis consideradas "injustas'’[48] Embora a primeira edição tenha recebido pouca atenção, a partir de sua reimpressão em 1866, o texto ganhou fama e passou a ser considerado uma das obras de maior influência da literatura norte-americana[49]

Uma das razões pela qual o texto ficou conhecido foi a forma como o autor compôs o tópico da desobediência civil, que se consolidou como uma rejeição ativa de alistamento á Guerra com o México (1846-1848), leis e/ou instituições consideradas injustas, mesmo que essa ação fosse contra "status quo” O livro de Thoreau ganhou grande popularidade na década de 1960 e vicejou entre os da contracultura e protestos contra a Guerra do Vietnã. Mais do que isso, o texto de Thoreau se tornou referência para protestos e manifestações não violentas nos Estados Unidos e além A partir da proposição de ações como o não pagamento de impostos (realizado por Thoreau como protesto contra o financiamento da guerra contra o México e da escravidão), suas propostas serviram de base para interpretações sobre a resistência não violenta de líderes como Martin Luther King[50] e Mahatma Gandhi[51].

A popularidade das obras do autor também nos leva a perceber seu impacto na cultura popular do país. A figura de Thoreau é disputada por grupos distintos, que muitas vezes possuem interesses conflitantes Ele é celebrado por libertários, que veem em sua busca por autonomia e objeção ao Estado um homem a ser lembrado. Por outro lado, durante a luta por direitos civis, indivíduos e grupos enxergavam nele métodos pacíficos para questionar autoridades injustas em diferentes instituições Em adição, na contracultiira, hippies viam no transcendentalismo e em Thoreau, uma forma de espiritualidade alternativa á tradição judaico-cristã[52] Buell aponta que todos encontram algo no filósofo para se apropriar, sua imagem aparece como símbolo em diferentes lugares da cultura norte-americana[53] Assim, não é de se surpreender que Thoreau seja referenciado no cinema e na televisão.

É possível encontrar referências sobre Thoreau em animações como South Park, The Simpsons e em quadrinhos do New York Times. Filmes como Amazing Grace and Chuck (1987), Dead Poets Society (1989) e Awakenings (1990) representam a figura[54] Mais recentemente, teve presença simbólica em longas aclamados pela crítica como Into the Wild (2007) O filme, baseado na história real de Christopher McCandles (Emile Hirsch), narra o percurso de um jovem representado como bem-sucedido em seus estudos e com um futuro promissor No entanto, ao sentir que estava sendo "corrompido" pela sociedade moderna, doa sua poupança para caridade, queima sua identidade e cartões de crédito Nesse filme de d rama-aventura, o personagem abandona seus pertences e adota um novo nome, atravessando os Estados Unidos com o objetivo de chegar a uma região isolada do Alaska, onde pretendia uma vida mais simples[55] Thoreau está presente de forma simbólica nesse filme, assim como o filósofo, a personagem do filme, McCandles, via na wilderness, a natureza selvagem, solução para seu descontentamento com a civilização e seus problemas

Em séries de televisão, apenas para citar um exemplo, há The Society (2019), disponível na Netflix voltada a um público jovem. A narrativa inicia com o desaparecimento da população adulta de uma cidade, na qual as crianças e adolescentes se encontram cercadas por uma natureza selvagem Depois de algum tempo, ao resolverem adentrar essa selva desconhecida, um dos personagens cita um trecho icônico da obra Walden de Thoreau “Fui á floresta porque queria viver deliberadamente, encarar apenas os fatos essenciais da vida, e ver se eu podería aprender o que ela tinha a ensinar, e não, para quando eu vier a morrer, descobrir que nunca vivi”[56]

Tanto Emerson como Thoreau são tratados como pensadores de destaque, seja a partir do olhar do especialista na academia ou na cultura popular. Isso porque uma audiência ampla continua a explorar a sua imagem e as representações de Walden como metáfora ou ideal a ser seguido[57] Manhunt trilha esse mesmo caminho, ao fazer constantes referências ao cenário, estética e valores associados á Thoreau Dessa maneira, se faz necessário adentrar breve mente no conteúdo de Wafcten para mostrarmos como essas questões aparecem na série e nos discursos dos membros da produção

1.1.2 Símbolo para os norte-americanos: a casa de troncos (log-cabin) de Thoreau em Walden

Walden, obra mais famosa de Thoreau, foi escrita entre 1845 e 1847, durante o retiro de dois anos do autor no lago de Walden, propriedade de Emerson, no meio da floresta, próxima a Concord, Massachusetts[58] O livro é relato de experiência pessoal, indicando que é possível viver de forma autônoma, para além das barreiras do materialismo e das imposições sociais, explorando um progresso espiritual a partir de uma conexão com a natureza[59] A subsistência do autor, na maior parte de seu período no lago, dependia de uma pequena horta que possuía feijão, batata, milho, ervilha e nabo Outra parte de sua dieta vinha da caça de pequenos animais e da coleta de frutos na floresta[60]

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Figura 1 - Folha de rosto da primeira versão impressa de Walden
[61]

Ressaltamos na imagem acima a pequena casa de Thoreau já impressa na primeira versão de Walden, em 1854; trata-se, portanto, de um imaginário que atravessa quase 170 anos É exatamente em referência a essa casa que se dá a abertura da série, mostrando o modo de vida de Kaczynski em meio á natureza e mobilizando todo o referencial de dissenso contra o mundo moderno.

Thoreau construiu a própria casa tábua por tábua e relatou de quanto precisou de material e dinheiro para fazer a própria moradia e relatou o passo a passo em Walden Do mesmo modo, como veremos a seguir, Kaczynski construiu a própria casa com rigor matemático, conforme relato do seu irmão na série. Segundo ele, era algo perfeito. A casa de Thoreau, no século XIX, média 3x4 5 m2[62]. Como mobília, possuía apenas uma cama, mesa, três cadeiras, espelho e lamparina Já de utensílios domésticos, tinha uma chaleira, frigideira, panela, jarro para melaço, balde para lavar louças, concha, colher, três pratos e dois garfos e facas. O homem precisava apenas de “comida, abrigo, vestuário e combustível” para sobreviver[63].

O pensador afirmava que, entre o homem civilizado e o selvagem, o primeiro morava melhor, em palácios, comparado ao segundo, no entanto, era mais pobre, porque a morada do civilizado é muito mais custosa[64] O mundo civilizado aprisionava o homem, ainda que houvesse o discurso de liberdade Quer-se dizer que a pequena casa de Thoreau é simbólica para a cultura norte-americana De modo que, quando uma pequena casa de madeira é desenhada, imediatamente vincula-se a Thoreau

O autor define os custos do mundo moderno como "aquilo que eu chamo de vida que é requerida para ser trocada por algo, imediatamente ou no longo prazo”[65] No seu contexto, o autor apontava que apenas uma fração daqueles que moravam na cidade poderíam adquirir uma casa, já que a maioria pagava aluguel Aqueles que possuíam condição e se aventuravam em comprar uma casa, trocavam cerca de quinze anos de trabalho, ou até metade de sua vida, para adquirir uma "caixa luxuosa”, dessa forma, "seria o selvagem sábio em trocar sua cabana por um palácio nesses termos?”[66] Essa casa seria comparável a uma caixa ou a uma caverna porque era uma obstrução, que impedia a contemplação da natureza “pássaros não cantam em cavernas, nem os pombos mostram sua inocência em um ninho”[67]. Como vemos na imagem acima, a imagem da construção de Thoreau, representada na folha de rosto da primeira versão do livro, aparece inserida e em harmonia com a natureza

Thoreau observava e questionava os primeiros efeitos da industrialização, não só no sentido da expansão da quantidade de fábricas, mas como isso acompanhou um novo modo de percepção, significado e valores por parte da sociedade — ou a emergência de uma nova cultura Nesse sentido, o relógio ocupava um lugar central no modelo de economia de Thoreau Isso é representativo do papel que o instrumento assumia na expansão do industrialismo na Nova Inglaterra do século XIX Com a construção de fábricas e ferrovias, tornou-se imprescindível o acesso de larga escala ao tempo exato No período anterior, relógios eram itens relativamente caros e de luxo, feitos somente por mestres artesãos[68]

Sendo fabricado em larga escala, Thoreau observou que a ferramenta do aparato industrial passava a reger o modo de vida do trabalhador, que se tornou uma máquina. O indivíduo transformou-se em um autômato, pois sua vida passou a ser estritamente orientada por uma tecnologia aparentemente impessoal e autônoma[69] Dessa forma, o filósofo alertava que os homens tinham perdido o controle de suas próprias invenções, que passaram a ditar o seu próprio modo de vida “o homem virou a ferramenta de suas ferramentas”[70] Veremos que parte dessas críticas podem ser encontradas na série Manhunt A série está inserida dentro de uma temática maior no audiovisual Quando a audiência vê a casa de troncos de Kaczynski, existe uma série de imagens e narrativas ás quais podem ser mobilizadas.

1.2.3 A casa de troncos de Kaczynski

Nessa seção trabalharemos os diferentes significados da pequena casa de Theodore Kaczynski na série. O personagem é representado, em grande parte da narrativa, como alguém que construiu a sua própria casa de madeira Mostraremos como esse local possui diferentes camadas de significados: podendo ser lugar onde é possível sonhar uma diferente realidade; como um símbolo de dissenso á sociedade industrial; como representação do perigo, ao ser espaço isolado de fabricação de materiais explosivos; lugar em que se revive de maneira isolada e solitária os traumas da vida.

A casa de troncos representada na série é símbolo da dissidência do personagem perante a sociedade estadunidense Kaczynski reside isolado, de modo primitivo, sem eletricidade e água corrente, colhe alimentos na floresta, se alimenta de caça e da sua pequena horta Faz trabalhos pontuais e manuais, vivendo com cerca de quatrocentos dólares por ano (Abri, Ep. 05) Mora sozinho em sua casa de 3 x 3 6 m2, portanto, semelhante ao tamanho da moradia de Thoreau, distante de qualquer vizinho, mas próximo a um vilarejo onde tem acesso a jornais. Como Thoreau, Kaczynski não estava completamente isolado Mesmo assim, utilizamos aqui o adjetivo isolado para nos referirmos á localização de Kaczynski porque o povoado era pequeno e apenas um centro para prover necessidades Entretanto, ele e Thoreau não eram eremitas longe de tudo e todos. Em Lincoln, estado de Montana, Kaczynski facilmente se deslocava de bicicleta a esse povoado onde comprava o que precisava, mantinha algumas relações e frequentava a biblioteca. Nutria sentimentos pela bibliotecária e o filho dela, a quem ensinava matemática (Ted, Ep 06)

Na sequência de abertura da série Manhunt há a imagem de uma caixa de correio com selos e marcas convencionais, que se dobra como um origami As pontas superiores vão se retraindo e se moldando, até formar a casa de troncos de Kaczynski Em primeiro plano, surge o título da série, Manhunt escrito em vermelho, Unabomber, imitando uma tipografia da máquina de escrever Aos poucos, em terceiro plano, ao fundo, revela-se a silhueta de várias árvores que circundam a casa, formando-se em contraste com o fundo preto. Ressaltamos a importância da sequência de abertura, presente em todos os episódios da série Nesse primeiro momento, não há imagem de Kaczynski, a personagem central da série; entretanto, o espectador é introduzido á natureza á casa de troncos Tal perspectiva, indica que a própria imagem da pequena casa e o letreiro basta para que a audiência compreenda a mensagem

Destaca-se, o fundo escuro e sombrio que a envolve A casa parece flutuar no ar, ao não possuir um pavimento bem delineado. O material com que é feita, uma caixa de papelão, remete ao material usado por Kaczynski para enviar suas bombas, mas também pode se referir ao próprio uso, um lugar para reservar algo ou refúgio e esconderijo de alguém, neste caso, Kaczynski (FIGURA 2)

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Figura 2 - Imagem da sequência de abertura da série Manhunt: Unabomber

Nota-se na figura acima, a semelhança imagética com a folha de rosto da primeira versão impressa de Walden (FIGURA 2) Apesar de no livro de Thoreau a casa ser mais delineada, os elementos utilizados para a representação, como a temática da simples casa envolta a uma natureza, permanece na série. Assim, a moradia de Kaczynski é uma clara referência a Henry David Thoreau na vida do terrorista e no produto que analisamos

Ao mobilizar esse símbolo, a série se comunica com os norte-americanos em geral Basta uma imagem de uma pequena casa de madeira em meio ao nada para que se lembre da casa de Thoreau É recuperado do passado um símbolo da não conformidade, embora seja difícil para quem desconhece essas tradições norte- americanas compreenderem as camadas de significado mobilizadas Esse símbolo evoca a rejeição do materialismo, da sociedade moderna e suas hierarquias Novamente, para um espectador brasileiro, isso pode passar despercebido, mas o norte-americano reconhece Thoreau dentro do quadro da cultura política do país. Isso não quer dizer que todo estadunidense concorde com as idéias do filósofo, mas que reconhece os códigos e identifica a figura do pensador dentro de um contexto histórico de dissidência Nesse sentido, a legitimidade desse ícone é projetada no personagem de Theodore Kaczynski

A série ao aproximar o terrorista doméstico de Thoreau, o coloca como dissenter, apesar de que as escolhas feitas por Kaczynski não serem as mesmas do pensador do século XIX Enquanto Thoreau propunha desobediência civil de forma pacífica, o Unabomber ao discordar do mundo moderno, escolheu uma forma extremada de violência: enviar bombas pelo correio a pessoas simbólicas do mundo que questionava

Logo após a abertura aqui comentada, a segunda referência á casa de troncos aparece, com mais detalhes, em um diálogo entre James Fitzgerald e David Kaczynski durante a fase mais avançada da investigação, após o irmão do terrorista e sua esposa reconhecerem as idéias e o texto do Unabomber e contactar o FBI (Abrí[71], Ep. 05). O irmão de Theodore Kaczynski mostra, quando o agente do FBI vai até sua casa, uma foto da casa de troncos do terrorista Logo em seguida, a câmera, em travelling, nos aproxima e mostra a morada de Theodore A casa é cercada por árvores, algumas estão secas, outras possuem folhas de um amarelo vibrante, apesar de predominar um tom acinzentado ao fundo A narrativa volta sua atenção para o diálogo, o irmão conta que mantinha algum contato com Theodore, quando ele voltava para fazer pequenos trabalhos, mas tudo isso mudou quando se afastou depois de um desentendimento. David continua e diz que seu irmão foi para a natureza por suas convicções, mas também porque o relacionamento entre os dois foi rompido.

David Kaczynski fala ao agente do FBI, James Fitzgerald, sobre o modo de vida do irmão em Montana: “É a perfeita simplicidade [...] ele vive fora do sistema”[72]. A casa aparece inserida na natureza ao mesmo tempo em que, de certa forma, ocultada do olhar do espectador, pois a cena apenas circunda a casa, não nos oferecendo mais detalhes sobre o ambiente (Abri, Ep.05). David se dedica á vida de forma diferente ao seu irmão Na série ele mora em uma casa característica de um subúrbio norte-americano Vivendo com sua esposa no estado de Nova Iorque, é representado dentro de um ambiente doméstico comum aos norte-americanos, habitando uma casa espaçosa, com automóvel na garagem. Dessa forma, é um típico norte-americano de classe média (Abri, Ep. 05).

David é representativo, desse modo, do estilo de vida que seu irmão mais velho rejeita A personagem serve como um forte contraste que destaca as escolhas de vida, materiais e afetivas que Theodore desaprovava As cenas em que ele e sua esposa são representados dentro da residência são marcadas pela utilização de uma paleta cinza de cor, predominando o uso de plano fechado De alguma forma, tanto o irmão como o agente do FBI são personagens complexos que rejeitam completamente as ações terroristas de Kaczynski, mas o admiram devido a sua consciência sobre a vida moderna e por ter a coragem de dar outro rumo á vida é possível notar tal perspectiva quando o irmão descreve a casa de troncos como de “uma simplicidade perfeita" (Abri, Ep.05)[73].

Fica marcada a centralidade da casa de troncos para se entender a narrativa do personagem É também naquele espaço que revive seus traumas, se afastando das relações humanas. No vilarejo nas proximidades da sua pequena casa, quando o garoto, filho da bibliotecária a quem Theodore ensina matemática e aconselha sobre problemas na escola, o convida para sua festa de aniversário, Kaczynski constrói com suas próprias mãos um simples instrumento de música para o garoto. Ao chegar na porta da casa, observa o exato momento em que o aniversariante sorridente é presenteado com um moderno teclado eletrônico. As pessoas em volta se mostram impressionadas com o instrumento tecnológico O presente já havia deslumbrado o garoto e Theodore, decepcionado, não adentra a residência, voltando em meio a noite escura para a casa de troncos, onde tranca a porta e se fecha para o convívio social (Ted, Ep.06)

A casa de troncos, em referência a log-cabin, tão em evidência no imaginário norte-americano também é o lugar em que Kaczynski prepara e armazena os explosivos É ali que reúne ferramentas e ingredientes químicos necessários para, com cuidado e destreza, construir seus artefatos destrutivos. Durante a narrativa, é revelado que guarda uma bomba debaixo de sua cama, indicando o impulso de continuar com sua campanha e o risco que se expõe ao dormir em cima do objeto explosivo Nesse sentido, a casa de troncos também pode significar perigo A sua mesa, onde constrói a destruição, também é o espaço privilegiado da sua máquina de escrever, a qual utiliza para redigir o manifesto contra a sociedade industrial O documento foi enviado a jornais do país, sendo publicado na esperança de que o Unabomber parasse com os atentados

Após Kaczynski ser detido pelo FBI, a casa é removida de Montana. Em uma cena é mostrada uma serra elétrica cortando os tocos de sustentação da casa, o barulho alto do equipamento elétrico, causa uma sensação de desconforto, perturbando animais e o próprio espectador (FIGURA 3) Para acrescentar, o ruído da hélice do helicóptero, necessário para a retirada da casa de troncos em meio a wilderness, aumenta a perturbação A modernidade e as suas máquinas perturbam a ordem natural A cena é violenta e bastante simbólica: são trazidos objetos tecnológicos para desenraizar a casa, ao mesmo tempo em que amplifica os sons das máquinas, estranhos naquele ambiente, mas conhecidos no cenário urbano (USA vs Theodore Kaczynski, Ep. 08).

Abaixo, imagens do momento em que o helicóptero transporta a casa sobre a floresta e o rio, em cena inimaginável. Em seguida ela passa sobre uma cidade até ser transferida para um trem Notamos também uma estética que lembra as pinturas da escola do Rio Hudson do século XIX, como veremos a seguir As proporções ao longo da sequência destacam a enormidade da paisagem natural em relação às tecnologias humanas De muitas maneiras, a série mostra a relação predatória que o homem, no caso o norte-americano, tem com a natureza no passado e no presente.

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FIGURA 3 - Casa de troncos em transporte. A cena em que a casa de troncos é removida e transportada é especialmente longa, com quase dois minutos de duração. Ela é o início do último episódio da série, intitulado USA vs Theodore Kaczynski
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Destacamos a importância de se discutir como a série apresenta e representa a moradia de Kaczynski em Montana, a casa de troncos em meio à floresta, e sua similitude com aquela de Thoreau em Walden Para o espectador norte-americano, essa não é uma simples cabana A casa pertence ao imaginário norte-americano, a um quadro de referências que têm sentidos diferentes daquele do espectador brasileiro Essa estética da casa de troncos em meio á natureza faz parte então de uma tradição estadunidense que está ligada á ideia de wilderness, conceito que discutiremos a seguir Para além da comparação entre as casas de Kaczynski na série e da folha de rosto de Walden, podemos pensar a moradia em um contexto mais amplo

A seguir, inserimos uma fotografia da casa real de Kaczynski em seu contexto original em Montana (FIGURA 4). A casa só faz sentido em um contexto de natureza. Ela é o "mínimo“ que permite ao homem sobreviver no ambiente hostil da floresta Seja com Thoreau ou com Kaczynski, o importante era a experiência nesse ambiente.

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FIGURA 4 - Fotografia da casa de Kaczynski em Lincoln, Montana
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Voltemos á série Manhunt e vejamos uma outra imagem da casa em cenário completamente diferente Nessa cena, a casa é representada em um galpão frio e estéril do FBI, perdendo completamente seu sentido, tamanho e condição (FIGURA 5)

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FIGURA 5 - Cena em que o agente Fitzgerald mostra a casa de troncos no galpão do FBI para Kaczynski
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Em uma matéria do New York Times sobre a exposição do artista polonês Robert Kusmirowski, identificamos mais uma representação da casa de troncos (FIGURA 6) Desta vez trata-se de uma reprodução da casa por parte do artista Na descrição, o repórter destaca que “o tema da cabine do Unabomber foi exaurido pela arte americana, e talvez na Europa”[77] Em outras palavras, tanto Unabomber como a sua pequena casa extrapola os meios policiais e judiciais. Eles chegam aos serviços de streaming e às galerias de arte Ressaltamos as semelhanças entre as representações das casas: a primeira na série quando no galpão do FBI e a segunda na exposição, como arte Elas estão em locais "estéreis’', alheios à sua ideia original, pensadas para estar em outro lugar, no contexto da natureza.

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FIGURA 6 - Reprodução da casa de troncos pelo artista polonês Robert Kusmirowski
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Vejamos agora uma descontextualização e reconstituição de sentido numa exposição da casa de Kaczynski, no museu interativo Newseum dedicado ao jornalismo, em Washington, DC, objeto de artistas, lugar de visitação, interesse de curiosos e destaque na série Ao fundo da fotografia, capturada na exposição, podemos ler em uma placa “um louco e seu manifesto” (FIGURA 7)

Com o fechamento do museu em 2019, a casa de troncos de Kaczynski voltou para as dependências do FBI Em um curto vídeo postado no site oficial da agência de investigação, é reproduzida a reconstrução da casa de troncos, agora dentro do museu da instituição (FBI Experience) Em outras palavras, nessas exposições museológicas a casa de troncos aparece como objeto de curiosidade e entretenimento (FIGURAS 7 e 8)

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FIGURA 7 - Casa de Troncos na exposição sobre Kaczynski. Newseum, Washington, DC
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FIGURA 8 - Remontagem da casa de madeira nas dependências do FBI.
No letreiro: "Kaczynski realizou 16 ataques a bomba que mataram três pessoas e feriram outras 24"
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1.2.4 A produção de Manhunt e a casa de troncos

A construção da casa de troncos para a filmagem de Manhunt foi um processo que ocupou considerável tempo e esforço Em nossa entrevista, Greg Yaitanes, diretor da série, disse que sua intenção era recriar a casa de Kaczynski nos mínimos detalhes[81] Para isso, Yaitanes fez uma viagem de trabalho a fim de visitar o Newseum em Washington D C, onde a casa do terrorista estava em exibição. Naquela ocasião, observou e tirou fotos para reconstruir “cada polegada e textura” Ainda mais, revelou que o interior da casa foi o único elemento filmado em estúdio.

A única coisa que tínhamos em estúdio era o interior da casa dele. Nós fizemos uma viagem de trabalho para o Newseum, em Washington D.C, eu não acho que a casa está mais lá, só que naquela época estava e nós estudamos cada polegada e textura. Ela foi meticulosamente recriada, exceto pela altura, porque o Paul [ator] é mais alto que o Ted, então a gente adicionou algumas polegadas para ele não ficar curvado lá dentro. Excluindo isso, tudo foi perfeitamente recriado. Erik Carlson que fez o nosso design de produto e o time dele foram excelentes. Nós temos fotos [que permitiram recriar tal e qual], as evidências e onde as coisas estavam, tínhamos muita documentação [para comprovar como a casa era] e foi absolutamente incrível de recriar[82]

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FIGURA 9 - Imagem em panorâmica do interior de uma das versões da casa de troncos. Localizada em estúdio para fácil filmagem e utilizada quando não era necessário filmá-la no ambiente externo
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Erik Carlson, responsável pela cenografia, comentou o empenho na reprodução da casa Foram construídas três versões diferentes: uma que ficava na floresta, outra que poderia ser erguida e transportada, e a terceira no estúdio para fácil filmagem das cenas (FIGURAS 9 e 10). A cada nova cena, se uma versão diferente era utilizada, se tornava necessário remanejar e organizar os objetos.

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FIGURA 10 - Nessa imagem temos a casa de troncos alocada em estudio. E possível ver com mais detalhes as dimensões interiores
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Como um elemento emblemático e reconhecido, era importante reproduzir os detalhes de forma minuciosa: “aquela casa ia ter um caráter central, sendo tão icônica que é uma daquelas coisas que você pode colocar no Google e ver onde a gente errou ou fomos preguiçosos. Nós fizemos mais perto da realidade com base nas fotos”[85] Como os objetos da casa não estavam no museu, foram utilizadas fotografias do FBI [para refazê-los], assim os livros presentes na cabine[86], adquiridos para as filmagens, foram impressos antes de 1995, ano anterior á prisão de Kaczynski

Foi possível notar que a importância em recriar com fidedignidade a casa de troncos de Kaczynski era, para Yaitanes, mais um dos elementos que legitimou a série como “extremamente baseada em fatos”[87]. Segundo ele, isso proveu "credibilidade” e “autenticidade” para a narrativa Essas características foram decisivas para executivos da Discovery apoiarem a produção de Manhunt.

É importante destacar que os trabalhadores da criação e produção tiveram diferentes interpretações sobre o significado da casa de troncos A série, como já indicado, contou com diferentes versões do roteiro Tony Gittleson e Andrew Sodroski, em momentos diferentes, foram responsáveis por dois roteiros e versões distintas da série[88] Mas ambos se orientaram por Thoreau para tratar da casa de Kaczynski

Sodroski, que escreveu o roteiro do produto final, nunca leu o texto original de Gittleson. O resultado é que eram versões contrastantes do caso do Unabomber, ainda assim ambos tiveram como referência o filósofo do século XIX para pensar o terrorista doméstico

Gittleson, que gentilmente nos forneceu o roteiro original comprado pela Discovery (intitulado Manifesto) inicia o primeiro parágrafo, ou o que seria a primeira cena, descrevendo a casa de Kaczynski (FIGURA 12)[89]. O roteirista estabelece um paralelo direto com Thoreau em Walden. Apesar dessa aproximação, Gittleson deixa claro a diferença entre os dois ambientes e personagens: distante do paraíso de contemplação do filósofo norte-americano, aquela é a casa perniciosa do vilão[90].

Como a casa de Thoreau... só que nessa casa tudo é maligno. Menos [próximo] do lago em Walden e mais próximo da toca da raposa em Chapeuzinho vermelho. Uma leve neve cai. Devagar nós somos PUXADOS... [91]

Gittleson, Sodroski e Kaczynski compartilharam as mesmas referências, mas com interpretações distintas[92] Todos estudaram em Harvard (25 km de Walden) e moraram em Massachusetts. No entanto, Sodroski, se comparado a Gittleson, estabelece uma relação diferente com a casa de troncos.

Em nossa entrevista, o roteirista e showrunner disse que a casa do Unabomber invoca uma beleza estética como a de Thoreau. Seria o que atraía muitas pessoas a pensarem sobre Kaczynski e consequentemente assistirem à série Sodroski relembrou, de forma positiva, que em sua infância visitou, em múltiplas ocasiões, o icônico espaço onde ficava a casa do filósofo.

O roteirista demonstrou certa empatia, mas também fascínio, ao revelar que, durante a produção da série, entrou na casa de troncos construída na floresta, ficando em diversas ocasiões sentado “na mesma cadeira do Ted" Um dos motivos que o motivou a fazer esse trabalho foi o de se imaginar vivendo nas mesmas condições que Thoreau e Theodore Kaczynski

Para mim isso é o que me cativa. Quando eu penso no Unabomber, eu acho que parte do que deve atrair muitas pessoas para essa história é vislumbrar aquela casa. E parece realmente muito bonita, como a do Thoreau, sabe? A casa do Thoreau.. Eu crescí em Massachusetts e nós costumavamos ir para o lago de Walden o tempo todo, é uma grande atração turística porque as pessoas querem imaginar aquela vida. Então fazer parte dessa série para mim, [está relacionado] com a minha própria fantasia de me por naquele mundo, e podería eu viver naquela casa? Podería viver daquele jeito? A casa [da série] foi construída na floresta e eu me lembro de ir lá e me sentar na mesma cadeira do Ted por um longo, longo período e é muito fascinante[93]

Assim, em distintos ciclos da série, seja na criação ou produção, os roteiristas centrais partiram da referência de Walden. Enquanto para Gittleson tivemos uma oposição bem delineada entre as casas de Thoreau e Kaczynski, com Sodroski houve uma convergência Existia, no texto de Gittleson, algo de maligno naquele ambiente de Kaczynski Já para Sodroski, havería algo belo a ser vislumbrado, imaginado e fantasiado

O ator britânico Paul Bethany, quando promovia a estreia de Manhunt, comentou ter feito uma imersão para interpretar Theodore Kaczynski Bethany revelou que, durante alguns dias, buscou morar em uma casa isolada No entanto, destacou que o local era diferente da casa de troncos, pois ele tinha confortos, como água encanada e energia elétrica O ator buscou a experiência do isolamento, se distanciando dos excessos da sociedade contemporânea

Sim, mas eu tinha água encanada e eletricidade e foi muito lindo, muito obrigado, mas [...] eram dias e finais de semanas, e eu acho que o período mais longo que fiquei [isolado] foram três dias. Eu sou pai, tenho que estar em contato [com a família], mas eu queria experimentar um tipo de solidão por três dias. Porque a gente não tem isso com toda essa troca de mensagens, e-mail, ficando online o tempo todo e olhando o noticiário., e poder realmente desligar, não ter nada disso por três dias e não ter contato com pessoas [durante o isolamento]. Engraçado que quando eu voltei ao trabalho de manhã minha voz falhou porque [naqueles três dias] eu não precisei falar[94]

É interessante notar que o ator, quando relatou sua experiência, estava em um estúdio da Build series em Manhattan. O local, que fica no andar térreo de um edifício, tem as paredes externas feitas de vidro Assim, enquanto entrevistador e entrevistado conversavam, a audiência enxergava no plano de fundo o intenso movimento de veículos e pedestres nas ruas da metrópole, indicando a sua consciência do ambiente de Kaczynski e o mundo moderno que ele criticava

De forma semelhante, o ator australiano Sam Worthington, que fez o James Fitzgerald, promovendo a estreia de Manhunt em um programa de radio, estabeleceu um paralelo entre sua experiência individual e a série O ator conta que, quando fez trinta anos, vendeu a maior parte de seus objetos para viver em seu carro Não por necessidade econômica, pois já era um ator reconhecido na Austrália Ao contrário, em sua justificativa, relata que o excesso de consumo o estava transformando como indivíduo, modificando o seu comportamento e personalidade. Assim, viu como saída se livrar de seus bens materiais e viver com o mínimo necessário[95]

Worthington não cita Thoreau Obviamente, como australiano as referências norte- americanas não eram tão marcantes para ele Entretanto, ele demonstrava consciência dos custos da vida moderna A casa de troncos também não é literalmente referenciada pelo ator, mas para ele, viver em um carro passou a simbolizar autonomia e rebeldia contra a sociedade contemporânea Ao mesmo tempo, representava um sinal de austeridade, viver com o mínimo, em contraponto aos excessos que permeiam o cotidiano.

Em uma sequência não adicionada na série, em que temos apenas indícios fotográficos (que foram cedidos a nós pelo diretor), a réplica da casa de troncos de Kaczynski foi montada na área interna de um shopping center Uma pessoa representa Kaczynski vestindo roupas semelhantes ao personagem da série, do lado de fora ele observa as pessoas a sua volta A contradição dessa exposição é grande: o contraste das idéias e modo de vida de Kaczynski no interior de um shopping — uma das construções mais simbólicas da cultura do consumo e da sociedade moderna Essa cena deixa claro, o antagonismo e a crítica que pretendem estabelecer (FIGURA 11).

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FIGURA 11 - Vemos uma cena que nao foi utilizada em nenhum episódio no produto final de Manhunt.
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FIGURA 12 - Primeira página do roteiro comprado pela Discovery escrito por Tony Gittleson Durante a filmagem da série o título foi mantido, era chamado de Manifesto, no entanto para exibição na Discovery passou a ser chamado Manhunt</em>
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1.3 Tradição norte-americana da wilderness: a escolha estética em Manhunt

A pequena cabana de Kaczynski não pode ser compreendida sem a ideia de wilderness, que foi representada na série e faz parte da estética de Manhunt As cenas de natureza selvagem estão localizadas sobretudo nos úttimos episódios. No entanto, os valores relacionados a ela permeiam a série A wilderness pode ser entendida como oposta á "civilização" e seus problemas. Assim, a natureza aparece como uma saída possível para recuperar a autonomia diante das constrições do mundo moderno

Dessa forma, iniciamos com um contexto de como esse conceito é transformado ao longo da História dos Estados Unidos. A seguir, apontamos como a wilderness foi fundamental no processo de formação de uma identidade estadunidense durante o século XIX e XX. Discutimos ao final duas sequências da série em que a wilderness é representada como antítese da “civilização” Essas sequências marcam o começo do primeiro episódio e o final do último deles (UNABOMB, Ep01), (USA vs Theodore Kaczynski, Ep 08).

1.3.1 A ideia de wilderness na História dos Estados Unidos

Para examinar a ideia de wilderness, é preciso discutir seu significado e etimologia dentro de um contexto de identidade e expansão territorial: “A palavra é um substantivo, mas é usada constantemente como adjetivo (...) indica qualidade - característica do sufixo inglês ness - a produção de humores e sentimentos no indivíduo”[98] Para Mary Junqueira, wilderness se relacionava a um local o qual, pela observação, traria ao homem sentimentos e sensações, um estado mental específico: “É o olhar do homem que dá sentido ao wilderness”[99] Dessa forma, entendemos que o termo só pode existir com a relação direta entre o homem e a natureza

A origem teutonics da palavra, segundo Junqueira, viria de wild-eor (besta selvagem) que gerou o verbo do inglês arcaico to wilder (perturbar, desnortear, desencaminhar) A autora também aponta seu uso em traduções bíblicas para o inglês para designar lugares áridos, como o território entre o Egito e Canaã (em Êxodo), de difícil sobrevivência para homens "No Novo Testamento, Jesus Cristo esteve durante quarenta dias isolado no wilderness, onde foi tentado pelo demônio"[100] As sensações e emoções específicas da relação entre o indivíduo e a natureza, características do wilderness, seriam então o desnortea mento e o estranhamento

A compreensão do wilderness, geralmente, está relacionada a um lugar onde a percepção humana é abalada, ampliada ou ainda perturbada. A relação é da permanência do homem num meio ambiente estranho, onde a civilização, que normalmente ordena e controla a vida, está ausente. É onde o homem perde as referências que governam a vida[101]

Segundo Nash, os puritanos nutriam medo e rejeição á wilderness. Esses sentimentos eram originários de uma interpretação da bíblia cristã e de uma visão utilitarista. Acreditavam que ao adentrar a wilderness, o homem estaria sujeito a tentações irresistíveis, podendo degradar-se moralmente e retomar ao estado primitivo Era entendida como um continente pagão, onde habitavam selvagens, bestas e seres sobrenaturais[102]

O autor observa que aqueles “pais peregrinos” da Nova Inglaterra, empregavam em sua linguagem o jogo de claro e escuro, onde, por exemplo, os agentes missionários e a Bíblia representavam a irradiação de luz sobre a escuridão ímpia da wilderness Esse grupo via-se pertencendo a uma longa linhagem de dissidência, que encaravam o perigo da wilderness para promover a causa de Deus. Foi estabelecido, um paralelo com a experiência do Exodus na bíblia Eles entendiam que, como os israelitas, fugiam da perseguição e de uma sociedade pecadora da Inglaterra[103]

Seria dever dos puritanos, como agentes de Deus, transformar a wilderness e, como apontado pela famosa frase de John Winthrop, construir uma cidade sobre a colina (City upon a Hill} A dominação e subjugação da wilderness encontrava amparo no Velho Testamento, sobretudo em Gênesis 1:28 que legitima o homem a dominar o planeta e todas as criaturas vivas na terra, céu e mar[104]. Em outras palavras: a id ei a de wilderness configura um dos elementos — trazidos do período colonial — da fundação dos Estados Unidos. Ainda na primeira metade do século XIX, os transcendentalistas já citados, desenvolveram reflexões e corpo de pensamento consistente que considerava a wilderness como o lugar de encontro com o selfe, consequentemente, com o divino em oposição ao mundo industrial e todas as decorrências da vida moderna

1.3.2 Natureza como componente da identidade norte-americana

Foi logo após a independência que a wilderness começou a adquirir conotações positivas Segundo Nash, foi na busca por um elemento particular, para estabelecer uma distinção com a Europa, que os norte-americanos enxergam em sua natureza selvagem a fonte para a construção de uma identidade nacional Nesse jogo de contraste, não negavam que a Europa tinha montanhas e florestas, mas nada era equivalente com o que os Estados Unidos possuíam, um grande continente de natureza intocada Era na natureza selvagem que os pássaros cantavam com mais energia, onde os frutos eram mais doces, e as flores mais fragrantes[105]

E se como muitos defendiam, na segunda metade do século XIX, a wilderness era um meio privilegiado de acesso ás leis divinas, os EUA tinham uma vantagem moral sobre a Europa onde séculos de transformações colocaram camadas artificiais sobre as criações de Deus Nesse mesmo sentido, acreditavam que, apesar de uma literatura e arte incipientes, a wilderness destinaria, com sua estética e qualidade inspiracional, obras de excelência[106] A verdade é que interpretações negativas e positivas do meio ambiente convivem simultaneamente por parte de grupos distintos.

Na década de 1890, houve uma reação generalizada contra os significados negativos da wilderness As cidades passaram a carregar as conotações depreciadoras, marcando uma mudança O problema não era mais a wilderness, mas o excesso de civilização Surgiram novas máquinas que tornaram certos trabalhos rurais obsoletos Milhares de imigrantes desembarcavam nos portos diariamente Somado a um alto crescimento populacional e das indústrias, a atenção deslocou-se para os problemas da vida urbana[107]

O otimismo em relação ao progresso, dominante no período anterior á Guerra Civil norte-americana, havia se diluído em dúvidas e incertezas O pessimismo imperava, julgavam que as cidades e os valores de negócio estavam minando o gosto, caráter e moralidade. A civilização pareceu ter trazido um excesso de conspicuidades, confusão e corrupção[108]

Esse desencantamento com a civilização, fez com que associasse a wilderness ao passado pioneiro e a ideia de “fronteira”, que por sua vez, eram relacionadas a designadas características nacionais. Evidentemente, a industrialização acelerada e os usos diversos do solo (mineração, agricultura, etc ) estavam dizimando com a natureza, exatamente aquela a qual se atribuía fonte da identidade norte-americana Portanto, esse desencantamento se deu também em momento em que, após a conquista do Oeste, a natureza selvagem do país estava condenada a desaparecer completamente[109] Paralelamente, aumentou o número de americanos que contemplavam lugares selvagens e os enxergavam como o espaço privilegiado para inspiração estética. Dessa forma, a wilderness passou a ser tratada como fonte de virilidade, dureza, e ao selvagem, traços que "definiram adaptação em termos darwinianos”[110].

A bibliografia aponta que o movimento preservationista surgiu nos Estados Unidos do século XIX, tendo como base na ideia de wilderness A partir de debates políticos que aconteceram na segunda metade do século, tendo como expoentes o Sierra Club e seu fundador John Muir, os primeiros parques nacionais foram criados. A organização e articulação política de "entusiastas” da wilderness em associações e organizações prosseguiu no século XX, como por exemplo Wilderness Society de Aldo Leopold, dando fruto ao Wilderness Act de 1964, que determinava um sistema de preservação nacional. Em outras palavras, esses grupos estabelecem, a partir de uma leitura de natureza selvagem, uma atuação política dentro das instituições em Washington.

A definição colocada na lei de 1964, afirmava: “A wilderness, em contraste com aquelas áreas onde o homem e seus trabalhos dominam a paisagem, é aqui reconhecida, como uma área onde a terra e sua comunidade viva é livre do homem, é lugar onde o homem é um visitante que ali não permanece"[111]. A legislação foi criada pensando na preservação da floresta contra os interesses de madeireiras, mineradoras, empreendimentos imobiliários e rodoviários É a partir dessa proteção do selvagem, fundamentada na ideia de wilderness, que o movimento ambientalista tradicional nos Estados Unidos se consolidou

Para a pesquisa, foi interessante notar que em Manhunt: Unabomber a wilderness não é aquela em que o homem está ausente, ou é apenas um visitante Kaczynski, assim como o agente do FBI, James Fitzgerald, são mostrados como em comunhão com o espaço físico ao seu redor As cenas colocam os personagens como residentes daquele espaço, fazendo colheita de frutos, caça, usando dos rios e cachoeiras. A wilderness é um local de moradia

Mais importante, também, é o local idealizado, de fuga ás hierarquias sociais, da tecnologia fora de controle, do consumismo Em outras palavras, refúgio do que é entendido como civilização. Dessa forma, aparece que como resposta a esses problemas, o homem deve voltar a wilderness, a um passado em que se vivia mais próximo da natureza e com vida mais simples, mas com mais satisfação.

1.3.3 A escolha da estética da natureza em Manhunt: cenas e imagens

Discutimos a seguir duas sequências, uma logo no início do primeiro episódio (UNABOMB, Ep.01) e outra a última do episódio final (USA vs Theodore Kaczynski, Ep.08/ Analisamos como existe um contraste entre a temática da natureza e a civilização na série Para melhor entender essa questão, apresentamos uma tradição estética de pintura que surgiu nos Estados Unidos durante o século XIX e tomou forma na escola do Rio Hudson Procuramos discutir a forma pela qual a wilderness é representada e a interação das personagens de Manhunt com seu ambiente

Na primeira metade do século XIX, a arte assumiu contornos nacionalistas nos Estados Unidos com a Escola mencionada, sendo designada com esse nome pois seus pintores representavam paisagens de vales e montanhas em tomo do Rio Hudson, no nordeste dos Estados Unidos. Em contraste com a estética europeia do período, que representava cenários pastoris, sempre bem ordenados e controlados, os quadros norte- americanos representavam uma natureza selvagem, intocada[112].

Maria Ligia Coelho destacou a estética da escola, que colocava como central a temática da natureza “os homens possuíam pequena dimensão em comparação a natureza não domesticada As paisagens eram grandiosas, inatingíveis, intocadas, cheias de mistério, de grande beleza e originalidade A natureza apresentava-se como refúgio, tanto espiritual como físico" Em contraposição á Europa, fundou-se uma arte norte-americana, que clamou para si uma natureza superior Para esses pintores, era comum pensar a natureza como uma obra de Deus, como “o amanhecer em meio a wilderness, compara-se á Criação, a um mundo novo, enquanto a bruma matinal equivalia ao caos a partir do qual Deus forjara o mundo”[113].

Essas pinturas da natureza selvagem e intocável passaram a ser referência na arte norte-americana, aos olhos de um grande público e presente em feiras, instituições de Estado e galerias. Embora os mais ricos e colecionadores se voltassem para as pinturas europeias, essa estética satisfez o gosto da classe média estadunidense daquele período[114]

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FIGURA 13 - Kindred Spirits (1849) de Asher Durand
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A imagem (Figura 13) é tomada como representativa do estilo estético da escola do Rio Hudson O homem com uma pasta na mão é Thomas Cole, um dos fundadores da escola, o outro indivíduo é um de seus "discípulos”, o poeta da natureza William Bryant A wilderness domina a paisagem, em comparação, como já indicado, os corpos humanos aparecem em uma pequena dimensão Os homens na beira do desfiladeiro, observam com tranquilidade a natureza selvagem (FIGURA 13)

Buscamos entender como a série dialoga com essa tradição estética de representação da natureza Em uma sequência no início do primeiro episódio, aparece um letreiro, indicado o local e o ano, Carolina do Norte, 1997 (UNABOMB, Ep 01) Nessa cena vemos um homem ainda não apresentado na série; trata-se do personagem James Fitzgerald, na ponta de um precipício. O espectador ainda não sabe seu nome, o fazemos aqui para facilitar o entendimento do leitor. O homem respira fundo, contemplando a natureza em sua volta Está relaxado, com roupas casuais, sem demonstrar preocupação de que com apenas mais alguns passos alcançaria o abismo Filmada em plano geral, a cena coloca em destaque a paisagem, o homem ocupa um pequeno espaço no canto esquerdo

A proporção menor do corpo humano, seu posicionamento no precipício, a profundidade do vale, a grandeza das montanhas que o cercam, gera uma sensação de tensão Predomina a cor verde das árvores, a iluminação é baixa, quase que misturando homem e paisagem (FIGURA 14)

Nessa cena, nota-se a semelhança estética com o quadro da escola do Rio Hudson (FIGURAS 13 E 14) Em ambas, as paisagens predominam Os corpos humanos aparecem em menor dimensão, quando comparados á natureza selvagem Ao centro da imagem um profundo vale, na esquerda a figura humana, aparentando conforto e tranquilidade, apesar do risco (UNABOMB, Ep 01).

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FIGURA 14 - O protagonista, Fitzgerald, contempla a wilderness. Nota-se a tradição estética da escola do Rio Hudson
[116]

Depois de um corte, vemos Fitzgerald caminhando em uma trilha, carregando dois pequenos animais: resultado da caça. O personagem olha para cima, destacando o tamanho das árvores, ouvimos o som do vento nas folhas e de pássaros cantando. Ele para, examina um fungo comestível, e o colhe. Atravessa o vale que antes observava, pulando de pedra em pedra, ouvimos a corrente de água Apesar das diferenças, James Fitzgerald, o especialista em construir perfis de investigados do FBI, cujo trabalho levou á prisão do Unabomber, estava vivendo como Kaczynski O espectador ainda não sabe disso, pois Kaczynski será apresentado a seguir Ao chegar em sua casa, o semblante de Fitzgerald muda, quatro carros estão estacionados em frente Seguindo em passos rápidos, o homem pega um pequeno machado, irritado com a presença estranha que perturba sua solidão naquele ambiente A apreensão é dupla: os homens são do FBI, mais precisamente ex-chefes do agente.

Após a prisão do Unabomber, Fitzgerald fica descontente com a poderosa agência de investigação, e com o fim do seu casamento em razão do caso, se isola na natureza Um engravatado sai de dentro da casa, chamando-o pelo nome de Fitzgerald Dois homens estão dentro da residência, são seus ex-superiores do FBI Um deles, Cole, indaga: “Olhe para você. Está vivendo como um animal, huh? Jesus, matou [esses animais] você mesmo?” (UNABOMB, Ep.01).

A próxima sequência é um flashback do ano de 1995, na academia do FBI em Quantico, Virgínia Esse recurso é aspecto importante na construção dos personagens da série e frequentemente utilizado Vemos Fitzgerald, em 1995, em sua formatura como agente (criminal profiler)[117] (FIGURA 17) A postura do personagem é outra, está desconfortável, seus ombros estão curvados para frente, suas pernas fechadas. Ele é apenas mais um indivíduo de terno, quase indiferenciável dos outros rostos que o cercam. Seu nome é chamado para receber o diploma, sua família é apresentada, esposa e três filhos, entusiasmados com o evento O personagem é quase irreconhecível daquele homem que contemplava de forma confortável, na beira do abismo e em solidão, a wilderness.

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FIGURA 15 - Formatura como Profiler do FBI. A cena engaja o espectador a imaginar, como Fitzgerald, terceiro personagem da direita para esquerda, deixou de ser um homem de roupas e ocasiões sociais, para ser um solitário, vivendo na wilderness
[118]

As sequências fazem um jogo de contrastes, a série mostra de forma positiva, no anode 1997, Fitzgerald solitário, contemplando a imensidão da wilderness (FIGURA 14) Para em seguida, voltarmos ao ano de 1995, onde de forma oposta, pelas vestimentas e aglomeração há ausência de individualidade e espaço (FIGURA 15) É estabelecido o caminho do agente do FBI, representando-o como um engravatado, com família, com cabelo bem penteado, para um homem de barba longa, cabelo desleixado, roupas casuais, solitário e na natureza Em outras palavras, nas sequências iniciais da série a wilderness se constitui em contraposição á civilização (UNABOMB, Ep.01).

De forma similar, essa contraposição entre natureza e civilização marca as últimas cenas do último episódio da série (USA vs Theodore Kaczynski). Manhunt inicia e termina contrastando esses dois espaços A wilderness aparece como antítese da vida em sociedade na última sequência da série, onde Kaczynski é transportado até a prisão.

O Unabomber vé pela janela uma montanha, atrás das grades do veículo de transporte Ao chegar no seu destino, a paisagem é interrompida por altas paredes de concreto Escoltado por quatro oficiais prisionais, entra em um elevador que chega a um andar no subsolo da prisão Algemado nas pernas e braços, tem dificuldade para se mover Começa o procedimento de revista de seu corpo e um oficial dá a ordem: deve olhar para esquerda e para direita, abrir a boca, levantar as pernas, enquanto é segurado pelo braço por dois oficiais. Além deles, três homens acompanham o procedimento, Kaczynski é obrigado a se despir na frente de todos Novamente no elevador, continua a descer ainda mais para o subsolo

Ao chegar, anda por um longo corredor com paredes igualmente de concreto A cela é aberta entre a grande porta de metal e sua cama, há mais grades, o que o impede de olhar para o corredor Sua cela, no subsolo de uma prisão de segurança máxima, é cercada por concreto: o teto baixo, sem uma única janela e com iluminação artificial, nem presença humana (FIGURA 18). A trilha sonora é melancólica, indicando a punição e o destino da personagem

Enquanto entra na cela, imagens são contrapostas pelo uso do flashback Kaczynski em frente á sua casa de troncos na wilderness (FIGURAS 16 E 17), usufruindo do meio ambiente em dança O uso do recurso, além de situar o evento no passado, indica também a lembrança da personagem O que era: a vida na natureza, e o que é: as quatro paredes da prisão.

A cena na natureza destaca sua dança, a passos largos, o movimento espontâneo de seu corpo, vestindo uma roupa folgada, com pés descalços, pernas e braços livres Ainda é realçado, em contra-plongée, com a câmera de baixo para cima, a altura e grandeza das árvores. O personagem recorda do êxtase de estar naquele ambiente. Há uma referência ao sublime, ao sagrado, quando Kaczynski abre os braços cercado pela wilderness Já na cena final, a série termina com uma provocação, o terrorista vai passar o resto de sua vida atrás das grades, será que para estar preso realmente é necessário barras de metal e muros de concreto?

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FIGURA 16 - Kaczynski em uma das cenas mais marcantes da série, aparece em um estado de êxtase, dançando livremente na wilderness
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FIGURA 17 - Aqui vemos o diretor Greg Yaitanes durante a filmagem, analisando o enquadramento da câmera no personagem Kaczynski. Ao ser guardada pelo diretor, revela a importância da sequência
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FIGURA 18 - Kaczynski, na sequência final da série, em uma prisão de segurança máxima
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A seguir, a câmera mostra Fitzgerald dentro de um carro o qual corre sem impedimento, não há tráfego. Natalie Rogers, linguista universitária que ajuda com o embasamento intelectual da análise do Manifesto, é quem dirige Ela pergunta: “Então, e agora?” Fitzgerald responde: "Não sei, o que a gente quiser né?”[122][123] Ela para o carro em um sinal vermelho O agente do FBI muda seu semblante, a câmera, em plano médio, mostra a rua vazia sem qualquer tráfego. Ele observa atentamente o farol, esperando-o abrir, apesar da rua deserta O sinal vermelho é uma referência aos outros episódios da série, representando, dentro da narrativa, um símbolo de automatismo na obediência de regras e convenções, mesmo quando parar no sinal não é necessário, já que as ruas estavam vazias e não havia ninguém esperando para atravessá Ias

Em uma sequência do segundo episódio, Fitzgerald dialoga pessoalmente e tenta convencer Kaczynski que o compreende e que compartilha da sua crítica ao mundo moderno {Pure Wudder, Ep 02). O objetivo era se aproximar do terrorista para tirar informações. Para isso, ele explica que realmente entendeu o conteúdo do manifesto enquanto estava dirigindo seu carro Revela que parou em um sinal vermelho, no meio da noite, sem nenhum pedestre ou veículo á vista. Enquanto narra e relembra esse fato: a câmera mostra uma imagem do carro parado no meio da rua escura, em meio a três semáforos vermelhos Fitzgerald, sem saber para onde seguir, impossibilitado de tomar qualquer caminho, sugere uma ideia de estar preso ou privado de escolha Dessa maneira, o sinal passa a ser simbólico de um conjunto de regras que demanda obediência automática, sem contestação Em outras palavras, o semáforo é um objeto que faz internalizar o sistema e apaga a autonomia do indivíduo inconsciente Fitzgerald assim disse a Kaczynski:

Para mim foi dirigindo. Toda vez que eu entrava no carro, eu pensava. Quanto mais eu dirigia, mais fazia sentido. Em uma noite, eu estava dirigindo do trabalho para casa e não tinha ninguém na rua - - Eu digo ninguém. Eu estava sentado no carro, no sinal vermelho, apenas esperando, esperando. E não tinha nenhum carro. Mesmo assim, eu fiquei ali. Eu obedeci. Foi ali quando eu percebi que isso não é sobre tecnologia, não é sobre máquinas. É sobre o que eles estão fazendo conosco. É sobre o que eles estão fazendo com a gente, o que eles estão fazendo com o nosso coração, porque nosso coração não é mais livre[124]

Na última cena da série, enquanto Kaczynski se dirige á prisão, Fitzgerald questiona a sociedade ao seu redor Ele examina atenta mente o semáforo, o foco é alternado entre a sinalização e o rosto do personagem Ao fundo, ouvimos um ruído elétrico, o som é alto, agudo e agressivo. Conforme a cena continua, a câmera se aproxima do sinal vermelho, se contrapõe com o rosto do personagem, como se o objeto tomasse vida, olhando de volta para Fitzgerald {USA vs Theodore Kaczynski, Ep. 08) Dessa maneira, a civilização faz o indivíduo internalizar regras impessoais. Ao contrário da liberdade e autonomia que pode ser encontrada na wilderness

Importante notar que semelhanças aparecem entre o arco do personagem Fitzgerald na série e a história pessoal do roteirista e showrunner Andrew Sodroski. Na entrevista para nossa pesquisa, ele relembrou de sua própria experiência com o tráfico em Los Angeles Nos primeiros minutos de sua fala, relatou como e o porquê de ter participado da produção da série O roteirista apontou que, logo de início, não pretendia estar envolvido na série pois não gostaria de trabalhar com televisão e não achava que uma história sobre o Unabomber, um terrorista dos anos noventa, iria atrair interesse do público No entanto, enquanto esperava um executivo da série, para uma reunião em que seria revelada sua posição final, teve um momento de catarse Relembrou momentos de sua infância e de ter lido o manifesto de Kaczynski logo quando publicado Esse momento o fez hesitar e tomar mais tempo para refletir sobre sua participação no projeto

Alguns dias depois, após conseguir uma cópia do manifesto, encontrou naquelas páginas as raízes sobre descontentamento de morar em uma megalópole Naquela época, vivendo em Los Angeles, relembrou, logo após a leitura “Ah, sim! É por causa disso", continuou a dizer “eu realmente estava me sentindo preso pelo sistema de Hollywood e por estar nessa cidade” Sodroski reiterou: “Uau, é por causa disso que eu fico com tanta raiva quando estou esperando no semáforo vermelho, a cidade é construída para o sistema e não para mim como pessoa”. Esse foi o momento em que teve uma lembrança pessoal, e ao reler o manifesto, Sodroski decidiu participar de Manhunt: Unabomber

Lembro-me da publicação do Manifesto, lembro-me de ter lido o manifesto quando eu estava na sexta série ou algo assim e naquela hora pensar ok, isso é muito legal, esse cara pode ter alguma razão. Ao mesmo tempo, lembrei-me de quando eu era criança, minha avó costumava enviar pacotes para nossa casa pelo correio, ela enviava cookies ou outras coisas, mas ela os embrulhava exatamente como o pacote do Unabomber. Ela, não sei por que, [embrulhava o pacote] com o papel pardo e toda essa frta maluca e o barbante. Meu pai era um cientista e quando o pacote chegava eu sempre tinha essa sensação [u]nossa, espera aí, eu sei que é da vovó, mas pode ser... pode ser... dele' e então. De qualquer forma, eu estou sentado nesta sala de espera e lembrando de todas essas coisas. E eu penso, bem, talvez haja algo, talvez tenha [aqui] uma série. Então, alguns dias depois, recebí uma cópia do manifesto e pensei, não vou fazer a série, só vou ler o manifesto e relembrar. Então, li o manifesto e *ooh, sim!!! É por isso!! [...]"[125]

Esse evento demonstra como o diretor e showrunner reinterpretaram o manifesto do Unabomber Em outras palavras, a mensagem de Kaczynski atingiu não apenas o roteirista, mas falava ao público norte-americano, que interpretou a partir de suas referências as contradições do mundo moderno Do mesmo modo, em Manhunt, o agente do FBI, James Fitzgerald, estava em consonância com o que diagnosticava o Unabomber, mas em oposição à ação do terrorista

A sequência final da série mostra a prisão de Kaczynski em uma espécie de “tumba de concreto" O homem fora punido, privado de controle sobre seu próprio corpo Como afirmamos, o recurso do flashback indicava que ele vivenciava ser livre, através de seu êxtase na wilderness Embora preso, Kaczynski mostrava consciência de outros tipos de prisões. Por outro lado, a narrativa aponta para o fato de Fitzgerald, responsável pela prisão do terrorista, se questionar, se ele era, de fato, um homem livre e consciente das contradições do mundo moderno Em outras palavras, o Unabomber estaria certo no diagnóstico, mas não no remédio.

2. Intelectuais, Anti-intelectualismo E O Homem De ação Em “Manhunt: Unabomber”

2.1 Contra o elitismo: o anti-intelectualismo nos Estados Unidos

O anti-intelectualismo, como a tradição de dissenso, é um elemento da cultura norte-americana A valorização de tipos considerados self made man, de forte apelo ao homem comum, fez com que houvesse e haja desconfiança em relação ao mundo intelectual O reconhecimento do pragmático, de ações práticas e do utilitário acabaram por jogar sombras sobre aqueles que se dedicam á produção analítica Assim, o país que louva pensadores como Emerson e Henry David Thoreau, que tem universidades reconhecidas, é aquele que também desconfia do mundo das humanidades, já que nem sempre o intelectual é visto como alguém que produza algo útil e aplicável Não é raro um pesquisador das humanidades ouvir a pergunta por parte de um norte-americano de fora da academia: “para que serve o seu trabalho?” Pois bem, é possível identificarmos aspectos do anti-intelectualismo na série que analisamos.

Em Manhunt, o anti-intelectualismo é situado a partir de conflitos entre protagonistas e instituições (universidades e FBI). Os superiores de Fitzgerald, na agência de segurança, não entendiam a leitura crítica de textos como uma ferramenta útil e legítima para a investigação do caso. O manifesto do terrorista foi o que levou o FBI a identificar o homem em razão da leitura crítica que foi feita do texto Entretanto, Fitzgerald teve que gastar muito do seu tempo tentando convencer os seus superiores de que a Linguística poderia ajudar na construção do perfil do terrorista Destacamos que, no caso, seria um conhecimento aplicado á prática forense, mas, mesmo assim, se rejeitou a proposta.

A série reforça a desconfiança para com o método proposto pelo agente Fitzgerald Similarmente, a série representa a tortura de Kaczynski nos porões de Harvard por um professor da instituição Enquanto estudante, Kaczynski foi manipulado por um professor, para participar, sem seu consentimento, de experimentos psicológicos Ele foi traumatizado pelo acontecimento, entendido como catalisador de sua campanha de terror No entanto, antes de nos aprofundar no tema, é necessário definirmos anti- intelectualismo no contexto norte-americano.

O anti intelectualismo nos Estados Unidos pode ser definido como “o ressentimento e suspeita da intelectualidade, e por aqueles que são considerados como seus representantes; e a disposição constante de minimizar o valor da vida intelectual”[126] Essa tradição perpassa classes sociais, correntes políticas e a própria história do pais. Richard Hofstadter, autor clássico do tema, argumenta que o anti-intelectualismo surgiu como uma forma específica de antielitismo[127]

Segundo ele, com a ratificação da Constituição em 1787, os estados do país ficaram responsáveis por decidir os parâmetros do processo eleitoral Essa escolha fez com que o direito ao voto fosse reservado a homens brancos proprietários Uma elite letrada concentrava o poder econômico, político e o acesso á educação. Dessa forma, os intelectuais estavam inseridos dentro dessa classe dominante: "os líderes eram os intelectuais”[128] A intelectualidade era símbolo do privilégio e da manutenção do poder Fazemos, aqui, a ressalva de que, para os historiadores, atualmente, não os consideramos intelectuais, mas letrados A ideia do intelectual que conhecemos hoje nos remete aos últimos anos do século XIX e início do século XX

Para Hofstader, os adeptos do anti intelectualismo desconfiavam das diferentes disciplinas do conhecimento. Ao estudar a indústria agrícola nos Estados Unidos do século XIX, notamos uma hostilidade dos pequenos agricultores contra as técnicas de melhorias no campo Os principais defensores das novas técnicas eram os grandes agricultores, ou seja, parte dos gentlemen Estes consistiam, além dos grandes proprietários, em autores de obras, professores universitários e cientistas que propunham uma mudança profunda na agricultura

Esses homens “de nome distinto” financiaram sociedades e movimentos que disseminaram a educação agrícola Os agricultores de segmentos mais modestos da sociedade não conseguiram competir com as custosas melhorias e maquinários, muitos perdendo suas terras. Dessa forma, surgiu um ressentimento de classe que associou as universidades, seus representantes e o conhecimento de forma ampla com o poder[129]

John Quincy Adams (1767 - 1848), filho do presidente John Adams, foi um dos que personificou essa elite ilustrada Adams ocupou postos diplomáticos na Europa, frequentou instituições de ensino em Paris e na Holanda e estudou na Universidade de Leiden. Em seu retorno aos Estados Unidos, ocupou a cadeira de Retórica e Oratória em Harvard Também foi membro da Academia Americana de Artes e Ciências Eleito presidente em 1824, John Quincy Adams argumentou que o governo deveria ser responsável pelo desenvolvimento científico e educacional Em seu primeiro discurso no congresso, defendeu a criação de uma universidade nacional em Washington, DC, e o financiamento de pesquisas científicas através da criação de um órgão governamental[130] Segundo Hofstader, Adams foi o último gentleman presidente e a “primeira vítima do anti - intelectualismo”[131].

Essa elite letrada, da qual Adams era apenas um dos representantes, passou a ser contestada durante a expansão para o oeste. Uma parcela relevante dos novos estados que aderiram á União adotara o voto popular Nesses locais, homens brancos que pagassem impostos foram considerados eleitores aptos[132] Essa nova demografia teve um papel fundamental na eleição de 1828, que elegeu Andrew Jackson (1767 - 1845) e frustrou um segundo mandato de Adams.

Jackson venceu, porque se colocou como o oposto da elite letrada cosmopolita Ele possuía uma propriedade rural no Tennessee e se vinculou, durante sua carreira política, às características do “homem comum” do Oeste[133] Em contraste com a educação refinada de Adams e sua vivência em cortes europeus, Jackson era um "herói primitivista” que insistia na sua experiência dos conflitos na fronteira e no desbravamento da wilderness™. Destacou-se seu passado militar na luta contra os índios creek e na Guerra Anglo-Americana (1812) Assim, sua base eleitoral popular considerava como virtude o fato dele não possuir formação acadêmica

O presidente conquistou esse eleitorado por se apresentar como um “homem de ação" As características relacionadas a esse homem são as de um sujeito simples, dono de um senso comum e prático, melhor e mais estadunidense do que as visões teóricas e artificiais da academia Jackson se colocou como um estadunidense que ascendeu socialmente devido ao seu próprio esforço, sem a necessidade de uma educação privilegiada Com sua vitória, a eleição foi representa[134][135]. Em outras palavras, a intelectualidade foi relacionada á elite letrada, contra a “intuição e poder da ação” sobre o “homem comum”, e á democracia[136]. O homem comum esteve vinculado, inicialmente, á lida da terra e ao domínio da natureza

Jackson, dizia-se, teve a sorte de escapar do treinamento formal que prejudicava o “vigor e a originalidade do entendimento". Aqui estava um homem de ação, “educado na escola da Natureza", que não era “artificial em nada"; que felizmente “escapou da formação e dialética da faculdade"; que tinha um “julgamento não obscurecido pelas especulações do acadêmico" que tinha, “em um grau extraordinário, aquela força mental nativa, aquele senso comum prático, aquele poder e discernimento de julgamento que, para todos os propósitos úteis, são mais valiosos do que todo o aprendizado adquirido por um homem de letras"[137]

Dessa maneira, durante o século XIX, parte da sociedade celebrou o pragmatismo e o senso comum Com a decadência da elite mercantil do Leste, essa visão do homem comum ganhou novas características, quando uma nova burguesia emergiu em torno das manufaturas. Esse conflito opôs o gentleman letrado a uma classe capitalista que buscou a acumulação de riquezas. Esse último estrato social adotou as características de homens como Jackson

O culto do “caráter" e da “experiência prática” passou a ser um ideal no ramo dos negócios. Assim, o self-made man foi valorizado no imaginário norte americano Reiterando, esse homem seria de origem simples e desprovido de educação especializada No entanto, com a força de seu trabalho, era possível construir um grande negócio e enriquecer Os “capitães da indústria” do último quartel do século XIX, como Cornelius Vanderbilt (ferrovias) e John Rockefeller (petróleo), eram tratados como símbolos desse ideário

As narrativas que cercaram Vanderbilt, um dos homens mais ricos da história do país, demonstraram os valores do anti-intelectualismo. Entre seus contemporâneos, foi dito que o magnata teria lido apenas um livro. Ainda mais, em uma viagem à Europa, um lorde inglês teria mencionado que era lamentável que um homem de sua habilidade não tivesse uma educação formal Vanderbilt, então, desdenhou os benefícios do estudo: “Você diga ao lorde Palmerston que se eu tivesse tido tempo para educação, eu não teria tido tempo para aprender nada”[138]

Nesse período, a praticidade e utilitarismo, valores associados ao self made man, permearam a sociedade Os grandes barões da indústria buscaram fomentar a criação de instituições para um “ensino prático, não teórico”[139] Universidades dedicadas ao comércio e negócios foram fortalecidas em detrimento das artes e humanidades Para os magnatas, o currículo clássico focava demasiadamente em assuntos fúteis (como linguagens, política, história, artes e retórica). Todo o aprendizado deveria ser técnico e voltado para gerar acumulação de riquezas Em outras palavras, um aprendizado crítico passou a ser entendido como supérfluo e desnecessário para o funcionamento da sociedade industrial[140].

A prioridade dos estudos clássicos e liberais ao longo da formação universitária era muitas vezes considerada ainda mais danosa do que a escolaridade acadêmica no nível do ensino médio, porque prolongava a exposição do jovem a estudos fúteis e aumentava seu apetite por um lazer elegante[141]

Além disso, a masculinidade não se encontrava no meio letrado, mas na forja da vida do homem comum Os intelectuais eram vistos como potencialmente perigosos, pois ocupavam lugares de poder em instituições onde o homem de ação era questionado Assim, os anti-intelectuais nutriam profunda desconfiança das universidades.

Os intelectuais, pode-se dizer, são pretensiosos, presunçosos, efeminados e esnobes, e muito provavelmente imorais, perigosos e subversivos. O bom senso do homem comum, especialmente se testado pelo sucesso em alguma linha exigente de trabalho prático, é um substituto totalmente adequado, se não muito superior, ao conhecimento formal e experiência adquiridos nas escolas. Não surpreendentemente, as instituições nas quais os intelectuais tendem a ser influentes, como universidades e faculdades, estão podres até a raiz [...] os anti- intelectuais exibem desgosto pela presunção e superioridade que acreditam acompanhar a vida intelectual[142]

As personagens da série relacionadas á intelectualidade são frequentemente representadas com uma postura arrogante, acreditando possuir uma superioridade sobre os que as cercam Ainda mais, as instituições de ensino e seus intelectuais aparecem como potencialmente perigosos. No entanto, Manhunt aponta como o anti-intelectualismo foi central para entendermos o porquê houve demora para se resolver o caso do Unabomber no FBI. A resistência em adotar a Linguística como método prejudicou o andamento da investigação

2.1.1 Anti-intelectualismo em Manhunt

É apenas no sexto episódio que a personagem de Kaczynski é representada com mais profundidade e detalhes de sua vida pessoal Enquanto a série se desenvolve em tomo da investigação, essa sequência é singular, pois desenvolve a vida do Unabomber desde sua infância até os eventos de Manhunt Nesse sentido, diferentes linhas do tempo foram utilizadas para ilustrar acontecimentos do seu passado e compará-los com o seu presente. Assim, a série narra a sua vida a partir da leitura de uma carta para o irmão de Kaczynski, David (Mark Duplass) Nessa seção, exploramos como a série mobiliza elementos do anti-intelectualismo ao representar os momentos críticos que tornaram o Unabomber um homem desestruturado Notamos como esses traumas se deram em instituições de ensino e na relação com acadêmicos.

No episódio de número seis, o Unabomber conta, em primeira pessoa, que estava predestinado a ser excepcional: “Eu estava condenado a ser uma aberração desde o início"[143]. Kaczynski culpa seus pais e a escola por o matricularem duas séries á frente de sua idade No entanto, ele se destaca, se mostrando mais inteligente do que seus colegas de classe mais velhos. Nas aulas de Matemática, consegue resolver equações mais complexas que outros alunos e se mostra convencido de sua própria superioridade: “Eu não estava pronto. Mas a pior parte foi que eu era mais inteligente que todos" (TED, Ep06)[144]

O ambiente escolar é representado a partir de sua amizade com um menino chamado Doug (Cade Smith) Ele relembra o relacionamento como seu “primeiro experimento" O episódio mostra a amizade dos garotos, sentados um ao lado do outro nas aulas de Ciências, brincando juntos na floresta e lendo sobre o homem pré-histórico O nível de ensino é o middle school, o fundamental no Brasil, com alunos em fase da pré- adolescência.

Conforme a narrativa dos dias de escola continua, seu amigo começa a namorar uma garota O jovem Kaczynski (Grady Port) estranha a repentina mudança de comportamento do rapaz Isso é ilustrado ao brincar sozinho á espera de Doug, apenas para encontrar o jovem casal se beijando na floresta. Ele observa a interação por algum tempo enquanto se esconde atrás de uma árvore A menina nota que está sendo observada e grita de susto Doug arremessa uma pedra, causando sangramento no amigo Kaczynski corre para destruir o símbolo da amizade deles, um carro abandonado na floresta utilizado como espaço para brincar

De volta á escola, durante a aula de Ciências, o casal debocha dele Em resposta, Kaczynski prepara, rapidamente, uma mistura química e espalha a substância em um papel Ele dobra a folha como uma carta, passando adiante a correspondência endereçada a Doug Ao receber o bilhete, ocorre uma explosão que atinge seu rosto, causando-lhe pequenos hematomas A câmera muda o foco para a face de Kaczynski, quando podemos vê-lo dando um meio sorriso. Após o ocorrido, ele tenta se aproximar do amigo como se nada tivesse acontecido, mas este vira as costas e se afasta Embora a série dê mais ênfase à experiência de Kaczynski na Universidade de Harvard, comentada a seguir, a sequência que enfoca o período da middle school indica que traços do transtorno mental do terrorista já se encontravam na sua pré-adolescência

Na narrativa da escola, podemos observar que Kaczynski aparece como um indivíduo extremamente inteligente, mas com inabilidades sociais. Mesmo sendo dois anos mais novo, superava o desempenho dos outros alunos Por outro lado, seu sucesso escolar aparece relacionado ao seu fracasso social Enquanto seu único amigo amadurece, ele fica preso ao espaço do infantil O jovem não consegue entender um relacionamento amoroso Como seu único amigo o rejeita após o episódio de violência, ele fica isolado até se formar Ao narrar esse episódio, notamos a profunda solidão em que o Unabomber se encontra: “Quarenta anos depois, eu acho que posso dizer que o Doug foi o único amigo que eu realmente tive” (TED, Ep. 06)[145]

Contudo, seu período em Harvard ocupa a maior parte do episódio Ao iniciar o bacharelado com apenas dezesseis anos, ele descreve ao público como seu cotidiano na universidade era solitário Ao andar pelo campus, lê um panfleto: “Queremos falar com você, para estudo de longo prazo", do professor e psicólogo Henry Murray (Brian d’Arcy James) Na narração, Kaczynski deixa claro o sentimento de admiração que nutria pelo acadêmico: “Professor Henry Murray, ele era tudo o que eu sempre quis ser: um deus grego radiante, símbolo de Harvard”[146] O Unabomber relembra que todos os candidatos para estudo estavam "desesperados” para que "ele nos selecionasse" como membros de “um grupo exclusivo”[147].

Para o jovem Kaczynski, Murray era uma manifestação do divino: “Ele era a mão de Deus, separando as ovelhas das cabras”[148] O Departamento de Psicologia, onde o estudante conversa com Murray, parece o “Céu” no plano terreno. Ele nutre uma adoração pelo professor de Harvard, recontando a história com vocabulário religioso. Murray toma notas, ouve e pergunta sobre uma ampla gama de assuntos. Nas palavras do aluno: “O próprio Cristo desceu e perguntou sobre a minha vida”[149]

O professor se faz disponível para ouvir seus pensamentos mais profundos Kaczynski vê nele alguém para confiar, compartilhando suas opiniões políticas e científicas. Ao se aproximarem, o jovem conta ao acadêmico “tudo, cada segredo da minha vida, meus sonhos, meus medos”[150]. O episódio coloca o jovem como um aluno ingênuo, encantando com a figura do professor

Sem sua ciência ou consentimento, Kaczynski era parte do projeto MKUItra Esse experimento é representado na série de televisão como uma pesquisa científica confidencial financiada pelo governo norte-americano. Durante a década de 1950, em Havard, acadêmicos da instituição conduziram interrogatórios a alunos Esses discentes que participaram do estudo não sabiam que seriam usados como cobaias por seus professores O objetivo do estudo era descobrir formas eficazes de interrogar espiões soviéticos[151].

Em seguida, Murray conduz Kaczynski a uma sala escura em Harvard O estudioso coloca o em uma cadeira de madeira Eletrodos são posicionados na cabeça do aluno. Este é amarrado pelo professor ao assento A cadeira se assemelha àquelas usadas para a execução de prisioneiros. Homens de terno escuro entram na sala. Murray os descreve como "colegas cientistas” e, ainda mais, como “alguns dos mais ilustres pensadores de Harvard”[152] Sem a permissão de Kaczynski, uma filmagem sua é exibida.

Nesse vídeo, ele disserta sobre suas opiniões políticas para o acadêmico Os professores, então, começam a rir e a atacar sua pessoa e idéias.

Murray afirma que os cientistas concluíram que as idéias de Kaczynski eram “lugar-comum, clichês, juvenis [...] e absurdas"[153]. Eles desprezam os argumentos do estudante por serem baseados em uma obra de Jaques Ellul, o filósofo francês que escrevera um trabalho para um grande público, considerado como indício de baixa qualidade, feito para “as massas, de terceira categoria”[154] O pesquisador vai além, com ataques pessoais, chamando-o de matemático medíocre, inadequado e “homem beta”[155] Ao fundo, podemos ouvir os estudiosos que participam do abuso gargalhar mais alto. O professor lê uma carta supostamente enviada pela mãe de Kaczynski O espectador sabe que o documento fora fabricado por Murray A correspondência diz que Kaczynski “precisa de intervenção psicológica” e que as pessoas o chamam de "assustador e esquisito"[156][157] Assim, a cena mostra o aluno impotente, amarrado em uma cadeira e vulnerável aos cientistas.

Nas figuras a seguir, vemos os bastidores da filmagem, a câmera posicionada no olho da personagem Sua visão, em cena, se move incessantemente - ele não pisca. Kaczynski aparece desamparado, contorcendo-se e chorando durante a sessão de tortura (Figura 19) Além disso, podemos ver como houve um esforço em relacionar o sofrimento do jovem Kaczynski com o trauma adulto do Unabomber O diretor busca estabelecer uma similaridade entre a feição da personagem jovem e adulta A câmera, de baixo para cima, capta o mesmo ângulo, como se ele ainda estivesse preso nesse trauma (Figura 20).

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Figure 19 - Jovem Kaczynski amarrado em cadeira
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Figura 20 - Kaczynski relembra sessão de tortura em Harvard
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A série trabalha com elementos da tradição anti-intelectual nos Estados Unidos. Na narrativa, instituições responsáveis pela educação, a pesquisa e a ciência aparecem como perigosas, principalmente a Universidade de Harvard. Um desejo inocente de fazer parte da elite intelectual leva Kaczynski a ser traído e torturado por Murray e outros “pensadores ilustres”. Esse professor de ensino superior o humilha por suas convicções e idéias “juvenis” sobre política.

Todavia, a narrativa constrói um ponto de convergência entre os dois personagens (o cientista e Kaczynski). Eles compartilham determinadas características, são pretensiosos e convencidos da primazia de seu intelecto Assim, perpassam na trama aspectos do legado antielitista estadunidense. A narrativa indica que foi uma das universidades mais conhecidas e renomadas que tomou Kaczynski um assassino: “David, eu era uma criança inocente e me tornei isso Como isso aconteceu? Eu acho que foi Harvard que fez isso”[160].

No fim do episódio, a personagem fantasia uma vida diferente, mais próxima das relações humanas Ao fim, ressente-se da solidão: “Às vezes, acho que só estou tentando punir essas pessoas porque eles têm o que eu realmente quero: um lar, uma família, a habilidade de ser normal Eu tenho 53 anos e ainda sou virgem”[161] Ele imagina como seria sua vida se tivesse uma família Como se entrássemos na própria consciência da personagem, vemos imagens de um sonho As cenas destoam da série, são bem iluminadas e com cores mais vibrantes. O ator olha diretamente para a câmera, estabelecendo um contato entre as introspecções da personagem e a audiência Kaczynski segura um recém-nascido, presumidamente um filho, dentro da casa de troncos Sonha que sua esposa é a bibliotecária da cidade, a idealiza em uma cadeira e com a criança em seu colo, sorrindo para ele

Reiteramos que o sucesso acadêmico de Kaczynski está diretamente relacionado á sua inadequação social Durante sua vida, ele tenta ser normal, imagina construir uma família e ter amizades. No entanto, seu próprio ser e traumas não permitem que construa relações de afeto. Dessa forma, ressente-se de sua incapacidade, recorrendo á violência e morte para cumprir seu ideário Kaczynski havia desenvolvido transtorno mental

Em narrativas televisivas, frequentemente, o intelectual e o cientista são representados como gênios. Nesses programas ficcionais, os personagens realizam proezas mentais sobre-humanas Esses gênios possuem memória fotográfica, facilidade para lidar com novas tecnologias e para realizar complexos exercícios de lógica e dedução[162]

No entanto, o preço da excepcionalidade é ser inábil em competências sociais e possuir problemas de saúde mental[163] Muitas vezes utilizadas como estratégias de escrita para humanizar essas personagens, as tramas procuram matizar suas personalidades Entretanto, notamos esse estereótipo ser mobilizado como tática narrativa. Temos, então, um identificador para o espectador, que, ao identificar o gênio, passa a esperar pelas suas dificuldades de socialização e todo tipo de inadequação.

Em muitas representações, no entanto, a noção de gênio é mediada pelo anti-intelectualismo que recupera características do gênio para patologizar esses personagens, até que a linha tênue entre gênio e loucura desapareça completamente [grifo nosso]. Assim, embora o atual ressurgimento de intelectuais na televisão possa certamente estimular nosso próprio pensamento, também influencia nossas percepções de gênio por representar o gênio como tragicamente falho [...] [permitindo] ao telespectador celebrar características da intelectualidade enquanto mantendo uma posição anti-intelectual (anti ) iluminista [grifo nosso][164]

Kaczynski é, sem dúvida, homem de inteligência privilegiada, versado em Matemática e intelectualizado a ponto de examinar o pensamento crítico sobre a modernidade Em nossa entrevista com o diretor, Yaitanes sugere que os sujeitos que avançam no conhecimento tecnológico e científico podem usar seu intelecto para a violência. Cria-se um “nós” (normais) versus "eles” (gênios da academia, mas potencialmente destrutivos)

Eu acho que as pessoas ficam surpresas quando elas veem quanta humanidade nós demos ao Ted [Kaczynski], pois ele merecia ser representado da forma mais fidedigna possível que é: ele era humano, mas perturbado. Nós também queríamos mostrar que existe uma linha tênue entre inventar o iPhone e se tornar o Unabomber [grifo nosso][165]

Nesse sentido, personagens relacionadas á genialidade são frequentemente representadas com distúrbios de ansiedade, dependência química, sociopatia e uma ampla variedade de comportamentos que sugere transtornos psicológicos[166] O gênio vira sinônimo de comportamentos atípicos, desde os maneirismos, passando por comportamentos efeminados, até os desajustes de personalidade. Dessa forma, são representados como o “outro” Como consequência dessa representação, o "privilégio" de sua excepcionalidade cobra um preço: o de serem excluídos das interações humanas Mas, antes de tudo, é o gênio antissocial que alimenta o anti-intelectualismo. A seguir, mostramos como a personagem de Fitzgerald, ao insistir no uso de ferramentas da academia, acaba sendo desacreditada por seus superiores

2.1.2 Imagens do intelectual versus o homem de ação

A esposa de Fitzgerald (Elizabeth Reaser) apresenta o seu marido em uma confraternização familiar (Unabomb, Ep.01). Ele é tido como quem, por seu próprio esforço, obteve êxito na vida profissional Sua persistência e caráter pessoal foram responsáveis por conduzi-lo da polícia municipal da Filadélfia até o cargo no FBI A indicação de que tinha cursado o nível superior no período noturno mostra o tipo de educação a que teve acesso Muitas vezes oferecidos por community colleges (faculdades locais), os cursos são, em sua maioria, voltados para o mercado de trabalho e frequentados por uma população com menor poder aquisitivo[167] Os community colleges são, em geral, responsáveis por cursos técnicos de dois anos de duração, portanto, não equivalem a um bacharelado.

A casa do agente é modesta Em contraste com as moradias espaçosas de uma classe média norte-americana, possui uma pequena sala de estar e cozinha Nessa propriedade, ele mora com sua esposa e três filhos A personagem é representada como fazendo parte de uma classe trabalhadora nos Estados Unidos. Contudo, ao se envolver com o caso do Unabomber, a personagem acaba por se distanciar das relações familiares Assim, sua família não é representada com detalhes Por exemplo, na trama, a esposa e seus três filhos são representados apenas em interação com o policial, ocupando um papel secundário. Sodroski justificou a escolha de representar esse afastamento por ter se baseado nos depoimentos de Fitzgerald na vida real

eu acho que é verdade em certo sentido, e isso realmente aconteceu com Fitz, não exatamente da maneira que mostramos. Acho que a vida familiar dele ruiu, e ele meio que., o caso tomou conta, ele acabou deixando sua família, e o caso meio que se interpôs e destruiu o seu casamento, e ele acabou em uma casa de praia por um tempo. Não foi na floresta, mas você sabe... Por isso que não é um documentário, certo?[168]

Desde a primeira cena, quando temos o policial na wilderness, é demarcado na série o agente antes e depois do caso, espelhando também a tensão familiar que temos com Kaczynski As pistas sobre a família do terrorista se encontram ao longo dos episódios Um elemento central é as dificuldades encontradas pelo jovem Kaczynski e a falta de suporte de seus pais. Como já mencionado, eles concordam e incentivam seu filho a ser matriculado duas séries á frente do concebido para sua idade e, com apenas 16 anos, a entrar em Harvard Outro importante elo das relações familiares do Unabomber era seu irmão e cunhada, responsáveis por alertar o FBI ao reconhecerem suas idéias no manifesto que fora publicado em jornais como exigência de Kaczynski para interromper a série de explosões em curso

Manhunt se difere das tradicionais produções dos canais de televisão que dominaram desde a década de 1950 até o final dos anos 1990 Nesse período, o modelo era o da família conservadora, em harmonia, idealizada como estrutura das relações sociais. A representação de conflitos dentro do núcleo familiar, que acabam por desestruturar esse modelo, é característica de produções mais recentes[169] Entretanto, precisamos também diferenciar a instituição da família como público-alvo de Manhunt, sobre o qual comentamos com mais detalhes ao final do capítulo A Discovery Channel, como canal a cabo, produz grande parte de seu conteúdo para essa audiência

Percebemos, durante as entrevistas, uma preocupação de Fitzgerald com a representação, na série, do término de seu casamento e, em especial, de seu relacionamento com a personagem Natalie Rogers. Nos anos 1990, o agente se divorciou de sua esposa e começou um relacionamento com uma professora de Linguística Quando essa personagem foi “criada”, Fitzgerald teria insistido em deixar claro que seu envolvimento com a acadêmica iniciou-se somente após o final de seu casamento Com o consentimento dela, que hoje é sua esposa, já no processo criativo, essa personagem foi inserida para auxiliar o agente na análise do manifesto

Na época, o casamento dele estava com problemas, você sabe, crianças pequenas. Essa é uma grande licença criativa... Depois que ele desvendou o caso Unabomber, o casamento dele acabou, acho que ele disse a você. Ele conheceu uma linguista muito atraente e muito inteligente. Então eu disse: “Vamos supor que você a tenha conhecido trabalhando no caso, vamos trazê-la como um interesse amoroso seu e vamos pedir conselhos a ela*. Os dois adoraram, disseram que poderia ser feito isso, o que era ótimo.

Pegamos o que aconteceu postehormente e apenas mudamos [o início da história]. Ele queria deixar claro que não foi infiel à esposa durante o casamento, mas ok, podemos ter uma tensão romântica, você sabe. Ele queria parecer um cara legal, o que ele realmente é, ele é um cara muito bom. Eu realmente gostei da tensão romântica e do relacionamento romântico não realizado, já que o casamento dele estava com problemas...

Gostei muito da ideia dessa tensão! Ele ficou verdadeiramente obcecado com o caso Unabomber. Ele estava fora, acho que em São Francisco, e o casamento dele já estava com problemas ou os problemas pioraram. Então isso tudo foi ótimo para a personagem: ele estar imerso nesse caso, ele estar obcecado em descobrir [o terrorista] usando apenas o idioma, ele estar recebendo muitas críticas... e geralmente não é assim que o FBI resolve os casos. Então [há aqui] muitos excelentes elementos dramáticos. Essa foi a grande licença criativa que tivemos[170]

Na série, Fitzgerald se mostra convencido de que a leitura do manifesto é fundamental para identificar o Unabomber. Para auxiliar nessa investigação, o agente reúne, no prédio do FBI, acadêmicos renomados Em sua maioria, são representantes das humanidades (Etimologia, Literatura e Sociologia) É interessante notarmos que a essas personagens, com exceção de Natalie Rogers, não tem nomes atribuídos. Em uma sala do FBI, vemos os homens sentados em uma grande mesa tomada por cadernos Formalmente vestidos, folheiam o material Ao fundo, as páginas do manifesto estão dispostas em um quadro de cortiça (Fruit of the poisonous tree, Ep.03).

O agente pergunta aos acadêmicos se eles reconhecem as idéias ou o estilo de escrita empregados no texto Nesse momento, uma briga de egos é deflagrada Um dos intelectuais diz que, em sua área, o conteúdo do manifesto jamais seria validado após uma revisão por pares Outro sujeito comenta: “Seu departamento não publica nada já faz vinte anos”[171] Então, em uníssono, os acadêmicos discutem entre si. Não é possível relacionarmos voz com personagem nem entendermos o assunto do qual tratam

A única mulher presente na sala, Natalie Rogers, apresentada como uma doutoranda em Linguística de Stanford, tenta fazer uma intervenção: “Com licença, você pode me dizer se existe uma página de correções anexada? [...] Está em grego ou em latim?"[172] Rapidamente, um professor interrompe sua fala Em um tom presunçoso, ataca a ausência de credenciais acadêmicas e o próprio campo de estudo da estudante: “Então vamos deixar para a pós-graduanda em Linguística Comparada pautar o que é relevante”[173] Ao mesmo tempo em que gesticula com uma caneta em sua mão, continua: “Leiam o parágrafo oitenta e oito: Alguns trabalhos científicos não têm nenhuma relação com o avanço do bem-estar da raça humana’ Linguística Comparada, por exemplo"[174] Ao fundo, ouvimos algumas gargalhadas

Enquanto os acadêmicos voltam a discutir entre si, Fitzgerald está na ponta da mesa, cabisbaixo e isolado do debate Na próxima imagem, a câmera foca em bandejas de comida esvaziadas e em restos de frutas sobre a mesa O agente do FBI observa aquilo incomodado, sendo interrompido por um pesquisador: 'Com quem devemos falar sobre a nossa diária?”[175] Em outras palavras, os personagens são representados como arrogantes que, além de tudo, só pensam em remuneração sem de fato produzir algo útil que corresponda a esse valor.

Essa sequência contém fortes elementos de anti-intelectualismo. Os acadêmicos são representados como arrogantes e convencidos. Essas personagens desumanizadas não possuem nome, estando mais preocupadas com preservar hierarquias do que com auxiliar na investigação Aparecem quase como aproveitadoras, ao passo que em nada contribuem Por outro lado, Fitzgerald é colocado á parte à discussão Diferentemente da ajuda que esperava dos intelectuais, apenas se frustra com a discussão pretensiosa.

No episódio, Fitzgerald se prepara para deixar o escritório quando é abordado pela doutoranda que o questiona sobre o manifesto Ela aponta como o texto está estruturado de forma semelhante a uma dissertação de doutorado. Ou seja, chega-se a uma pista valiosa: o terrorista teria formação universitária e cursado a pós-graduação Apesar de o agente ter sido auxiliado pela acadêmica, notamos que ela ainda é uma estudante na universidade, ao contrário dos outros, que são representados como professores e pesquisadores dentro da hierarquia institucional.

Hofstader apontou que a tradição anti intelectual apresenta nuances. Existem aqueles que questionam a legitimidade do próprio conhecimento científico Por outro lado, partindo de um antielitismo, outros nutrem apenas desconfiança das universidades e dos que representam a instituição Nesse sentido, o pensamento crítico não seria o grande inimigo do anti intelectual[176] Acreditamos que a narrativa de Manhunt segue por esse caminho.

Na trama, a pós-graduanda (Natalie Rogers) ganha a confiança de Fitzgerald Ele lhe revela detalhes da forma como está conduzindo a investigação Enquanto explica a sua hipótese, a pesquisadora olha com deslumbre os resultados obtidos O agente diz que está procurando por erros ortográficos e de gramática, que formam os hábitos de escrita peculiares de cada indivíduo, sua “impressão digital” Rogers o interrompe e completa a frase, explicando para ele o conceito acadêmico "idioleto”. É o que nós chamamos de "padrões de linguagem” (Fruit of the poisonous tree, Ep.03).

Eles continuam a conversa em urn bar Rogers conta uma anedota sobre a imigração eslava para o leste europeu A população nativa desconhecia a região de origem dessa comunidade No entanto, eles notaram que esse povo não tinha palavras em sua língua materna para as diferentes espécies de árvores. Assim, posteriormente, descobriram que esses migrantes eram de uma região pantanosa da Ucrânia, onde não há essa vegetação.

Fitzgerald nota que, para entender as cartas do Unabomber, é importante perceber quais conceitos faltam em seu vocabulário Ele, então, analisa novamente o manifesto, constatando que o autor utiliza palavras ofensivas para se referir a minorias Logo, acredita que o terrorista é um homem branco que tem pouco contato com pessoas negras e mulheres.

Essa sequência é importante para entender Fitzgerald, como homem comum, e o anti-intelectualismo em Manhunt Fitzgerald não possui credenciais acadêmicas ou experiência em Linguística Porém, ao ser confrontado com uma demanda prática para seu trabalho, rapidamente se familiariza com a disciplina Para isso, não precisou se dedicar anos nem estudar complexas metodologias científicas O homem comum age, trabalha com as mãos, inventa; o intelectual é visto dentro dessa ordem de idéias quase como um parasita Apenas sua intuição e bom senso foram necessários. Apesar do auxílio dado por Rogers, somente duas conversas casuais foram necessárias para Fitzgerald desenvolver seu método. As características do “homem comum”, como intuição e experiência, são endossadas ao invés de uma “vida intelectual” Por outro lado, ao considerar linguagem como um elemento legítimo, ele se distancia dos outros agentes.

O anti-intelectualismo também está presente nos personagens do FBI Os agentes demandam que Fitzgerald abandone a análise linguística do manifesto e das cartas de Kaczynski ao irmão Eles acreditam que a prática da leitura crítica é improdutiva e querem focar os esforços da força-tarefa no que consideram como "evidências concretas” (Unabomb, Ep.01). Essas palavras são utilizadas, muitas vezes, para desacreditar o caminho perseguido por Fitzgerald

Dessa forma, eles veem a Linguística como uma atividade inútil, que não traz resultados ou benefícios Não é demais ressaltar que Fitzgerald se apropria de ferramentas da Linguística, as operacionalizando, como alguém de fora da academia, para determinados aspectos da área de conhecimento, o que lhe permite as aplicar á prática forense Ele é, sem dúvida, um representante do que se convencionou chamar de self made man Deixa de ser o policial que aplicava multas de trânsito nas ruas da Philadelphia para se tomar um perfilador criminal do FBI e idealizador de um método forense. Notamos que, aqui, a Linguística é mais aceita, já que é ciência aplicada, concebida para utilização prática

Como abordamos, essa é a característica do homem de ação, simbolizado já no presidente Jackson, que possuía uma visão utilitarista do conhecimento. Em outras palavras, a relação com o anti-intelectualismo é conflituosa - a narrativa deixa claro esse conflito dentro da agência de segurança. Essa contestação das hierarquias e das instituições se encontra emaranhada com o anti-intelectualismo presente nessas figuras de poder do FBI Embora criticassem o pensamento intelectual, foram exatamente elementos da Linguística que ajudaram a compor o perfil do terrorista Percebemos que essas contradições internas à trama advêm do processo múltiplo e coletivo de criação e produção das séries de televisão e da própria tradição antielitista estadunidense

No primeiro episódio, o FBI estava certo de que o Unabomber era um mecânico de aeronaves desempregado Nesse sentido, se supunha que ele provavelmente teria perdido o emprego durante uma demissão em massa Buscando vingança contra companhias aéreas, deflagrou sua campanha de bombas. Fitzgerald, porém, insiste que os alvos seriam símbolos e representativos de um tipo de pensamento: “Essas pessoas são alvos representativos. Gil Murray [vítima] era um símbolo para ele Todos os seus alvos simbolizam algo”[177]. Cole, um de seus superiores na força-tarefa, apresenta uma pasta com “evidências concretas” Ele coloca sobre a mesa fotografias dos dispositivos utilizados para fabricar as bombas A fabricação caseira dessas partes seria indicativa da experiência do Unabomber como mecânico.

Nós temos evidência forense concreta que ele é um mecânico aéreo treinado. Olhe como em um avião temos baterías soldadas em série dentro de uma gaiola de arame. Ele é um especialista em fundir e moldar alumínio. E olha, olha isso: ele desenvolveu um novo interruptor similar ao que fica na cauda de um avião 747[178][grifos nossos]

Fitzgerald contradiz o superior Ele insiste que é necessário analisarem a linguagem "código” do autor: "Tem uma inteligência poderosa em ação, uma filosofia pessoal em que o FC [Unabomber] se baseia. Você descobrindo a filosofia, você descobre a identidade do homem e quebra o código" [grifo nosso], Ele novamente é repreendido por seu argumento e recebe ordens para seguir o curso da investigação A personagem, decepcionada com o descaso das suas propostas, insinua deixar o caso Contudo, em seguida, o manifesto é introduzido na série, reforçando a tese do agente

Como gancho para o próximo episódio, é sugerido que sua abordagem seria relevante. Todavia, a primeira ação da força-tarefa, ao entrar em contato com o manifesto do Unabomber, é novamente priorizar pistas tradicionais. Eles procuram, nas folhas, vestígios como DNA, impressões digitais e fios de cabelo Durante parte considerável do segundo episódio, Fitzgerald não tem acesso ao texto

O agente questiona o porquê, ao receber um documento de cinquenta e seis páginas, a primeira ação da agência não é priorizar sua leitura Cole menospreza essa fala, defendendo o que entende como útil: "Uma impressão digital de uma dessas páginas [...] Um único fio de cabelo seria muito mais valioso do que qualquer coisa que você vai conseguir lendo o desabafo desse cara”[179]

Aqui, temos uma possível crítica ao anti-intelectualismo, já que seus superiores ignoram a possibilidade de análise da linguagem Eles desconsideram o conteúdo das cartas do Unabomber em detrimento do que consideram ser evidências materiais. Na imagem abaixo, vemos duas câmeras em close posicionadas acima do chefe da força- tarefa Constrói-se a cena como se a audiência estivesse analisando as fotografias do crime, incapaz de olhar para fora desse plano limitado (Figura 21) A narrativa indica que a ignorância em reconhecer a legitimidade da análise linguística impossibilita a investigação de evidências cruciais para capturar o Unabomber

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Figura 21 - Ackerman analisa fotos da cena de crime
[180]

O anti-intelectualismo é, dessa forma, questionado: Cole e Ackerman, que são homens de ação, buscam conduzir a investigação de forma tradicional e prática, fundamentados na experiência e no que é entendido como concreto Quando confrontados com a utilização de “filosofias e códigos" como indícios, fracassam Fitzgerald é capaz de chegar na identidade do Unabomber, porque infere essa linguagem No entanto, ao se comunicar com o intelectual, passa a ter dificuldade de dialogar com o homem de ação Como demostramos na próxima seção, Fitzgerald passa a ser mal compreendido, pelas instituições que o cercam, devido á sua insistência em utilizar meios pouco convencionais para construir o perfil do terrorista Embora sem qualquer contato, Kaczynski passa a ser o único a compartilhar das aflições de Fitzgerald com o mundo que o cerca

2.2 Elementos da construção das personagens de James Fitzgerald e Theodore Kaczynski

James Fitzgerald e Theodore Kaczynski são personagens semelhantes e, simultaneamente, contrapostos. A indicação é a de que são pessoas introspectivas e críticas da modernidade, mas que adotam métodos de atuação distintos Dessa forma, o policial entendia determinadas motivações para as ações violentas do terrorista, todavia, discordava absolutamente dos atentados cometidos

Fitzgerald é espelho de Kaczynski na série Como eles nunca se encontraram na realidade, os produtores utilizaram-se de estratégias narrativas para aproximar os personagens Um dos principais recursos que permitiu que ambos estivessem presentes na mesma cena foi a utilização do recurso da voz over, pela qual Kaczynski comenta acontecimentos da vida do agente Dessa forma, em grande parte da trama, temos o policial em imagem e o terrorista no áudio, mesmo que seus caminhos se cruzem somente após a prisão. Procuramos discutir como esse espelhamento foi construído, e como a voz over teve protagonismo na construção das cenas de Manhunt

A personagem faz parte do mundo ficcional, sendo que a sua construção conta com um instrumento central: o papel do narrador Segundo Beth Brait, “Assim como não há cinema sem câmera, não há narrativa sem narrador”[181] Para a autora, a câmera é um narrador No caso da série Manhunt, temos um narrador em voz over[182]. Trata-se do próprio Theodore Kaczynski, um narrador em primeira pessoa, portanto, um narrador que está dentro da história. Mas um elemento inicial da construção dos personagens da série é a projeção da imagem especular entre Theodore Kaczynski e James Fitzgerald, transformando um e outro num duplo em que se aproximam e se distanciam.

Logo nos minutos iniciais da série, percebemos que o espelhamento é seu elemento fundamental Nessa primeira cena, já examinada em detalhes no primeiro capítulo, vemos o ator Sam Worthington, que interpreta James Fitzgerald, na wilderness {Unabomb, Ep01). Assim, a série sugere ao espectador que aquele pode ser o Unabomber, visto que o público norte-americano tem memória do caso Essa ambiguidade é resolvida apenas quando são apresentados os agentes do FBI em sua propriedade Fitzgerald, depois do seu desencanto com o FBI, que não lhe deu o devido crédito por providenciar os meios para capturar Kaczynski, e do fim do seu casamento e distanciamento da família, estava vivendo á semelhança do Unabomber, apreciando a imensidão da natureza, providenciando a própria alimentação e estando praticamente isolado

A partir das fotografias cedidas para nossa pesquisa, notamos que as cenas de wilderness, com Kaczynski (Paul Bettany) e Fitzgerald (Sam Worthington), foram gravadas na mesma data (Figura 22) Vemos, na imagem, como os homens compartilham vestimentas similares e traços físicos Assim, um problema é colocado para fomentar o interesse da audiência o que aconteceu com o agente para estar vivendo como o Unabomber?

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Figura 22 - Em imagem de bastidores, os atores Paul Bettany e Sam Worthington
[183]

Na trama, após Fitzgerald ser estabelecido como agente de segurança protagonista, suas ações passam a ser narradas em voz over por Kaczynski Queremos dizer que a voz over é não só importante instrumento na caracterização de Kaczynski e Fitzgerald, mas também para a construção da série É importante ressaltarmos que, no primeiro episódio, o narrador é incógnito A série não oferece elementos suficientes para estabelecermos a voz do ator Paul Betthany, que interpreta Kaczynski, como sendo o Unabomber Nesse sentido, as identidades dos dois personagens formam uma espécie de amálgama Contudo, para aprofundar esse aspecto da série, precisamos entender o que é voz over e como essa técnica é utilizada em Manhunt

Marcei Vieira Silva e Melissa Fontenele apontam que, nos estudos sobre cinema, o recurso é entendido como uma ferramenta explicativa e/ou interpreta ti va do que é exibido Nesse sentido, a voz do narrador ocupa um espaço de poder ao guiar o olhar do espectador na leitura da narrativa: “a preposição over em inglês informa que a voz está acima’ da imagem Por isso a fala representa um discurso de autoridade, o que lhe concedeu o título de voz de Deus’”[184] Nos documentários, no entanto, a voz tem um caráter mais informativo, ordenando os eventos, defendendo argumentos e apresentando um ponto de vista. Na ficção, aparece como [£,]uma forma de convencer o público a aceitar a narrativa”[185] Portanto, as indicações são de que Kaczynski, com a sua personalidade inflexível e desajustada, pretende dominar a narrativa A escolha da voz over nos fala dos recursos mobilizados para a série, mas também dos recursos utilizados para construir a personagem do terrorista

A voz over é um traço fundamental do gênero documentário, podendo ser situada no início do século XX, “quando os comentários ao vivo em forma de palestra agregavam valor às imagens mudas e tinham natureza educativa”[186] O recurso, após o estabelecimento do som como parte do cinema, passou a ser adotado nos cinejomais. Vale lembrar que esses programas informavam o público sobre as notícias do mundo, usualmente antes da exibição de um filme de ficção. A voz over, ao ser utilizada pelo meio jornalístico, mostra como os comentários têm uma característica de “registro”, construindo um “efeito de realidade"[187]

Analisando a voz over na série de televisão Narcos (Netflix - 2015), os autores argumentam que seu uso, característico de documentários, invoca uma “credibilidade histórica" ao utilizar acontecimentos e personagens da memória do público[188]. No caso da série, um dos personagens notórios evocados é o narcoterrorista colombiano dos anos 1980, Pablo Escobar O narrador é a personagem agente do DEA (Drug Enforcement Administration) Murphy, um dos responsáveis pela caçada de Pablo Escobar Silva e Fontenele defendem que o narrador tem papel central para o entendimento da narrativa ao “moldar o olhar do telespectador através de suas opiniões e julgamentos de valor, e fazer crer que a verdade está ali para quem quiser ver - literalmente - através dos vídeos, das fotos, dos jornais ou datas do mundo histórico"[189].

É interessante notarmos semelhanças na estrutura narrativa e em estilo entre Narcos e Manhunt. Ambas as séries foram parte do catálogo de streaming da Netflix e buscam recuperar acontecimentos históricos, “eventos baseados em fatos reais”, utilizando-se do recurso da voz over Em ambas, o uso dessa ferramenta evoca um senso do real, obscurecendo as fronteiras entre realidade e ficção Ainda mais, esse recurso transforma em espelho os personagens protagonistas. Assim, temos Kaczynski como narrador comentando as ações de Fitzgerald em cena

Voltamos a Manhunt e sua participação na força-tarefa, como apontado anteriormente, os superiores de Fitzgerald buscam impor parâmetros para sua investigação Em uma confraternização do FBI, Fitzgerald conversa com sua parceira na agência, Tabby Ele reclama sobre a linha investigative adotada pelos superiores Ela responde, dizendo: “Você é uma engrenagem na máquina, Fitz, entenda isso, caral”[190]. Nesse momento, Fitzgerald pega seu carro e vai sozinho para a última cena do crime, local onde um homem foi assassinado pelo artefato explosivo do Unabomber As sequências são escuras, seja no bar onde Fitzgerald estava com os outros agentes do

FBI, seja no percurso de carro á noite, seja na cena do crime, onde o agente usa uma lanterna Enquanto direciona a lanterna para certos objetos, em um monólogo, reflete sobre o que as evidências naquela cena sugerem. Nessa sequência, após o diálogo com Tabby até a entrada do monólogo, um narrador em voz over aparece (Unabomb, Ep.01).

Eles querem que você obedeça. Eles querem que você seja uma ovelha como eles - uma máquina obediente. Sente-se quando mandado sentar-se, fique de pé quando mandado ficar. Eles querem que você desista de sua humanidade, sua autonomia por um salário, uma TV maior ou reconhecimento. A única maneira de ser humano, a única maneira de ser livre, é rebelar-se. Eles vão tentar esmagá- lo, usar todas as táticas que têm para tomá-lo obediente, dócil, subserviente, mas você não pode permitir. Você tem que ser seu próprio mestre, custe o que custar. Melhor morrer um ser humano do que viver como mais uma engrenagem na máquina. (UNABOMB, Ep.01 )[191]

É como se a narrativa fosse deixando indícios, migalhas seus superiores exigindo submissão e Tabby aconselhando Fitzgerald a resignar-se, preparando o terreno para a crítica de Kaczynski As palavras se repetem nos diálogos e na voz do narrador: “obediência" e “engrenagem na máquina” No discurso, “eles” querem fazê-lo obediente, mais uma engrenagem da máquina, retirando sua individualidade “Eles querem que você desista de sua humanidade, sua autonomia” em troca de bens materiais e supérfluos. O problema é apontado: o homem contemporâneo se submete, é dócil; o indivíduo é apenas mais uma peça de um sistema. O remédio prescrito é a desobediência: "A única maneira de ser livre é se rebelar” (UNABOMB. Ep.01) É isso o que Fitzgerald faz desobedece a seus superiores do FBI e, por isso, acaba por encontrar, a partir de um método inusitado, o terrorista.

Nesse sentido, a voz over, que tem como narrador Kaczynski, aparece como um endosso às ações de Fitzgerald Este desobedeceu ás ordens de seus superiores ao não cumprir os parâmetros impostos. Ao fazer isso, avançou na investigação, que não tinha pistas novas há mais de dezessete anos, ao perceber que os alvos do Unabomber eram simbólicos.

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Figura 23 - Agente do FBI Cole, em posição superior, e Fitzgerald abaixo, na escada
[192]

Em um confronto com seu supervisor, Cole requer obediência, afirmando que, se o tiver, Fitzgerald será recompensado O agente responde dizendo que o Unabomber afirmou o mesmo em seu manifesto Apesar do diferente contexto, a personagem de Kaczynski, na voz over, aponta de maneira crítica que “na sociedade moderna, tudo o que é requerido de você é obediência". Cole retorna sarcasticamente: “Coloque isso no seu sumário, dicas de liderança do Unabomberi’[193] É interessante notar as posições dos dois nessa cena: Cole em nível superior, e Fitzgerald, inferior, reforçando a hierarquia presente no escritório e o papel exigido de seu subordinado (Pure Wudder, Ep. 02) Novamente, temos o espelhamento, com o comentário de Kaczynski sobreposto ao cotidiano de Fitzgerald.

O agente, em sua investigação, desobedece e, individualmente, busca por pistas e informações sobre a identidade do Unabomber Essa ação é colocada como correspondente á autonomia Na série, é clara a tensão entre o indivíduo, Fitzgerald, e a burocracia, representada pelo FBI, nos personagens de Ackerman e Cole Fitzgerald se recusa a ser apenas mais um burocrata obediente, como os outros policiais da instituição

Fitzgerald relata brevemente sua conduta como policial antes de participar da força-tarefa Dessa forma, em uma sequência, é apresentado seu histórico nas instituições e com figuras de poder Dois policiais federais visitam sua casa, sondando o agente para atuar na força-tarefa O assunto que buscam esclarecer é o seu contraditório percurso profissional Um dos agentes aponta que Fitzgerald é reconhecido como o melhor aluno do curso de Profiler (representado como grupo de elite do FBI) Todavia, na Filadélfia, ele atuou por uma década nos escalões mais baixos da polícia local Como já dissemos, o agente é a representação do homem comum norte-americano Fitzgerald defende que sofreu retaliações por não comprometer seus valores em nome de reconhecimento ou carreira: "Eu apliquei uma multa de trânsito O chefe [da polícia] me pediu para anular a infração, porque era para um conhecido, e eu não fiz isso[194]" (Unabomb, Ep.01).

A narração do terrorista em voz over, acompanhada pelo cotidiano de Fitzgerald em cena, aparece como explicativa para as críticas às instituições. A série também cria um encontro entre os dois protagonistas. Em uma conversa em que tenta manipular o terrorista para que se declare culpado, Fitzgerald admite para Kaczynski que a leitura do manifesto mudou radicalmente sua vida (Pure Wudder, Ep.02) Ele se aproximou do universo intelectual ao estudar técnicas da Linguística, mostrando, aqui, a sua relação ambígua com o mundo intelectual Mais importante, a própria mensagem do texto o fez questionar seu papel no FBI e seus superiores

[Kaczynski] O que eu realmente aprecio em você é que a maioria das pessoas encara a linguagem como algo natural, mas não você. Você viu de forma diferente. Esse é o primeiro passo para se tomar livre. Uma mudança de perspectiva. Manifesto, por exemplo nunca gostei desse nome, faz soar como um desabafo, e você e eu entendemos o poder e a especificidade das palavras. Manifesto versus artigo, insanidade versus iluminação, surto mental versus licença estendida. Você teve uma mudança das circunstâncias de vida desde o seu trabalho no caso Unabomber, estou certo?

[Fitz] Sim, eu tive.

[Kaczynski] Por causa do que eu supostamente escreví? [Fitz] Sim.

[Kaczynski] O que aconteceu? Só entre nós[195]

Apesar de pretendida uma aproximação com o terrorista com fim deliberado, a estratégia não dá certo, já que Kaczynski vira o jogo, deixando Fitzgerald inseguro Havia uma disputa entre os dois, e Kaczynski dá um xeque-mate, comunicando, com superioridade desmedida, que era mais inteligente do que um policial sem formação acadêmica. Novamente, eles são semelhantes e opostos.

O uso da ferramenta da voz over e do espelha mento dos dois personagens foram deliberados Yaitanes acredita que Kaczynski foi uma espécie de profeta; a mensagem do radical tem méritos e deve ser representada na televisão Assim, o espelhamento foi utilizado como uma forma de trazer a voz do Unabomber para a série Disse ele:

Uma das coisas que percebemos de nossa entrevista com Frtz era que, depois de passar tanto tempo analisando cada linha do manifesto e dos escritos do Ted, você percebe que o Fitz tinha uma conexão com a mensagem. Não era que o Ted estava certo, de novo, ele estava errado. Mas quero dizer, de certa forma, ele foi como um profeta, pois olha onde nos encontramos hoje. Portanto, o espelhamento foi deliberado, pois foi uma maneira de representaras mensagens de Ted, mesmo não sabendo quem ele era ou o que estava acontecendo com ele. Era uma maneira de entrar na cabeça [de Kaczynski] e mostrar que ele estava entrando na cabeça [de Fitzgerald]. E que talvez houvesse algo em viver off-grid (desconectado) [...][196]

Para Sodroski, os personagens Fitzgerald e Kaczynski se espelham, porque ambos são homens fora do sistema (outsiders) Fitzgerald obviamente menos que Kaczynski. A narrativa, para o roteirista, representa como um homem comum, ao entrar em contato com o manifesto, passa a se confundir com parte do que pensava Kaczynski Em Manhunt, há uma linha tênue entre herói e vilão. Ela fica mais borrada com as inserções narrativas da voz over, amalgamando as personalidades do terrorista e do policial Segundo Sodroski:

Eu estava tentando contar uma história sobre essa personagem [Fitzgerald] que ao longo da investigação se toma meio obcecado com o manifesto. Ele lentamente deixa de ser um homem de família, policial, com algumas habilidades extraordinárias, e um outsider [homem fora do sistema] para se tomar o Unabomber. E então, ao mesmo tempo, contar a história de seu retomo, deixando de ser o Unabomber, confrontando Ted Kaczynski e fazendo as pazes com o fato de que esse caso não é preto e branco e não há nenhum vilão, é apenas tragédia para todos os lados[197]

Como indicamos, durante o curso da investigação nos anos 1990, Frtzgerald nunca se encontrou com Kaczynski. Sodroski nos disse em entrevista que, para resolver esse problema, a produção marcou uma data para Fitzgerald visitar o terrorista, que está cumprindo prisão perpétua Embora tenha aceitado o convite, quando o agente aposentado chegou á prisão de segurança máxima, o condenado afirmou estar indisposto para recebê-lo. Assim, os produtores usaram da “licença criativa" para imaginar o confronto entre eles após a conclusão da investigação No entanto, isso continuou a ser um problema para o roteiro, pois a convenção é que, em séries de investigação, policial e criminoso se encontrem para estabelecer tensão O uso da voz over permitiu a intersecção dos personagens

Para além de um narrador em primeira pessoa, os produtores esperavam que o uso desses mecanismos agradasse á audiência Primeiro, ao colocar o Unabomber como narrador, a história se torna mais complexa, pois o espectador tem acesso privilegiado á mensagem do assassino Esse criminoso articula assuntos e temáticas com os quais o norte-americano é familiarizado Em segundo lugar, ao produzirem uma história baseada em um evento notório, em que o desfecho é conhecido ou facilmente pesquisável na internet, houve uma preocupação com manter o interesse da audiência durante os episódios[198] Nesse sentido, o espelhamento entre Kaczynski e Fitzgerald é particular á Manhunt, mantendo o espectador curioso Ainda segundo Sodroski

Uma outra parte foi fazer com que parecesse de imediato, fazendo com que houvesse uma conexão imediata e visceral, o que Ted está fazendo, que é realmente muito intelectual e impessoal: é por meio do correio e desses pacotes, das mensagens e da escrita. Já o mundo do Fitz tem todo esse drama e intensidade, e, assim, Ted estava se comunicando por meio de cartas, pacotes e bombas, então a voz over é nossa maneira de tomar visceral aquela voz, sabe? Essa voz autoral de Ted está perto de nós, e acho que causando uma sensação de que você está na presença de alguém que é muito perspicaz e muito inteligente. O que é assustador na narração é que a voz do assassino está contando coisas muito, muito perspicazes sobre o seu mundo que, na verdade, se você parar e pensar no milagre dos correios, verá as coisas de uma forma diferente. Você realmente começa a ver a vida de uma maneira diferente, e isso é apenas no primeiro minuto, entende o que quero dizer? Mas também está sendo narrado por um homem que está me mandando uma bomba. Então você tem esses envolvimentos diretos com essas idéias, que, novamente, acho que é sobre buscar maneiras de tomá-lo muito visceral, uma conexão pessoal com isso[199]

Em síntese, a trama constrói as personagens de Kaczynski e Fitzgerald de modo a se espelharem tanto na estética quanto em ações. Para isso, os recursos da voz over e do espelhamento foram cruciais para construir e incluir esses personagens em uma mesma cena Enquanto ouvimos a narração do terrorista, vemos na tela o policial e sua investigação do caso. Em algumas cenas, isso acaba por confundir a identidade dos personagens, estabelecendo similaridades entre eles Na próxima seção, buscamos entender como as temáticas exploradas neste capítulo foram pensadas para agradar um público-alvo específico da Discovery.

2.3 O público-alvo de Manhunt

Sodroski apontou que o canal tinha como objetivo atingir um tipo público: o da classe trabalhadora, politicamente mais conservador e residente no centro geográfico do país. Além disso, tinha como alvo duas faixas etárias específicas: baby boomers (geração nascida no pós-Segunda Guerra Mundial) e homens com mais de trinta anos. O cenário ideal de consumo seria, então, o pai e seu filho adulto assistindo Manhunt na TV da sala de estar Portanto, a produção tinha a expectativa de que o público fosse, em sua maioria, de homens brancos, sem educação universitária e que tivessem alguma lembrança do caso dos anos 1990 O roteirista descreveu esse público como sendo de colarinho azul (blue-collar), um termo norte-americano que designa trabalhadores que executam atividades manuais. Nas palavras de Sodroski:

O público-alvo da Discovery seria como aquele tipo de pais mais velhos, tais como pais baby-boom e seus filhos bluecollar, mas filhos homens que moram na casa dos pais, e todos estão procurando algo para assistir juntos. A ideia é que eles tenham uma grande televisão na sala de estar, os pais de sessenta e poucos anos e seus filhos de trinta e poucos que estejam todos morando juntos e todos procurando algo em que possam concordar. Então é isso que você está almejando, e acho que geralmente mais conservador e mais na parte central do país é o tipo demográfico do público-alvo. Não sei se isso ainda é verdade agora, mas naquela época esse era o tipo de público que queríamos. Então, estamos tentando mostrar, você sabe, enfatizando a engenhosidade, enfatizando esse tipo de experiência blue-collar versus conhecimento de livros. Esses eram temas que eram muito naturais para a série e que falavam com o público[200]

Como demonstramos, a narrativa utiliza elementos do anti-intelectualismo e da crítica ás instituições O individualismo, representado no arco da personagem de Fitzgerald, é entendido como superior ás burocracias e ao "sistema”. O agente, sem uma formação em Linguística, descobre um novo método de análise, capaz de identificar o Unabomber e concluir a investigação mais longa e custosa na história do FBI No entanto, para fazer o seu trabalho, é necessário confrontar autoridades e se rebelar contra parâmetros impostos. O indivíduo, bem-intencionado, é representado como mal compreendido por seus superiores, colegas de trabalho e familiares. Em adição, na melhor das hipóteses, os intelectuais são representados como vaidosos, arrogantes e pretensiosos Em uma visão mais perigosa, como representada em Kaczynski, a universidade e seus acadêmicos podem se aproveitar da ingenuidade para corromper e desestruturar um sujeito. Em síntese, esses elementos foram mobilizados deliberadamente para agradar o público-alvo da Discovery

No que a Discovery estava interessada era em um protagonista blue-coliar enfrentando o sistema, meio que de uma maneira dissidente e 'descobrindo" algo. E, assim, parte do que eles estavam buscando era um protagonista blue- coliar que descobrisse uma maneira totalmente nova de fazer algo e então meio que descobrisse, Discovery, certo? A coisa da natureza foi apenas a cereja do bolo para eles, eles têm todas aquelas séries de volta à natureza[201]

Para nossa análise, é importante ressaltarmos o contexto histórico em que a série foi exibida (2017)[202]. Em 2016, ocorreram as eleições primárias do Partido Republicano, que tinham como principais candidatos o senador do Texas Ted Cruz (1970-) e Donald Trump (1946- ), empresário e estrela de reality show. O protagonista de quatorze temporadas do show O Aprendiz não era a escolha dos altos escalões do Partido Republicano[203] A cúpula era dominada por neoconservadores, aguerridos na política externa, partidários da globalização e do neoliberalismo do período da presidência de Bush[204] Entretanto, Trump ganhou apoio de uma extrema direita que tomava corpo Esse grupo político radical suspeitava dos neocons, apontando que muitos de seus ideólogos eram “antigos esquerdistas” e representativos de um “conservadorismo de esquerda” Para a direita extremista, o establishment republicano era demasiadamente “urbano, intelectual, judeu e ideológico”[205]

Com o apoio da extrema direita, Trump foi capaz de vencer as eleições internas e concorrer contra a democrata Hillary Clinton (1947- ) para a presidência A expectativa no período, representada nos meios de comunicação, era a de que a primeira mulher fosse eleita para chefiar o Poder Executivo daquele país. Contudo, apesar de Clinton ter vencido no voto popular, Trump angariou o maior número de colégios eleitorais e foi eleito presidente[206]

Durante sua campanha, o candidato se colocou como um homem fora do sistema, fora do campo das elites intelectuais enquanto desvalorizava as instituições Ele buscou apelar para o “homem comum” Apesar de ter frequentado uma prestigiada universidade voltada para administração de empresas, Trump utilizou-se, durante sua campanha presidencial, de uma linguagem simples e disse, orgulhosa mente, que não gosta de ler livros[207] Em adição, a despeito de ser filho de um magnata do setor imobiliário de Nova Iorque, Trump também se vinculou á imagem do homem comum, o que definitivamente ele não era, e á do self made man. Segundo essa versão, ele teria multiplicado a riqueza da família através de suas habilidades práticas em negócios.

Como outros do Partido Republicano, o presidente, de forma demagógica, se posicionou contra uma elite que estaha representada no Partido Democrata Esse grupo seria ligado a uma intelectualidade, como o próprio ex-presidente Barack Obama (1961- ), que estudou em Harvard e foi professor de Direito na Universidade de Chicago[208] Em 2016, Trump foi crítico das grandes empresas de tecnologia As maiores companhias do setor fizeram volumosas doações para a campanha do Partido Democrata. Em um longo discurso na convenção nacional do Partido Republicano, o empresário não citou palavras como “tecnologia” ou “ciência”[209]. Assim, é importante notarmos que a crítica á tecnologia também é uma temática comum na série, reverberando junto ao público-alvo

No primeiro semestre de seu mandato, Trump e seus partidários criticaram extensivamente o FBI. A agência de segurança tornou pública uma investigação de supostos vínculos entre integrantes do governo russo e a campanha do ex-presidente. Havia indícios de que membros da equipe republicana haviam contribuído com o governo estrangeiro, disseminando informações falsas e interferindo na campanha presidencial de 2016. Republicanos atacaram abertamente a agência federal, apontando um suposto viés político da investigação[210] Assim, a imagem do homem contra o sistema, burocracias e a elite intelectual foi extensivamente utilizada nesses anos.

Homens brancos, sem educação universitária e da classe trabalhadora foram a base eleitoral do empresário na disputa presidencial[211]. Dessa forma, é fundamental ressaltarmos que Trump e Manhunt tinham o mesmo público-alvo Muitos dos valores representados na série são associados à imagem do ex-presidente.

Manhunt é uma série idealizada por homens intelectualizados para homens brancos, sem formação universitária e da classe trabalhadora Demonstra contradições ao abordar elementos do anti-intelectualismo, por exemplo, ao apontar a recepção negativa do FBI aos métodos de análise linguística propostos por Fitzgerald, enquanto reitera estereótipos do intelectual e da academia Muitos desses conflitos surgem das dinâmicas de produção, distribuição e recepção, características de um produto cultural[212] A Discovery Channel, como um canal de TV a cabo presente em planos de assinatura

básico, tem como sua principal fonte de financiamento os anúncios publicitários. A companhia, portanto, vende inserções para empresas que desejam anunciar seus produtos para esse público específico. No próximo capitulo, inserimos a série em um contexto mais amplo da indústria, abordando o programa de televisão na programação da Discovery. Ainda mais, trabalhamos as tensões e disputas entre criadores, produtores e executivos da companhia


3. O Produto Cultural “manhunt”: Criação, Produção E Disputas De Narrativa Em Uma Série De Televisão

Neste capítulo, exploramos o contexto criativo, de produção e algumas das diferentes interpretações de Manhunt Argumentamos que as partes que participaram desse processo tinham interesses particulares e prioridades distintas. Assim, investigamos com detalhes o porquê da Discovery, especializada em documentários e reality shows, produzir um programa roteirizado como Manhunt. É importante destacar que Manhunt foi a primeira e última série de alto custo, até agora, cujo roteiro a empresa esteve diretamente envolvida na produção.

Demonstramos como, para os executivos da Discovery, Sodroski (roteirista e showrunner) e Yaitanes (diretor) haviam construído uma narrativa com potencial para agradar as demandas da audiência do canal com uma série "complexa, autêntica e fidedigna” Entretanto, com base em nossas entrevistas, percebemos que o projeto do diretor não era o mesmo do roteirista Dessa forma, a série é resultado do conflito de visões distintas, transformadas num produto final que não obedeceu ao projeto inicial.

Para além do contexto de produção, exploramos como a série foi apropriada, primeiro, devido à repercussão de Manhunt entre agentes aposentados do FBI e James Fitzgerald. A trama foi questionada em suas representações criticas ao FBI, ainda mais por ter colocado, em um único personagem, os créditos da captura do Unabomber e do encerramento da investigação mais longa e custosa da agência Existe, entre esses sujeitos, uma disputa pela narrativa.

Theodore Kaczynski, de forma similar, a partir de suas correspondências escritas da prisão, buscou exercer controle sobre a narrativa e fazer notório o seu descontentamento. O terrorista parecia ter entendido que Manhunt deslegitimava sua mensagem contra a modernidade por representar os experimentos conduzidos em Harvard e o potencial impacto deles em sua personalidade e saúde mental Kaczynski demonstrou preferir o foco da série na sua mensagem contra a modernidade do que nas possíveis sugestões do porquê escolheu a violência para transmitir suas idéias Contudo, discutimos como Manhunt e Kaczynski foram recuperados como símbolo para um grupo de jovens da extrema direita. A partir da personagem do terrorista na trama, jovens articulam políticas anti imigração e racistas com uma preocupação a respeito da crise climática. Em outras palavras, Manhunt mobilizou diferentes interesses, interpretações e atores desde sua concepção.

3.1 O processo criativo e o roteiro original

Jim Fitzgerald, Tony Gittleson e Jim Clemente foram os criadores da série de TV Manhunt: Unabomber Embora Gittleson e Clemente também sejam creditados como roteiristas do programa, eles não participaram do processo de produção Gittleson, creditado no roteiro do episódio piloto, ao comparar seu texto original com o produto final, afirmou que ambos não poderíam ser mais diferentes. Durante nossa entrevista, ele narrou o trabalho árduo que teve ao pesquisar, analisar, escrever e buscar possíveis produtoras para o projeto

Clemente foi promotor de justiça e agente do FBI. Ele e Fitzgerald são sócios e fundadores de uma empresa de entretenimento (XG Productions), que foca nas produções baseadas em true crime (“crimes reais”) Ambos foram consultores da popular série Criminal Minds (2005 - 2020). Atualmente, Clemente apresenta os podcasts Best Case Worst Case e Real Crime Profile, voltados para o gênero (crime real)[213].

O ex-promotor de justiça conheceu o trabalho de Gittleson através do filme A Life In A Day, um longa biográfico que conta a história de Brian Epstein, o empresário da música que lançou os Beatles: “Ele leu [o roteiro] e gostou muito, e nós éramos conhecidos. Depois, ele me contatou e disse: você deveria conhecer meu amigo James Fitzgerald, ele é o agente (criminal profiler) que resolveu o caso Unabomber”[214] Nas fases iniciais, o projeto foi intitulado Manifesto. Os agentes aposentados do FBI haviam escrito um roteiro de filme de ação e aventura Contudo, ao contatarem Gittleson para participar do trabalho, o roteirista defendeu que o texto fosse rescrito Para ele, a história deveria se ater a aspectos fidedignos, que dessem autenticidade á narrativa.

Isso não era consenso entre os criadores Clemente acreditava no espaço para licença criativa. Ao fim, Fitzgerald se interessou mais pela proposta de Gittleson, e o roteiro buscou se manter fiel a seu testemunho Apesar dessa decisão, o roteirista relatou diversos conflitos com Clemente durante a escrita do trabalho Após a conclusão do roteiro, Gittleson buscou possíveis interessados para a produção da série A empresa Trigger Street Productions viu potencial no projeto Na época, a companhia era dirigida por Kevin Spacey e estava produzindo House of Cards. Essa era a chance que os criadores haviam esperado por quase um ano[215]

De acordo com Gittleson, foi depois desse primeiro contato que um empresário da produtora ligou para os criadores, relatando que o presidente da Discovery "tinha lido o roteiro e adorado" Então, os executivos da Trigger Street, os criadores e o presidente da Discovery Communications, Rich Ross, se reuniram para discutir o projeto Entretanto, para a surpresa de Gittleson, o chefe do conglomerado de mídia tinha algumas reservas sobre o episódio piloto O personagem Frtzgerald, por exemplo, não era introduzido nos primeiros trinta minutos da série O início do programa era situado nos anos 1970 e 1980, nas fases iniciais da investigação do caso Unabomber Ainda mais, o roteiro representava a carreira de Fitzgerald como policial na Filadélfia. Nesse sentido, a demora para abordar a narrativa principal da série foi criticada Essa movimentação em torno da criação de Manhunt mostra a dificuldade em estabelecer uma autoria em produtos culturais como séries de TV Produtores, roteiristas, emissora e diretor dividem o trabalho, sendo que, no final, o peso do canal, no caso, a Discovery Channel, é incontestável

Para atender as demandas da Discovery, Clemente e Gittleson planejaram alterações para dinamizar o texto. Apesar desses esforços, o material reescrito foi rejeitado pelos executivos da empresa Gittleson relatou que ficou surpreso com a decisão final da companhia A Discovery, ao fim e ao cabo, comprou o roteiro e os direitos de exclusividade da história de Fitzgerald sobre o caso Unabomber, contudo, no acordo, Clemente e Gittleson foram excluídos da produção do programa

Comparando o roteiro original, o produto final e as entrevistas, é possível refletirmos sobre os elementos que, provavelmente, desagradaram os executivos da Discovery. Uma questão que difere nos roteiros é o motivo da radicalização de Kaczynski No texto original, ele teria decidido iniciar sua campanha de terror após uma consulta com um psiquiatra Nessa época, como professor de Matemática, o personagem se dirigiu ao médico e aventou realizar uma cirurgia para mudança de sexo. Contudo, quando questionado sobre seus motivos, ele interrompeu abruptamente a sessão, recriminando-se por ter aventado a ideia No roteiro, o jovem matemático, depois disso, decidiu se isolar na wilderness e buscar vingança contra a sociedade

Psiquiatra do campus: Você pode me dizer por que está aqui?

Kaczynski: Eu não tenho sido... feliz. (...)

Kaczynski: Tenho - dificuldade em - relacionar-me com as pessoas. Principalmente mulheres. (...)

Psiquiatra do campus: Por que você decidiu procurar aconselhamento agora?

(um silêncio doloroso, e então) Kaczynski: Preciso de permissão médica para fazer uma operação de mudança de sexo. [...]

Psiquiatra do campus: Sr. Kaczynski... mudar de sexo é um processo longo e complicado. Pode levar anos. Acho que precisamos entender os motivos...

O psiquiatra continua a falar, apenas sua VOZ é substituída pela VOZ OVER de Ted.

Kaczynski (voz over): Eu me senti enojado com os meus descontrolados desejos sexuais que quase me levaram a fazer - literalmente me emascular... Então, como uma Fênix, eu ressurjo das cinzas do desespero para uma nova e gloriosa esperança.. Percebí, por que não matar o psiquiatra - e todos os outros que eu odeio? Todos que já me humilharam e me atormentaram. O que importava não eram as palavras que passavam pela minha cabeça, mas como eu me sentia..[216]

Portanto, o transtorno de Kaczynski tinha origem na sua não identificação com seu sexo biológico. Em entrevista, Gittleson enfatizou que contou a “história real”, se baseando na autobiografia não publicada de Kaczynski Esse documento encontra-se no arquivo da Universidade de Michigan. As idéias do terrorista expostas no manifesto seriam apenas uma fachada para justificar seus atos de violência. Ao fazer uma comparação com o tempo presente, o roteirista disse que, ao final, o personagem foi representado como um incel (sigla em inglês para “celibatário involuntário")[217].

Eu acho que [Kaczynski] era muito mais psicossexual do que por isso [idéias]. Acho que era uma raiva muito mais profunda, ele é o que chamamos hoje de Incel. Eu acho que ele era isso. Ele é um incel, essa é a terminologia de hoje, então [o conflito] era entre nosso herói e bom moço, Fitzgerald, e nosso vilão muito desequilibrado [Kaczynski] [218]

Acreditamos que esse foi um elemento central que desagradou os executivos da Discovery. Ao entrevistar Yaitanes, foi possível perguntar se a empresa havia estabelecido alguma exigência para a narrativa O diretor explicou que “eles não queriam entrar na sexualidade de Ted”, principalmente no tópico da mudança de sexo. Ele concordou com a demanda, apontando que representar essa questão seria muito complexo e que requerería responsabilidade Havia o receio de que o espectador relacionasse a questão de gênero aos atos terroristas, causando repercussões negativas reais na comunidade tnansgênera

Um dos tópicos que eles queriam é que ficássemos longe, e acho que com razão, já que não tínhamos propriedade para realmente entrar nisso (...) eles não queriam entrar na sexualidade de Ted. Algo que realmente não abordamos com profundidade foi o relacionamento dele com Doug no episódio seis. [O relacionamento] tinha uma natureza sexual exploratória. Então, não incluímos que Ted quería fazer uma mudança de sexo, e foi quando ele decidiu matar pessoas, até mesmo o médico que havia lhe negado (a possível mudança de sexo]. Não podíamos fazer justiça o suficiente e não queríamos identificar isso como a razão pela qual ele estava fazendo as coisas. Estávamos muito conscientes sobre o que The Silence of the Lambs [O Silêncio dos Inocentes] fez com a comunidade trans e sentimos que, sabe, não previmos um avanço nessa parte da história sem realmente nos aprofundarmos[219]

No roteiro original, há outra divergência fundamental: Kaczynski e o agente do FBI não se encontraram ou dialogaram em nenhum episódio[220] Somente no julgamento em tribunal Unabomber e o agente trocam olhares Gittleson defendeu sua escolha, argumentando ter prezado pela realidade dos eventos.

Em seu entendimento, o ponto forte de seu texto era a autenticidade e legitimidade de uma história real No entanto, os executivos da empresa viram isso como seu maior defeito. Ao fim, a Discovery Channel teria preferido a licença criativa em detrimento de uma “narrativa autêntica”, com o objetivo de tornar a série mais atrativa para seu espectador Gittleson afirma que Manhunt não é a história de Fitzgerald Para ele, o agente do FBI fez conceções em troca de ter sua narrativa contada. Ao comentar sobre a escolha do espelhamento de Fitzgerald e Kaczynski, o escritor deixou claro seu descontentamento com o produto final. Em sua interpretação, esses homens não compartilham nenhuma semelhança.

É uma invenção total, e Fitzgerald sabe que é uma invenção. Se eu tivesse proposto [o espelhamento], ele teria me chutado porta afora. Estou reafirmando que tenho grande consideração por Fitzgerald, ele é um cara legal, atencioso. Eu entendo que ele foi meio que mastigado por Hollywood também. Ele fez concessões, mas eu acho que ele odiou toda essa bobagem de que ele se tomou como o Kaczynski ou tão profundamente como ( ..) Eu me lembro de que na cena de abertura devemos pensar 'Oh meu Deus, esse cara barbudo na cabana é o Kaczynski?’. É uma besteira absoluta, é um absurdo, você sabe? É licença criativa desnecessária, é o que o chefe da Discovery queria, eles queriam apimentar [a narrativa], eles precisavam da audiência. Eu tenho certeza de que eles decidiram que minha abordagem era muito próxima da realidade, o que eu considerava uma virtude, e eles não. Eles queriam embelezar, então eles fundiram a mente do Kaczynski [com a de Fitzgerald], o que não aconteceu. Ele [Fitzgerald] emergiu na linguagem? Sim. Ele se transformou no Ted? Não. Quero dizer, é ridículo. Eu ri quando eles finalmente enviaram os roteiros para arbitragem, e eu estava lendo e fiquei horrorizado; era tão idiota que se tomou engraçado (...) foi totalmente uma invenção do roteirista, então, novamente, se eu tivesse pedido isso para Fitzgerald, tenho certeza de que ele não teria permitido[221]

Gittleson se mostrou muito insatisfeito e mesmo ressentido. Segundo o roteirista, Manhunt foi um exemplo de como Hollywood funciona Assim como na série, os trabalhadores envolvidos no processo criativo não tiveram poder sobre a concretização do produto A respeito de seu repentino afastamento do projeto, afirmou “Eu fiquei consternado Basicamente peguei o dinheiro e corn. Fiquei feliz quando acabou. É lamentável. É um verdadeiro conto de Hollywood. Você escreve, vende, monta, vai para a produção e no final você rejeita [o que criou]"[222] Apesar de repudiar a série da Discovery Channel, defendendo que restaram poucas semelhanças com a proposta inicial, Gittleson e Clemente buscaram créditos pelo roteiro do trabalho.

Perante a Writers Guild of America (WGA), eles entraram em arbitragem com a companhia de entretenimento para ser citados como criadores. Após ganho de causa, foram recompensados monetariamente pelo trabalho. É interessante notarmos que, após a estreia da série, Gittleson e Clemente foram nomeados, junto á produção, para a categoria de “melhor roteiro" de TV em 2017 pela WGA.

Em resumo, houve conflitos e tensões, já no início do processo criativo, sobre como a narrativa de Manhunt deveria ser contada. Estavam em disputa os limites entre a fidedignidade aos eventos e a licença criativa. Entretanto, é preciso entendermos o porquê, entre inúmeras opções de programas, a Discovery escolheu essa série de televisão para ser produzida Ainda mais, Manhunt é um programa roteirizado, diferentemente da programação tradicional da empresa. Na próxima seção, discutimos, brevemente, a história da companhia e sua opção pelo modelo de Manhunt, procurando entender a série em um contexto maior da indústria de televisão

3.2 Uma série roteirizada no canal de televisão de Shark Week

Manhunt está inserida no contexto de produções recentes designadas como Quality TV, as quais procuram se diferenciar de uma massa de programação considerada de baixa qualidade presente na TV por assinatura Esse conceito passou a ser amplamente utilizado por estudiosos na década de 1990 para estabelecer uma distinção entre um formato emergente de séries e programações mais tradicionais da televisão que visavam á qualidade A precursora de uma “nova era de ouro” foi a HBO, que buscou se distanciar do meio como era entendido até então: uma forma de “arte inferior" Como reflexo desse momento, a empresa adotou o slogan “Não é TV, é HBO”, buscando se distanciar dos canais com programas de baixa qualidade e atrair novos assinantes[223] A televisão sempre foi considerada uma mídia "menor”, por exemplo, com relação ao cinema Podemos citar alguns exemplos de programas precursores desse formato, como The Sopranos (1999 - 2007), Six Feet Under (2001 - 2005) e The Wire (2002 - 2008J[224] Podemos acrescentar a série, da HBO, celebrada pela qualidade, True Detective (2014- 2019), já que foi na trilha do sucesso dessa série que os produtores, os roteiristas e o diretor de Manhunt se inspiraram, como veremos á frente

A bibliografia caracteriza essas séries a partir de seu alto valor de produção e de sua inovação nos elementos estéticos e de narrativa Contam com um roteiro visto como “inteligente e sofisticado”, dedicando tempo para construir personagens complexos e “moralmente ambíguos"[225] Esses programas dialogam com temas relevantes do presente, tecendo críticas a políticas dominantes, normas e convenções sociais e culturais Essas séries são pensadas e vendidas como “obras de arte”, possibilitando á audiência elaborar múltiplas interpretações e perspectivas sobre os eventos representados[226]

Em segundo lugar, esses programas têm projetos artísticos e buscam utilizar técnicas imersivas, ou seja, atenção aos detalhes para envolver o espectador na narrativa Essa preocupação é refletida, por exemplo, com a contratação de atores renomados e talentosos para interpretarem os personagens multi facetados Nesse sentido, o uso de equipamentos e o de mão de obra qualificada para uma cinematografia de qualidade requerem recursos substanciais para a criação desses produtos[227]

Entretanto, a Discovery Communications é conhecida pela programação não roteirizada desde sua fundação A rede de televisão construiu sua identidade a partir de documentários e reality shows de baixo custo, voltados a um público ávido por esse tipo de conteúdo Mesmo assim, em 2017, a Discovery Channel estreou Manhunt: Unabomber, com o orçamento de 5 milhões de dólares por episódio[228] O canal investiu uma quantia considerável para explorar oportunidades de storytelling para além de sua programação tradicional, a qual vinha obtendo lucros constantes por décadas.

Até o momento da escrita deste texto, essa foi a primeira e última série ficcional de alto orçamento da qual a empresa participou diretamente da produção. No entanto, antes de explorar essa questão, investigamos a programação tradicional da companhia, com foco em Shark Week, com suas três décadas de existência Trata-se de um evento semanal produzido pela Discovery, uma vez por ano, com foco na ação e vida de tubarões Esses programas que se pretendiam, inicialmente, como documentários foram se transformando, em busca de audiência, e ganharam críticas de todos os lados por não corresponder à realidade, por explorar de forma sensacionalista a ação da espécie Em suma, os tubarões passaram a "assassinos do mar*

3.2.1 A programação da Discovery nos anos anteriores ao Manhunt (2012 - 2014)

Shark Week é um dos mais antigos blocos de programação da televisão a cabo No ar desde 1988, conta com mais de trinta anos de existência A selecionada sequência de programas é considerada, por muitos, uma “instituição” dentro da Discovery[229]. Um ex presidente da companhia observou que Shark Week tem um senso de familiaridade com os espectadores e “de atem poral idade bastante raro no mundo do entretenimento" Ele acrescentou que o bloco é um símbolo do próprio canal, “uma grande manifestação comemorativa do que a rede representava, representa, de que ela produz que é mais amado”[230]

A Discovery foi fundada na década de 1980 como uma rede televisiva educacional e científica[231]. Seu primeiro programa exibido, um documentário chamado Iceberg Alley, denunciava os riscos da exploração de petróleo na costa leste do Canadá[232] Além disso, em 1991, a Discovery comprou o TLC(The Learning Channel), na época um canal público gratuito dedicado á programação educacional[233] Seis anos depois, em 1997, em parceria com a BBC, foi lançado o canal Animal Planet, parte do grupa Discovery Communications[234] Assim, o grupo deve seu sucesso a seu conteúdo relacionado á ciência e á natureza Essa fase inicial da rede, ainda, reflete em sua missão de ser “fornecedora líder de produtos e serviços educacionais para escolas"[235], anunciando-se, ao longo dos anos, como a “companhia de mídia de não ficção número um do mundo”[236]

Shark Week seguia esse propósito Durante os primeiros anos, seu conteúdo pretendia contribuir com iniciativas de preservação e remediar interpretações equivocadas a respeito de tubarões Na época, o programa foi impulsionado pelo sucesso do blockbuster Jaws (1974), de Steven Spielberg. O enredo do filme de ficção gira em tomo da caça a urn grande tubarão-branco O animal é representado como um assassino implacável, atacando e devorando banhistas no auge do verão Embora tenha se aproveitado do interesse por tubarões, o programa da Discovery caminhava em direção oposta Episódios iniciais do bloco ajudaram a mitigar alguns dos danos e desarmar "o estigma cultural em tomo dos tubarões" disseminado por Jaws[237]

Na década de 1990, a companhia investiu um esforço considerável em Shark Week, designando seus melhores documentaristas, fotógrafos e cinegrafistas para trabalharem nesses celebrados programas. Em 2001, também ficou claro que usar equipamentos modernos e caros não era um problema Com uma câmera Phantom, que captura imagens a 1 000 quadros por segundo, a rede exibiu tubarões brancos rompendo a superfície, uma ação nunca antes capturada em filme O programa foi reconhecido e respeitado por educar o público por meio de conteúdo de entretenimento de qualidade, apresentando “algumas das melhores filmagens de tubarões em seu habitat natural já capturadas em vídeo, oferecendo imagens incrivelmente detalhadas de como os tubarões se comportam”[238] Para essas filmagens, houve um alto custo envolvido, que se materializou em legitimidade para a companhia Ainda mais, são produtos culturais que exploram a relação do ser humano com o meio ambiente, criando, para sua audiência, programas que articulam aprendizado de conteúdo científico com entretenimento

Porém, em 2013, a renomada programação foi criticada após decisões questionáveis[239] Em um episódio chamado The Megalodon: The Monster Shark Lives, o programa afirmou que um tubarão pré-histórico de 30 metros, considerado extinto, estaria habitando o oceano Além disso, ele teria atacado e matado quatro pessoas na costa da África do Sul Para apoiar essa alegação, Shark Week apresentou um biólogo marinho e cientista que teria realizado pesquisas que embasavam a afirmação Como “prova” desse acontecimento, o programa reproduziu filmagens “encontradas” como evidência da existência do Megalodon[240]. O episódio ultrapassou o recorde de audiência do bloco de programação, com então 26 anos, atingindo a marca dos 4,8 milhões de espectadores

No entanto, a Discovery não alertou seus espectadores sobre o fato de que a narrativa era fictícia. Pelo contrário, ela foi apresentada como documental, exibindo apenas um aviso, de três segundos, de que os eventos eram “dramatizados”[241] O Megalodon entrou em extinção há mais de 2 milhões de anos Além disso, foi revelado que a rede havia usado atores para representar cientistas, e que a filmagem "encontrada" era uma fabricação. Nas palavras de um cientista, o programa “foi apresentado de tal forma que você poderia facilmente assisti-lo e não saber que era ficção"[242] Isso é mostrado mais claramente por uma enquete, na qual 79% dos espectadores, depois de assistir o documentário, apontaram que acreditavam que o Megalodon não havia sido extinto[243]

Após o episódio, Shark Week repercutiu negativamente entre a audiência e, particularmente, entre cientistas e imprensa por seu conteúdo enganoso Jornalistas relataram que fãs expressaram no Twitter sua decepção com as táticas empregadas[244] De acordo com uma empresa de monitoramento de mídia social, 40% das menções da Shark Week foram negativas, e apenas 11% foram positivas[245]

Além disso, pesquisadores e organizações preservacionistas denunciaram o conteúdo ficcional e expressaram seu descontentamento com o programa. Eles apontaram que o episódio induzia pessoas a temerem o animal, reforçando a ideia dos tubarões como “assassinos em série", dificultando, desse modo, a promoção de esforços de sua preservação[246] Os meios de comunicação também noticiaram extensivamente o episódio, chamando-o de "falso", "questionável" e "ridículo"[247]

Inicialmente, a Discovery não viu a repercussão negativa como problema, já que havia batido recordes de audiência[248] Um ano depois, em 2014, em um episódio semelhante, outra história sobre um “tubarão assassino", Shark of Darkness, foi ao ar Um representante da empresa justificou a decisão de veicular conteúdo enganoso, afirmando: “As histórias estão aí há anos e com 95% do oceano inexplorado, quem sabe?"[249]

Essa escolha pode ser melhor compreendida nas palavras do produtor Craig Pillan á Forbes sobre o “barulho” causado pelo programa:

Colocamos um aviso de três segundos e por duas horas reunimos todo mundo. Foi um projeto divertido. Como produtores, tivemos que pensar. 'Como podemos fazer isso com uma reviravolta rápida e fazer muito barulho?*. Independentemente do que as pessoas digam e pensem, fizemos muito barulho. Isso criou buzz (muita discussão sobre o assunto]. Chegou à CNN, Jon Stewart e em todos os talk shows noturnos. O show atingiu seu objetivo. Foi o programa Shark Week com maior audiência em 26 anos de história[250]

Entre os anos de 2012 e 2014, o conglomerado de mídia também ganhou destaque por meio da repercussão desfavorável de outros dois programas. Não apenas o canal Discovery apelou para programas sensacionalistas o Animal Planei foi lançado, inicialmente, como um canal com enfoque em conservação ambiental[251]. Em 2013, entretanto, foi ao ar um documentário, baseado em conhecimento “científico”, intitulado Mermaid: The body found. Na ocasião, o canal quebrou recordes e alcançou a maior audiência de sua história ao atingir 3,6 milhões de espectadores O programa sugeriu que as sereias eram reais, apresentando atores como cientistas, imagens geradas por computador como evidências e até mesmo usando o nome de instituições governamentais para legitimar as afirmações[252] Além disso, eles optaram por exibir apenas um breve aviso nos créditos do programa O impacto foi tão significativo, principalmente em crianças, que a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) fez um anúncio oficial sobre o incidente: “Nenhuma evidência de humanoides aquáticos jamais foi encontrada’’[253].

No entanto, em 2014, a Discovery Channel insistiu na produção de outro episódio sensacionalista e exibiu um especial de domingo chamado Eaten Alive. Nesse programa, o apresentador “jurou” que iria ser comido por uma cobra anaconda gigante na floresta tropical do Peru. A produção construiu um “traje á prova de cobras” que permitiría ao homem gravar a ação sem riscos[254] No entanto, após duas horas de tentativas, a atividade foi interrompida devido ao aumento da dor que o homem dizia sentir[255]

Mais uma vez, o programa atingiu recordes de audiência para o canal, com 4,1 milhões de espectadores. Foi a “transmissão com melhor audiência de 2014"[256] para a rede entre homens de 18 e 34 anos. Além disso, Eaten Alive foi classificado como o programa de “natureza de maior audiência” da empresa desde 2010[257] O especial também foi intensamente criticado pelos meios de comunicação, que apontaram que o programa “foi um tiro pela culatra espetacular na fronte das relações públicas”, com a posterior decepção dos espectadores e das organizações de preservação em relação ao programa[258]

Em síntese, nos anos anteriores à estreia de Manhunt, a empresa se afastou de uma programação percebida como de qualidade e confiável A marca Discovery foi prejudicada com a repercussão dessas práticas. Ainda mais, esse momento crítico foi acompanhado pela popularização do serviço de streaming Netflix, acirrando a competição por espectadores.

3.2.2 A disputa com a Netflix: a tentativa da Discovery de se adaptar ao mercado

Uma executiva da Discovery foi indagada sobre se a reação negativa á estratégia sensacionalista preocupava o grupo de TV a cabo Ela não reconheceu esse problema, defendendo as escolhas de programação por seus recordes de audiência: “o público votou com seus controles remotos”[259]. No entanto, em 2014, ficou claro que essa estratégia foi efêmera em seu sucesso Naquele ano, o conglomerada Disco very reportou queda na audiência de todos os seus canais, inclusive durante o verão, quando Shark Week foi ao ar[260] Esse desempenho mais fraco fez com que a Discovery reduzisse sua projeção de lucros com receita de publicidade Além disso, as ações da empresa caíram 24% em 2014 e continuaram com um desempenho ruim em 2015, atingindo baixa de 40%[261]

A reação dos fãs explica apenas parcialmente esses resultados. Nesse período, a indústria televisiva passou por profundas mudanças na economia, tecnologia, distribuição e criação[262]. Em 2015, por exemplo, 17% dos domicílios nos Estados Unidos abandonaram ou nunca assinaram planos de TV a cabo[263] Durante aquele ano, o custo de uma assinatura da Netflix era de US$ 8,99 por mês[264] Em contraste, o pacote básico de canais, modelo do qual a Discovery tradicional mente se beneficiou, custava em média US$ 92 Além disso, entre 2007 e 2015, o número de residências sem aparelho televisivo mais que dobrou - de 2 milhões para 5 milhões principalmente na faixa demográfica com menos de 35 anos[265] Não é preciso insistirmos que isso se deu em razão da internet e do uso de computadores. Essas perspectivas negativas desencadearam um movimento especulativo sobre as ações da mídia tradicional, levando sócios a venderem US$ 50 bilhões em participação[266] Esse fenômeno, conhecido como cord-cutting (cortar os cabos), trouxe incertezas sobre o futuro do setor e mudanças nos parâmetros de financiamento.

Por outro lado, muitos pensaram que o futuro parecia mais promissor para a Netflix Seu modelo disruptive foi associado a um alto potencial de crescimento Entre 2010 e 2015, ao contrário da indústria de telecomunicações, as ações da Netflix dispararam, estando entre as que tiveram maior valorização na bolsa de valores Em 2018, a capitalização de mercado do serviço de streaming atingiu 150 bilhões de dólares, superando a Disney e tomando-se a empresa de mídia mais valiosa do mundo[267]. Hoje, a companhia é responsável por um terço do tráfego de internet nos Estados Unidos

Além disso, o serviço de streaming tomou-se reconhecido pelo conteúdo de alta qualidade através dos Netflix Originals?[268]. Isso é ilustrado em House of Cards, em que o binge-watching (no Brasil, chamamos de "maratonar” uma série) foi empregado pela primeira vez, proporcionando ao público um novo modo de interagir com programações e séries. Juntamente com essa técnica imersiva, a série complexificou narrativas de televisão ao comentar e orientar as experiências dos espectadores[269][270] Para a primeira e segunda temporadas do programa, a empresa gastou 100 milhões de dólares para produzi-las A série pode ser entendida como um divisor de águas, ficando clara a ambição da Netflix em ser mais do que um “armazém digital”[271].

Com o sucesso de House of Cards, o apetite da Netflix por crescimento aumentou, ameaçando os principais mercados da Discovery Visando ampliar seu catálogo de documentários, adquiriu The Square (2013), sobre a Revolução Egípcia, e Mitt (2014), a respeito da fracassada campanha presidencial do republicano Mitt Romney[272] Ao demonstrar seu crescente interesse pelo formato, o serviço de streaming estreou o original e polêmico Making a Murderer (2015-2018) em razão das criticas contundentes ao sistema judiciário norte-americano. De acordo com Sudeep Sharma, a Netflix tornou os documentários de longa-metragem centrais para sua estratégia de crescimento, com a intenção de mostrar valor e tomar-se distinta da concorrência, “se aproximando do cinema de qualidade e distinguindo seu catálogo de formas mais mundanas da programação televisiva[273]

No final de 2014 e início de 2015, com o aumento da concorrência e as mudanças nas práticas do setor, a Discovery revisou suas estratégias. O grupo buscou se adaptar, focando em uma programação “mais inteligente” e “distinta” Assim, se distanciou dos reality shows e documentários sensacionalistas, prometendo voltar ás suas raízes de “defesa do meio ambiente" e “documentários qualidade” Nesse plano de recuperar o prestígio e a antiga marca da empresa, a Discovery esperava desembolsar uma grande soma de capital[274]

O CEO, David Zaslav, foi questionado sobre se o público tradicional da Discovery assistiría esse novo conteúdo e reconhecería o valor da programação Ele respondeu afirmando: “Inteligente é o novo sexy” E acrescentou: “Vamos esquecer a audiência neste momento e vamos perseguir o que a marca tem de melhor”[275]. Em sua resposta, Zaslav sugeriu reconhecer a mudança de paradigma da indústria A empresa de TV a cabo depende fortemente de publicidade, no entanto, as profundas mudanças na produção, distribuição, tecnologia e financiamento obrigaram o grupo a traçar novas estratégias

Na esperança, do setor, de sobreviver, a Discovery buscou desenvolver uma programação de qualidade e inteligente. Eles acreditavam que os espectadores reconheceríam valor e estariam mais inclinados a manter suas assinaturas de TV a cabo, potencialmente desembolsando mais dinheiro por esse tipo de conteúdo Nesse contexto, Zaslav anunciou a contratação de Rich Ross, ex-executivo do Disney Channels Worldwide, para ser presidente da Discovery[276] Tal admissão foi seguida pela contratação de John Goldwyn (Dexter, 2006 - 2013) como produtor executivo de programação roteirizada, supervisionando os esforços do conglomerado de mídia para expandir nessa direção[277] Ele foi outro membro chave que trabalhou na produção de Manhunt, mediando as demandas dos acionistas controladores, principalmente na questão do orçamento, junto a Sodroski e Yaitanes[278].

O primeiro discurso público de John Ross, como presidente da Discovery, deixou clara a estratégia de adaptação da empresa e deu indícios da produção de Manhunt Nesse sentido, em sua fala na Television Critics Association, ele expôs sua visão para o futuro do grupo A prioridade era entrar no mercado de programação roteirizada Ross revelou estar em negociação para desenvolver uma “minissérie com temática histórica, com duração entre quatro e dez horas” Além disso, disse que a palavra-chave que definiría a próxima programação seria "autenticidade”[279]

Ao afirmar que a Discovery estava envolvida em uma intensa disputa, ou luta "mão a mão" com a Netflix, ele reconheceu a ameaça ao futuro do conglomerado de mídia Ross acreditava que, para travar essa batalha, era preciso recuperar o “brilho” e o “prestígio" do principal canal da empresa, Discovery Channel, sem mais espetáculos com cobras ou tubarões fictícios, mas, sim, com uma programação de TV de qualidade[280].

A Netflix foi, assim, um duro golpe para a TV aberta e para a TV por assinatura Com o surgimento de outros serviços de streaming, a tendência foi de crescimento no setor, fazendo com que a TV tradicional corresse para tentar manter-se no mercado Aliás, esse fenômeno é presente atualmente Apesar de todo o esforço, a série Manhunt, como outras, acabou no serviço de streaming com o qual a Discovery tanto concorreu

3.3 A produção de Manhunt: Unabomber

Em nossa entrevista com o diretor da série, perguntamos se a Discovery tinha algum requisito sobre a narrativa que foi construída Segundo Greg Yaitanes, a empresa desejava que seus espectadores se sentissem mais espertos após assistir um episódio “A única diretiva que recebemos foi fazer com que todos se sentissem inteligentes”[281]. O método de investigação atípico foi compatível com esse objetivo

Para Yaitanes, a série abordou conceitos de linguagem que são complexos e densos Dessa forma, houve uma preocupação com como transmitir esse conteúdo para uma audiência majorita riam ente de homens brancos da classe trabalhadora não familiarizada com Linguística. Com o objetivo de tomar o conteúdo mais acessível, o diretor assistiu horas do que classificou como genius porn, filmes em que "pessoas muito inteligentes explicam [algo] para pessoas não tão inteligentes”.

Outro elemento que deixou mais complexa a narrativa foi o uso de diferentes linhas do tempo: os eventos da infância e adolescência do terrorista, os que ocorreram em 1995, último ano da investigação do caso, e os que se desenvolveram em 1997, durante o julgamento de Kaczynski Ao optar por uma narrativa não linear, alternando entre os períodos através do uso extensivo de flashbacks, foi possível elaborar e detalhar a trama[282] Por exemplo, entendemos melhor como o manifesto do Unabomber, gradativa mente, impactou a vida pessoal do agente do FBI

Nesse sentido, o espelhamento de Fitzgerald e Kaczynski e a voz over utilizada também foram estratégias que proveram nuances na narrativa. Com o objetivo de engajar o espectador, as fronteiras entre terrorista e policial, herói e vilão, foram borradas Segundo Sodroski, isso foi um elemento central de seu roteiro que agradou os executivos da Discovery. “Este foi para mim um dos elementos fundamentais, quando apresentei o programa [para a Discovery] pela primeira vez Uma das coisas que disse foi sobre como, para capturar o Unabomber, você deve se tomar o Unabomber"[283] Mittell aponta como esses dispositivos da narrativa, voz over e alteração da cronologia por meio de diversas linhas do tempo (analepse), podem ser utilizados para diferenciar as séries com narrativas complexas e de qualidade[284].

Ao utilizar essas técnicas, a produção incorreu em riscos Diferentemente de serviços de streaming, por ser exibida originalmente em um canal de TV a cabo, a audiência tem menos recursos para controlar a reprodução do vídeo Em outras palavras, uma pequena distração ou mal-entendido sobre a trama pode ser o suficiente para que se perca elementos fundamentais para compreender a narrativa[285] Além disso, cada episódio foi lançado semanalmente Em consequência, perder uma semana ou esquecer detalhes do episódio anterior pode desencorajar o espectador a continuar assistindo o programa.

Para Sodroski, um dos maiores desafios ao produzir Manhunt foi escrever cada episódio em seis atos. Em outras palavras, a Discovery demandou seis interrupções para intervalos comerciais A trama precisou ser construída de forma que, em cada segmento, houvesse um pico de suspense ao final dos atos. Dessa forma, o desafio era manter o espectador com os olhos na tela, assistindo longos comerciais, sem mudar de canal ou desligar o aparelho Foi nessa tarefa que o roteirista e sua equipe dedicaram mais tempo no processo de escrita do roteiro[286]

É interessante notarmos como Manhunt foi, de certa forma, adaptada ao formato mais comercial da Discovery. Usualmente, essas séries roteirizadas são produzidas para serviços de streaming ou canais de TV a cabo premium que não dependem diretamente dos intervalos comerciais e anúncios publicitários, visto que sua principal fonte é a assinatura paga por seus espectadores[287]

Outra prioridade da produção foi a intenção de criar um conteúdo considerado como autêntico Para Yaitanes, diferente mente do que considera o roteirista Tony Gittleson, Manhunt é “absolutamente fidedigna” ao recontar os eventos do caso Unabomber[288] Sua equipe conduziu horas de entrevistas com Fitzgerald, que manteve consigo seis mil páginas da investigação do caso Contar com a participação de um agente aposentado do FBI legitimou a série como real. Além disso, eles se esforçaram para fazer pesquisas sobre o caso, atendo-se aos períodos que a narrativa abordou através de entrevistas com jornalistas que acompanharam o caso e buscas por documentos, imagens e objetos da época Como membra da produção, fora contratada uma pesquisadora de arquivo responsável por encontrar esses materiais de época

No museu em Washington, Yaitanes tomou nota de todas as medidas e texturas da casa de troncos de Kaczynski para ser recriada de forma idêntica em estúdio. Esse esforço incluiu a reprodução dos objetos encontrados em seu interior, que foram catalogados e fotografados por Fitzgerald em 1996 (FIGURAS 24, 25 e 26) Assim, podemos ver a importância e dimensão que esse projeto tomou.

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FIGURAS 24 E 25 Nessas fotografias, fica claro que a produção se esforçou para replicar esses materiais. Ao lado dos objetos estão as fotos do FBI tiradas da cabana de Theodore Kaczynski
[289]

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FIGURA 26 Em cima dos objetos estão as fotos dos materiais originas, abaixo, os utilizados no cenário
[290]

Yaitanes acredita que, antes de Manhunt, a história real do Unabomber não havia sido contada com fidedignidade Ele relembrou que, nos anos 1990, o manifesto foi qualificado pela imprensa como produto das divagações de um homem insano. Entretanto, acredita que, se o texto tivesse sido publicado em outra circunstância, teria tido uma recepção diferente Para o diretor, os acontecimentos da época mereciam ser contados com autenticidade. Assim, justificou sua escolha de privilegiar o que considerou como fato.

Contudo, em nossa entrevista, notamos que Sodroski tinha um objetivo distinto. O roteirista buscou humanizar a trama com uma história interessante e convincente que “não é tão sobre os fatos, mas sim sobre o mundo e as pessoas por trás dos fatos”[291].

Seu objetivo era produzir uma narrativa sobre como um personagem, dentro de uma organização maior, se torna o Unabomber Então, com essa estrutura definida, o roteirista pensou nos fatos que poderiam enriquecer a narrativa:

essa era a história que eu estava tentando contar emocionalmente na série. Eu tive a vantagem de ter todos esses eventos reais para utilizar e estruturar, para dar combustível para o drama e aquela textura da vida real, que eu poderia usar para desenhar. Então acho que é para dizer que o drama veio primeiro e a parte documental em segundo lugar. (...) Não sei se você conhece essa distinção entre histoire e discours. Acho que é Levi Strauss, mas é parte do pensamento acadêmico sobre como contar histórias. Existe essa ideia histoire, que é basicamente o número infinito de eventos com o qual a nossa realidade é composta, e há o discours, que é quando contamos uma história; mesmo uma história verdadeira, estamos puxando elementos individuais do fluxo infinito do tempo para contar a história. E, na verdade, o mesmo fluxo de tempo pode contar um número infinito de histórias, porque você pode simplesmente puxar, dependendo do que puxar, certo?[292]

Dessa forma, podemos ver como o processo de produção da Manhunt é complexo Além do projeto do diretor ser diferente da concepção do roteirista, a série é fruto da contradição entre o cuidado para reproduzir e informar a “realidade” dos fatos e, ao mesmo tempo, para entreter seu público com uma história provocativa. Por outro lado, temos os executivos da Discovery interessados em recuperar o prestígio da companhia e competir com novas séries sofisticadas. A empresa buscou recuperar sua audiência com um conteúdo que poderia ser entendido como fidedigno e legítimo A atenção aos detalhes na cinematografia, a participação de agentes aposentados do FBI e um roteiro complexo que perpassa as nuances das tradições estadunidenses foram entendidas como demandas de seu público.

3.4 Interpretações e disputas pela narrativa do caso Unabomber

3.4.1 Contestando a narrativa: os agentes aposentados do FBI

James Fitzgerald foi, sem dúvida, a personalidade mais ativa na mídia após a produção de Manhunt Ele relatou sua participação no caso Unabomber em um TED Talks, sendo apresentado como pioneiro de um método investigative O agente aposentado também concedeu diversas entrevistas sobre a série para podcasts, desde os mais profissionais, como Best Case Worst Case, até canais amadores no Youtubé[293]

Para além dessas plataformas, Fitzgerald tem seu website pessoal, no qual posta conteúdos próprios relacionados à série, por exemplo, o audiolivro de oito partes intitulado The Fitz Files - Manhunt: Unabomber, em que entrevistou produtores e fãs do programa de televisão Em cada segmento, ele iniciou com um quadro chamado “Os cinco fatos de Fitz versus Ficção", comparando elementos da série com o que realmente aconteceu[294] Na segunda parte, entrevistou trabalhadores da série e outras pessoas responsáveis por seu sucesso[295] Em outras palavras, Fitzgerald soube se promover depois que se envolveu em relatar a sua participação no caso.

No entanto, Fitzgerald não foi o único policial que clamou por créditos pela prisão de Kaczynski. O agente aposentado Greg Stejskal, que também participou da investigação, escreveu três longos artigos em um blog, questionando a narrativa de Manhunt e o seu protagonista. Ele afirma que a série diminuiu a participação da agência de segurança e seus agentes que, durante anos, trabalharam no caso Para ele, a atuação de Fitzgerald na prisão do Unabomber foi irrelevante, tendo contribuído pouco na força tarefa e em instâncias decisórias Ainda mais, nessa versão de Stejskal, nenhuma técnica de análise textual foi requerida para estabelecer Kaczynski como autor do manifesto Todos os policiais, após uma leitura dos textos, teriam concordado que o matemático era o terrorista[296]

Fitzgerald, então, escreveu um texto em reposta com quinze páginas no seu blog e anexou-o como um capitulo bônus de seu livro: “Bônus Capítulo 20B - A construção de

Manhunt: Unabomber e a Desconstrução' de alguns agentes aposentados do FBI”[297] Fitzgerald, na série, é, a seu ver, uma personagem “composta”. Em outras palavras, representaria uma amálgama de vários agentes do FBI que participaram da investigação Argumentou, também, a importância da análise linguística para o caso e da relevância de sua participação na força-tarefa[298]

Em nossa entrevista, Fitzgerald apontou que vendeu sua história de vida, referente ao caso Unabomber, para a Discovery. Ressaltou que, durante a produção, atuou apenas como consultor, tendo um poder limitado sobre como a narrativa era delineada Dessa forma, ele relacionou a repercussão da série com as críticas feitas pelos agentes aposentados, acrescentando que os produtores tiveram espaço para “licença dramática" Todavia, sente-se orgulhoso do programa e acredita que seu objetivo fora atingido: mostrar o FBI de forma positiva em um dos casos mais complexos do século XX[299].

A recepção na mídia foi complicada, eu não planejei isso. Quero dizer, meu contrato com eles... é claro que fui pago pelo meu tempo e consultoria para a série, basicamente contando a eles minha participação no caso. Apenas o caso Unabomber, nada mais. Eu ainda posso vender outras partes da história de minha vida se eu escolher [...] Claro que houve partes na série que não aconteceram na vida real. Havia um agente aposentado do FBI, eu nem conhecia esse homem, na verdade, alguns agentes, que estavam transtornados por causa disso. O cara escreveu um artigo em um blog que ninguém lê, mas eu rebatí isso e meio que fiz ele parecer tolo a longo prazo. Porque meu livro diz tudo, meu livro mostra que foi um trabalho de equipe, foi assim que fizemos, eu fiz parte dessa equipe, fiquei muito feliz de estar lá, fiquei responsável pela parte da linguagem. Algumas pessoas não acreditaram em mim, que a linguagem podería realmente ajudar a resolver um caso [...] então, sim, fui elogiado por alguns, criticado por um ou dois. É claro que sei que a realidade está em algum lugar no meio disso. [A série] não atingiu o meu ego. Relativamente, ele está onde sempre esteve, em linha plana. Mas fiquei honrado por algumas das coisas que as pessoas disseram e algumas das coisas que as pessoas escreveram e algumas das entrevistas que fiz. Mas eu fazia apenas parte de uma equipe, meu objetivo era fazer o FBI parecer bem. Por volta de 2015, 2016 e 2017, o FBI, especialmente a alta administração, estava sob alguns ataques, mais sobre uma forma política, sem entrar nos pormenores. Fiquei feliz em vir e dizer “aqui está como o FBI funcionou em um dos maiores casos do século 20", no qual você sabe que várias pessoas foram mortas, dezenas ficaram gravemente feridas, e nós permanecemos em equipe[300]

Em 2020, Stejskal participou da minissérie documental Unabomber In His Own Words. Com quatro episódios, foi exibida originalmente na Discovery Channel Canada e distribuída em streaming pela Netflix[301] Ele aparece como uma figura central para a investigação, sendo um agente do FBI de Ann Arbor, cidade do maior campus da Universidade de Michigan, onde Kaczynski fez seu doutoramento[302] O programa apresenta depoimentos de autoridades, policiais, promotores de justiça e de pessoas próximas a Kaczynski, como familiares, colegas e vizinhos. Em adição, tem como plano de fundo excertos de uma gravação em áudio, fruto de entrevista com o terrorista na prisão de segurança máxima[303].

Nesse sentido, acreditamos que a discussão por “fidedignidade” da investigação do Unabomber pode ser entendida como uma disputa por autoridade Por projetarem uma legitimidade e sensação de real, agentes aposentados do FBI são convidados para participar da criação de produtos culturais O que se mostra, á primeira vista, é a quantidade de interesses e conflitos envolvidos

Existe uma disputa pela memória, pelo merecimento do crédito e pela resolução do caso mais longo e custoso da história do FBI. Além disso, há também uma considerável relevância pecuniária, com participações em programas de televisão, livros e cursos Por exemplo, em anos recentes, Fitzgerald foi, recorrentemente, aos programas Fox News, sendo apresentado como o agente que “teve papel crucial na investigação e prisão do Unabomber”[304] A partir dessa autoridade, o agente é entrevistado como especialista para questões atuais (FIGURA 27)

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FIGURA 27 - James Fitzgerald no programa FoxNews (2018). Ao fundo, o cartaz de Manhunt: Unabomber
[305]

3.4.2 Cartas para Kaczynski

Em nossa pesquisa, tivemos a oportunidade de examinar as correspondências de Kaczynski no arquivo da Joseph Labadie Collection (Universidade de Michigan)[306]. O objetivo da instituição é resguardar a história dos movimentos sociais e das comunidades marginalizadas politicamente Segundo a curadora Julie Herrada, “essa é uma coleção que documenta a história vista de baixo"[307] Dessa forma, Herrada argumenta que um dos motivos para preservar os objetos do Unabomber é sua importância dentro de uma dissidência política nos Estados Unidos, pois “Kaczynski está inserido dentro da tradição daqueles americanos que têm sido vocais em sua rejeição á tecnologia e á modernidade em suas vidas, de Thoreau a Scott Nearing”[308]

A instituição, com a contribuição de Kaczynski, preserva seus documentos, como manuscritos, registros jurídicos, materiais de pesquisa, anotações, cartas, filmes e publicações. Notamos que ele utiliza o arquivo para fazer uma mediação de sua mensagem, indicando, para seus remetentes, a leitura de seus manuscritos que estão disponíveis no local.

Nessa seção, exploramos apenas as correspondências datadas após a exibição da série, entre 2017 e 2018, recebidas pelo Unabomber na prisão de segurança máxima em Florence, Colorado Trabalhamos, mais especificamente, com aquelas que trataram sobre Manhunt, enviadas por espectadores, membros da produção e jornalistas Kaczynski não enviou resposta a todos os seus remetentes. Deixou nas cartas, contudo, pequenas anotações, à caneta, nas quais expressou suas opiniões. Ainda mais, a fim de proteger a privacidade de seus autores, o arquivo proveu a identidade somente de pessoas públicas que entraram em contato com o terrorista.

Como abordado no segundo capítulo, Manhunt sugere que a personagem Kaczynski se radicaliza após ser torturado e usado como cobaia em Harvard como parte do projeto MKUItra na década de 1950 Assim, em novembro de 2017, três meses após a estreia da série, o Unabomber recebeu, na prisão, uma correspondência que fez referência a esse evento

A remetente se identificou apenas com o nome Jennifer No texto, expressou sua tristeza sobre “todas as coisas terríveis” que teriam acontecido na juventude do terrorista A autora acredita que ele foi vitima de uma “injustiça” e revelou pesar sobre as supostas violências sofridas durante sua vida: “Eu gostaria que a vida pudesse ter sido diferente para você e as pessoas que você machucou”[309]

Kaczynski não enviou uma resposta para Jennifer No entanto, sublinhou parte do texto e escreveu uma pequena nota na lateral: “Besteira da série da Discovery". É interessante notar a tentativa de exercer controle sobre a narrativa, mesmo em algo aparentemente inofensivo Todavia, ele estava ciente de que, ao enviar sua carta para a Universidade de Michigan, teria possíveis leitores desse documento Dessa forma, garantiu que sua rejeição à série fosse registrada no arquivo (FIGURA 28)

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FIGURA 28 - Carta enviada a Theodore Kaczynski, autoria de 'Jennifer". Ann Arbor. Joseph A. Labadie Collection - Ted Kaczynski Correspondences (manuscrito) Caixa 97. pasta 128-1294

Andrew Kaczynski, jornalista da CNN, sem relação de parentesco com o terrorista, enviou uma carta para o Unabomber em dezembro de 2017 Nessa correspondência, perguntou se ele estava ciente da série na Discovery e sua opinião sobre a narrativa. O remetente descreveu com detalhes o episódio seis (Ted) e indagou sobre sua participação na pesquisa cientifica: “O episódio que se concentra inteiramente em você parece colocar seu tempo em Harvard como um momento importante em sua vida e identifica os experimentos de Henry Murray como a raiz de sua ideologia"[310] Por fim, salientou os elementos principais da trama, destacando que “o arco principal se concentra na falha dos métodos tradicionais e no campo novo e experimental da linguística forense, que provou ser o elemento crucial para sua captura”[311].

O Unabomber respondeu á carta do jornalista No parágrafo inicial, sugeriu a leitura de seu livro, indicando que poderia ser de seu interesse. Em seguida, disse que não assistiu a série Afirma, contudo, com base no depoimento de outros jornalistas, que Manhunt não é fidedigna aos fatos Ele se queixa sobre ter recebido diversas cartas que expressaram pesar sobre os eventos traumáticos representados na série “As pessoas me escrevem para me dizer o quanto sentem pena de mim porque fui torturado’ repetidas vezes pelo grupo de Murray como parte de um experimento MK Ultra’ supostamente realizado pela CIA”[312]. Ele admitiu ter sido parte dos experimentos. Todavia, negou o efeito de longo prazo em sua saúde mental, afirmando que “houve apenas uma experiência desagradável no estudo de Murray que durou cerca de meia hora e não poderia ser razoavelmente descrita como traumática’”[313] Por fim, Kaczynski recomendou que o jornalista consultasse o artigo crítico á série, escrito pelo agente aposentado Greg Stejskal, crítico de Fitzgerald, e o arquivo em Ann Arbor, onde estão localizadas outras correspondências sobre o projeto MKUttra (FIGURA 29).

É importante notarmos que, entre sua prisão e julgamento, nos anos de 1996 e 1997, Kaczynski foi um dos assuntos centrais da mídia norte-americana Segundo Sheptoski, os grandes jomais buscaram “psicologizart o terrorista para entender os motivos de sua radicalização Os termos recorrentes mais utilizados para se referir a ele foram: “paranoico”, “esquizofrênico", “sociopata”, “doente mental" e “perturbado”. Ele foi compreendido a partir da ideia de anormalidade, excluindo-se o fato de ser também um homem politicamente motivado Nessa interpretação, o uso de termos médicos para fazer menção ao Unabomber resultou na neutralização “de suas críticas à sociedade industrial"[314]

Compreendemos que Kaczynski criticou a série Manhunt para se distanciar dos experimentos conduzidos em Harvard durante sua formação acadêmica Para parte da audiência da série, como representado pelas cartas, esse evento relacionou os ataques terroristas a supostos transtornos mentais. Kaczynski, na prisão, buscou minimizar sua participação no estudo de Murray. Assim, o público entendería como política a sua ação, colocando, em primeiro plano, as suas idéias expressas no manifesto.

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FIGURA 29 - Reposta de Theodore Kaczynski à correspondência do Jornalista Andrew Kaczynski. Ann Arbor Joseph A. Labadie Collection - Ted Kaczynski Correspondences (mant/smto) Caixa 97. pasta 1350

Em fevereiro de 2017, quando o roteiro ainda mantinha seu título original, “Manifesto", o engenheiro de vídeo, David Presley, enviou uma carta a Kaczynski Ele se identificou como um membro da produção, sintetizando, em poucas palavras, a narrativa da série: "Estou trabalhando no projeto Manifesto para a Discovery Channel, que é sobre você e os esforços do FBI para capturá-lo”[315]

O motivo que levou Presley a estabelecer correspondência com Kaczynski foi expresso nas primeiras linhas "Trabalhar na recriação de cenas de morte e destruição causadas por você me levou a ler o seu manifesto"[316] Ele também formulou uma série de perguntas para entender as idéias do terrorista bem como a racionalidade por trás da escolha de seus alvos.

Em que ponto o homem primitivo esteve em harmonia com a natureza? [...] 1a. Como você imagina que seria o mundo após o colapso da sociedade industrial? [...] 2. Por que você escolheu alvos frágeis? Se o seu objetivo era iniciar uma revolução, desencadeando a queda do sistema industrial, por que bombardear o dono da loja de computadores ou professores universitários? Uma rede de transmissão elétrica, uma represa, pontes rodoviárias, sistemas ferroviários., todos esses parecem alvos que colocariam pressão sobre o sistema, sem a necessidade de matar ou mutilar[317]

Kaczynski escreveu uma resposta, não enviada, ao membro da produção Em seu texto, após recomendar as leituras de seus livros e o manuscrito Truth vs Lies, adotou uma posição hostil ao desqualificar seu remetente: “você me parece extremamente inocente [...] Homem, use a sua cabeça!” Dessa forma, concluiu a carta questionando qual seria o objetivo da Discovery ao produzir uma série sobre sua vida, décadas após sua prisão e o julgamento do seu caso Novamente, Kaczynski registrava no arquivo suas críticas e disputava a narrativa do caso com a série Manhunt (FIGURA 30).

Agora, eu tenho uma pergunta para você. Você disse que está trabalhando em um projeto para a Discovery Channel sobre mim e “o esforço do FBI em me capturar". Meus atentados terminaram há 22 anos, meu julgamento foi concluído há 19 anos. No entanto, durante todo esse tempo, repetidamente, ad nauseam, a mídia continua apresentando esses programas sobre mim, por quê?[318]

Segundo a cura do ra do arquivo, desde sua prisão, Kaczynski adotou, em suas correspondências, um desdém para com qualquer pessoa “conectada á mídia [ ], ignorando ou respondendo com sarcasmo e até mesmo de forma hostil” Essa atitude está em contraste com sua postura em outras cartas, nas quais seria “amigável, simpático, engraçado e ás vezes até charmoso”[319]

Sua desconfiança quanto aos meios de comunicação é notória entre um público mais amplo, tal como observado em uma carta datada de 2018, enviada por um grupo de jovens. Na página de rosto desse documento, eles desejaram “boas festas” para o final de ano de Kaczynski Acompanhados dessa saudação, escreveram pequenos depoimentos e anexaram imagens da natureza. Alguns, jovens brancos, se identificaram por meio de fotografias.

No verso da correspondência, um desses indivíduos forneceu maiores detalhes e se apresentou como “representante". Ele se referiu a Kaczynski como “Ted” e utilizou uma linguagem mais pessoal Afirmou que o grupo era politicamente diverso, todos eram jovens e teriam estabelecido contato, entre si, pela internet, pois compartilhavam uma admiração pelas idéias do Unabomber Mais importante, o remetente aponta que alguns desses membros conheceram Kaczynski após assistirem um programa de televisão que o representou de forma favorável[320]

Olá, Ted [...] Eu me voluntariei no grupo para ser o remetente do cartão-postal [...] esta carta surgiu como uma ideia do meu amigo para perguntar ás pessoas na internet se elas gostariam de enviar uma saudação [a você]. Isso podería ser feito anonimamente ou diretamente, mas todas as saudações são de jovens. É uma mistura de direitistas partidários de Trump, primitivistas, pessoas que viram um programa de televisão sobre você (que é bem positivo sobre você e surpreendentemente o representa de uma maneira boa), ocultistas, anarquistas pós-esquerda (um novo tipo de anarquista que valoriza mais a liberdade do que o esquerdismo)[321]

É importante reiterarmos que Kaczynski, mesmo com as limitações de uma prisão de segurança máxima, buscou estabelecer um controle sobre a narrativa. Ele tentou convencer seu leitor, com suas correspondências no arquivo, que Manhunt não era fidedigna aos fatos Ainda mais, apesar de não ter respondido o membro da produção da série, buscou atacar a inteligência do remetente. Assim, o principal ponto que tentou desconstruir sobre a narrativa foi sobre sua representação como cobaia no experimento MKUItra

Entretanto, como podemos ver na carta desses jovens, Manhunt é um produto cultural complexo, podendo ser interpretada de diferentes formas Esse grupo tem uma percepção positiva acerca de como Kaczynski e suas idéias foram representados no programa, o qual, inclusive, os encorajou a procurar mais informações sobre o Unabomber. Apesar de não terem citado, literalmente, o título da série, nosso argumento ganha força com base na cobertura de jornalistas. Como vemos no próximo item, muitos críticos apontaram como o programa de televisão introduziu a figura do terrorista para uma geração mais jovem nas redes sociais

O caso Unabomber mobilizou muitas pessoas antes e depois da investigação, antes e depois do julgamento. A recepção do caso pode ser notada nos jovens (provavelmente, de extrema direita) acima Eles interpretaram e apreenderam o que os interessava Mais do que isso, houve, e há, disputa pela nanativa do caso que mobilizou agentes e ex-agentes do FBI, produtores da série e o próprio Theodore Kaczynski, provavelmente o maior interessado em ter a história sob seu controle.

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FIGURA 30 - Correspondência de David Presley, membro da produção de Manhunt, com Theodore Kaczynski. Ann Arbor. Joseph A. Labadie Collection — Ted Kaczynski Correspondences (manuscrito) Caixa 98. Pasta 1399.0
3.4.3 Manhunt e a recuperação de Theodore Kaczynski nas redes sociais

A estreia de Manhunt catalisou a criação de uma subculture online. Os membros desse grupo, presentes nas redes sociais, fazem parte da Pine Tree Community. Eles utilizam uma imagem (ou emoji) de uma árvore de pinheiro ao lado de seus nomes Um dos fundadores do grupo, que se identificou como “Rin”, relatou que conhecia os escritos do Unabomber anteriormente á série Ele organizou um acervo online de seus manuscritos e correspondências da prisão[322]

Contudo, em 2018, notando o crescente interesse pela figura de Kaczynski nas redes, Rin articulou essas pessoas em uma comunidade. Ele formou um clube de leitura radical, sugerindo obras de literatura política É importante notarmos que essas pessoas são muito jovens e não possuem memória do caso dos anos 1990. Em uma entrevista, esse líder relatou como a série foi central pare introduzir as idéias do Unabomber a esse público:

‘Manhunt: Unabomber proveu o terreno fértil perfeito para introduzir a ideologia às pessoas adequadas", disse Rin [à reportagem], “As pessoas atraídas pelas idéias começaram a interagir umas com as outras e formaram uma base social. Elas foram capazes de formar uma comunidade e lentamente desenvolver uma cultura. Isso é o que eventualmente se tomou o Prim Twitter [O Twitter primitivista, sendo outro nome para a comunidade Pine Tree"][323]

O jornalista Hanrahan, que investigou a ressurgência da figura de Kaczynski nas redes, criticou a série por ser 'factualmente imprecisa", estabelecendo um paralelo entre o personagem Fitzgerald e os membros da comunidade: todos teriam sido atraídos pela mensagem de dissidência do Unabomber Apesar de inicialmente fazer parte de grupos políticos distintos, estariam unidos em abraçar o colapso da civilização e o amor á natureza[324] Como o agente Fitz em Manhunt, os novos seguidores de Kaczynski são atraídos por suas teorias. Há centenas de homens jovens buscando se reconectar com a natureza, como um ato de rebelião contra o estado da civilização ocidental[325]

À medida que o grupo tomou maiores proporções, a comunidade se transformou, se afastando do que seu fundador idealizara Inicialmente buscando direcionar o grupo para um eco-anarquismo, Rin rapidamente notou que membros estavam mobilizando ideologias de extrema direita e “flertando com o fascismo". Nesse sentido, passavam horas criando memes provocativos que utilizam a imagem de Kaczynski, a quem se referem como Uncle Ted[326].

De forma semelhante, como parte de uma série intitulada The Decade of Hate, o grupo de mídia Vice produziu o episódio White Supremacy Meets Eco-Warriors[327] (FIGURA 31). Nesse programa de 2022, é argumentado que, nos Estados Unidos, está emergindo uma extrema direita que tem como temática central o meio ambiente. Esse movimento, entretanto, não possuía uma figura central ou organização com a qual pudessem se identificar.

O programa aponta que, com a estreia de Manhunt, a figura de Kaczynski passou a ser utilizada como símbolo para mobilizar e atrair uma geração preocupada com a crise climática. Novamente, citaram a Pine Tree Community, alertando que seus integrantes passaram a fazer parte de grupos supremacistas Segundo Mareia Allison, eles articulam o racismo com outros dois elementos: a defesa da natureza selvagem e as políticas anti- imigração Dessa forma, para a comunicadora, esses jovens se identificaram com o personagem da série, pois são homens brancos que se sentem extremamente inteligentes, mas mal compreendidos pela sociedade[328]

Eu acredito que ele é idealizado, porque foi representado como um homem branco mal compreendido que é inteligente demais para o seu próprio bem e não se encaixa na sociedade, porque sabia mais do que as outras pessoas. É assim que muitos ecofascistas se enxergam, pois eles estão tentando casar a ideologia da extrema direita com a de extrema esquerda, então, realmente não há um lugar para eles na sociedade[329]

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FIGURA 31 - Vice em matéria investigativa sobre a extrema direita reproduz o trailer de Manhunt: Unabomber

Todavia, é importante notarmos que, já no final dos anos 1980, algumas figuras e organizações dissidentes flertavam com a extrema direita[330] De acordo com Blair Taylor, o notório grupo ambientalista radical Earth First!, ligado ao anarquismo, defendeu políticas anti-imigração Dave Foreman, um dos seus fundadores, se identificava como um "caipira da wilderness" e criticava uma suposta influência crescente do feminismo e anarquismo em detrimento da proteção a natureza. Ele foi um porta-voz do grupo anti- imigração Apply the Brakes[331] Edward Abbey, escritor do grupo e defensor da wilderness, também dissertou em oposição á imigração: “um influxo em massa (...) de culturalmente-moralmente-geneticamente povos empobrecidos”[332] Assim, as posições políticas adotadas por Abbey e Foreman motivaram a fragmentação do Earth First!.

O pesquisador defende que parcelas da extrema direita mobilizaram a wilderness para denunciar uma teoria da conspiração que relaciona um “genocídio branco” ao extermínio da natureza. Nesse sentido, em vez de analisar o capitalismo e a cultura do consumo como causas das mudanças climáticas, defendem que a superpopulação e a disseminação das culturas não ocidentais ameaçam as últimas florestas “intocadas" e o esgotamento dos recursos naturais[333] As duas matérias jornalísticas sobre a série Manhunt apontam que os jovens encantados pelo personagem Kaczynski defendem essas idéias.

Em nossas entrevistas, perguntamos aos produtores sobre a repercussão na mídia e a reintrodução do Unabomber a partir da série Sodroski ressaltou que as críticas do “filósofo Kaczynski” sobre a modernidade merecem ser lembradas e discutidas[334] Por isso, acredita ser positivo que Manhunt fora capaz de recuperar a imagem do radical para uma audiência jovem Entretanto, para ele, o programa conseguiu encontrar um equilíbrio ao representar o terrorista, representando, também, a violência perpetrada pelos artefatos explosivos. Segundo o roteirista, ao utilizarem a câmera em POV (sigla em inglês para “ponto de vista"), permitiram que o espectador tivesse a experiência, a partir de seu próprio olhar, de toda a destruição. Dessa forma, idealmente, o público ficaria chocado com o ato, imaginando aquilo acontecer em sua própria sala de estar Por fim, Sodroski complementa que a ideia era demonstrar empatia por Kaczynski como sujeito traumatizado e solitário.

Acho ótimo que a série esteja reintroduzindo Ted Kaczynski para um público mais jovem. Acho que ele merece ser; suas idéias merecem viver Nós realmente devemos lidar com as idéias que ele expôs e os insights que ele tem sobre a modernidade. Ao mesmo tempo, acho que não há como assistir ao programa e não ficar realmente horrorizado com a violência daquelas bombas e o que elas fizeram ás vítimas. Para nós foi uma linha tênue para atravessar, acho que para nós é realmente importante respeitar Ted Kaczynski, o filósofo, o pensador, ao mesmo tempo, condenar totalmente Theodore Kaczynski como o homem dos artefatos explosivos. Você notará [na série] que, na maioria dos atentados, o ponto de vista não é um ponto de vista objetivo, estamos no meio dele. Eu acho que é uma experiência muito visceral, que é ter uma bomba explodindo em sua casa. Acho muito perturbador, e, assim, de alguma forma, isso fala dessa perspectiva moral que trazemos. Ao mesmo tempo, isso não significa que não podemos empatizar com a pessoa que estava tão isolada, sem amor, desesperada por conexão humana e que sua única maneira de alcançar as pessoas é por meio da violência[335]

Yaitanes abordou essa dinâmica de maneira semelhante, dizendo que a ideia de criar o episódio seis (Ted), no qual é narrada a história da vida de Kaczynski, partiu dele O diretor afirmou que a série é uma “obra de arte” e, dessa forma, possibilita que cada sujeito tenha sua própria interpretação do objeto "Se fomos longe demais é para o gosto pessoal de cada indivíduo; eu acho que encontramos um equilíbrio saudável”[336]

Ele apontou que Kaczynski transmitiu uma mensagem nos anos 1990 que merece ser discutida atualmente Yaitanes, ao contrário da comunidade Pine Tree, não se identifica com os atos de terror Por fim, o diretor relatou sua interação com o roteirista na criação da personagem Kaczynski, a qual caracterizou como uma busca por equilíbrio, já que “Andrew [Sodroski] e eu nos dávamos bem, éramos como ying e yang um para o outro. Andrew tinha muita compaixão pelo Ted, e nós tivemos que equilibrar isso"[337] Assim, podemos afirmar que Manhunt é um produto complexo, fruto de negociações entre as diferentes visões dos produtores.

Até hoje eu não me identifico com Ted. Se algum deles [vítimas] fosse meu amigo, eu quero quem fez aquilo preso. Isso sempre esteve em minha mente enquanto trabalhava, no entanto, eu queria mostrar a vida que ele [Kaczynski] levava. Ele era focado e seletivo, mas tudo para alertar o mundo sobre o que estava por vir com a tecnologia, e isso era realmente interessante. Porque é fascinante olhar o presente, em que a tecnologia invadiu minha vida e a de meus filhos; você sabe, a falta de brincadeiras [lúdicas], o tempo em frente à tela, o vício, as mudanças de humor e tudo o que isso faz, isso tudo traz muita tristeza[338]

Apesar de ter agradado um público de direita nos Estados Unidos, a série não foi renovada para uma segunda temporada. Como afirmado por Sodroski, Manhunt Deadly Games foi escrita ainda durante as filmagens de Unabomber Essa nova temporada foi criada pensando-se no público-alvo da Discovery

A série conta a história de Richard Jewel nos anos 1990, um homem branco e sulista que foi erroneamente apontado pela mídia como o responsável pelos atentados nas Olimpíadas de Atlanta Em um primeiro momento, foi tratado como herói por ter evitado uma tragédia maior ao avistar o artefato explosivo e evacuar as pessoas. Contudo, em seguida, foi sumariamente condenado por ser quem havia plantado a bomba e acusado de ter "síndrome de herói” e simulado a ação Ele é representado como sofrendo preconceitos por morar com sua mãe, ter um forte sotaque e sobrepeso. Assim, na próxima seção, exploramos os motivos pelos quais a Discovery não prosseguiu com o projeto. Ainda mais, desde a estreia de Manhunt: Unabomber, esse foi o último projeto roteirizado da empresa, como já afirmamos.

3.5 Manhunt: Unabomber como um negócio de risco

Dentro da indústria audiovisual, a Discovery é conhecida por sua frugalidade[339] Seu programa típico, com uma hora de duração, custa, para o grupo de TV, cerca de US$ 400.OQQ[340]. Em contraste, Manhunt teve custo de 5 milhões de dólares por episódio[341] Embora executivos da companhia estivessem motivados a produzir um programa roteirizado, havia tensões internas sobre o orçamento por parte de acionistas controladores

Por ser um projeto de alto custo para a empresa, a Discovery optou por investir em uma minissérie Como apontado por Lotz, essa tem sido uma tática utilizada pelas emissoras e canais a cabo para testarem uma nova programação que desafia os limites convencionais[342]. Nesse sentido, Manhunt tenta entrar no nicho de séries de qualidade e, principalmente, na esteira de True Detective (HBO, 2014 - presente). Fitzgerald mencionou como o grupo de TV a cabo tinha interesse em seguir uma rota semelhante: “De repente, True Detective se saiu muito bem, e a Discovery Channel disse: Queremos algo assim’”[343]. Da mesma forma, Sodroski citou a série inovadora como inspiração para Manhunt, afirmando que, na sua opinião, “foi uma série muito importante, como um precursor, que nos permitiu tomar riscos”[344].

Buscando produzir um conteúdo de qualidade, Manhunt teve em seu elenco atores consagrados: Sam Worthington (Avatar), Paul Bettany (Avengers), Jane Lynch (Glee, Best in Show, A Mighty Wind), Christopher Noth (Law & Ordem, Sex and the City) e outros Além desse talento oneroso, o custo de produção era considerável, pois, como sugerido por Yaitanes, houve uma preocupação com representar os objetos, cenários e momentos históricos dos anos 1990 com precisão, mais próximos da história real de Fitzgerald[345]

No entanto, Yaitanes e Sodroski destacaram os desafios de produzir uma série com roteiro para uma empresa que pouco inova na estrutura narrativa de seus programas. O diretor apontou que, embora houvesse trabalhadores com experiência anterior em projetos roteirizados, ele enfrentou alguns obstáculos com pessoas sem experiência com esse formato “foi como ter que ensinar a eles o filme narrativo, e havia alguma experiência das pessoas que estiveram envolvidas em outros empregos, mas era culturalmente difícil fazer isso”[346]. Mais importante, havia tensão sobre os custos, considerando que um episódio de Manhunt poderia pagar pela maior parte de uma temporada dos conhecidos reality shows da empresa

Lembro-me do choque de quanto custaria um episódio. O orçamento deles para os programas não era muito caro. Tínhamos 5 milhões por episódio, sabe, é muito dinheiro, e tínhamos talentos caros, tínhamos uma grande história, tínhamos muito o que fazer, e isso era familiar e desconhecido [...] eu acho que chegamos lá com dinheiro de sobra. Ao mesmo tempo, o presidente estava tão entusiasmado com o que estávamos fazendo que seria uma verdadeira mudança de paradigma para a companhia. Por isso, às vezes tínhamos mais apoio, porque éramos o único projeto com roteiro, tínhamos toda a atenção deles. Ao mesmo tempo que tínhamos toda a atenção deles, nós éramos constantemente examinados. Mas John Goldwyn era um ótimo produtor e resolvia essas interferências, porque eles [controladores] realmente confiavam nele. Ele era exatamente como um grande produtor deveria ser, nos protegendo e nos abrigando no projeto[347]

Quando questionamos o porquê da segunda temporada, Manhunt: Deadly Games, estar no Spectrum (Charter Communications) e não na Discovery, Sodroski e Yaitanes responderam enfatizando diferentes motivações. Inicialmente, os executivos pensaram que a narrativa do programa agradaria o público do canal Todavia, a primeira temporada não atingiu o seu público alvo Em vez disso, atraiu para o canal aqueles que, tradicionalmente, não faziam parte de sua audiência[348] No final, a empresa de TV a cabo optou por não alienar seus espectadores existentes, pois depende deles para atender seus anunciantes.

Houve resistência de acionistas controladores da Discovery, que eram mais críticos de um projeto arriscado[349] Eles preferiam continuar produzindo os formatos convencionais de baixo custo do canal, que se mostraram extremamente lucrativos ao longo da história da empresa de TV a cabo. Uma indicação precoce dessa hesitação pode ser vista na estratégia de diluir os riscos de produção. Nas primeiras etapas de filmagem, a Discovery buscou um parceiro para mitigar o custo envolvido nessa empreitada[350] A resposta foi a Netflix, vendendo a série para streaming em uma janela secundária[351] Manhunt foi claramente desenvolvida para ser assistida no formato tradicional de televisão, embora fora dos Estados Unidos a série faça parte do catálogo do serviço e seja apresentada como um “Original da Netflix". Além disso, podemos supor que alguns dos custos de produção já estavam sendo cobertos pelo estúdio (Lionsgate)[352]

Acho que Rich Ross e John Goldwyn estavam tentando inserir a Discovery em urn novo território com programas de ficção, minisséries e docudramas que eram bens, e os proprietários da Discovery não queriam correr esse risco. Para eles, esse era urn território muito arriscado, e acho que não estava agradando o núcleo demográfico. Eles [os proprietários] queriam continuar fazendo reality shows de baixo custo que estavam saturando seu mercado principal, portanto, foi um grande risco da equipe criativa da Discovery, e estou feliz porque eles aceitaram. Eu gostaria que tivesse durado mais. A segunda temporada foi na Charter. Teria sido bom estar de volta na Discovery e fazer lá [a segunda temporada], mas o que acontece com um programa de TV a cabo premium, inteligente na rede do Shark Week? Não é uma das façanhas mais fáceis, como se pode ver[353]

Sodroski e Yaitanes reconheceram o apoio dado pelo presidente da Discovery e pelo chefe de programação roteirizada durante a produção do programa Conforme discutido, Rich Ross e John Goldwyn foram contratados para criar uma programação de qualidade. No entanto, depois que Manhunt não atendeu às expectativas, a Discovery interrompeu sua expansão para séries de televisão roteirizadas.

Em 2018, menos de um ano após a estreia de Manhunt, em conferência com analistas de Wall Street, Zaslav restabeleceu o compromisso da Discovery com a programação tradicional de reality shows e documentários O CEO mais bem pago de Nova York justificou a decisão, afirmando que era mais viável e lucrativa do que a programação com roteiro Para ele, o número crescente de novas séries e o alto custo tomam um “jogo de alto risco que nem todos podem ganhar", acrescentando o seguinte “Não participamos de tapetes vermelhos ou aberturas extravagantes”[354] Junto com esse anúncio do retomo da Discovery ao seu modelo anterior, Ross deixou a empresa

Após os impactos da COVID em 2019, a Discovery Communications economizou, em média, US$ 300.000,00 por cada hora de conteúdo filmado nas próprias casas de contratados da Discovery. Durante a pandemia, a companhia enviou a seus apresentadores e funcionários câmeras, iPhones, câmeras GoPro, tripés e outros equipamentos para gravarem programas para TLC, HGTV e Food Network a partir de suas casas O diretor financeiro vangloriou-se do resultado alcançado, alegando que não comprometeu a qualidade da programação; em vez disso, o público se identificou com a estética mais amadora: “Temos criado um conteúdo de muito sucesso com equipamentos de baixo custo [...] [o conteúdo] parecia mais real e autêntico; foi o que melhor funcionou com a audiência”[355] O executivo afirmou que essas “produções-COVID” lhes deram ferramentas para repensar os orçamentos[356]

O longo caminho para se adaptar às mudanças da indústria pode ter encontrado uma solução com a fusão da Discovery e da Warner Bros. O gigante da mídia tem Zaslav como seu primeiro CEO Com a fusão, aqueles que se encontram sob uma nova liderança temem cortes orçamentários, dada sua reputação para a contenção de custos. É na programação não roteirizada da HBO e da HBO Max que os produtores estão mais apreensivos com as mudanças. Quando comparada com os principais reality shows da Discovery, essa programação da Warner tem um orçamento três vezes maior[357]

Manhunt: Unabomber foi um projeto ambicioso que simbolizou a incursão da empresa em séries de qualidade. O roteiro foi escolhido, porque os executivos o entendiam como um programa distinto, autêntico e inteligente No entanto, o orçamento multimilionário necessário para essa mudança causou uma divisão na companhia. A relutância de acionistas controladores em mudar foi percebida pelos entrevistados durante a fase de produção. A tensão também estava presente na parceria da Discovery com seu suposto concorrente, a Netflix, numa tentativa de diluir os custos de produção

A empresa de TV a cabo abandonou rapidamente as séries roteirizadas depois de fracassar com seu público-alvo A Discovery retomou sua programação provocativa tradicional, aumentando o controle de custos para se adaptar a margens menores e públicos de nicho. Reality shows e documentários, em vez de séries roteirizadas, são o conteúdo apresentado em seu serviço de streaming (Discovery+) A fusão entre Discovery e Warner Bros, foi a solução para se tornar mais competitiva Mesmo assim, ainda não está claro até que ponto essa união afetará as redes que estão sob seu controle


Considerações Finais

Nos propusemos a analisar a série de televisão, da Discovery Channel que foi simultaneamente negociada para compor o catálogo do serviço de streaming, Netflix Em razão de, praticamente, não existir estudos sobre esse tipo de produto cultural na área de História, no nosso percurso, nos valemos dos recursos, metodologia e teoria, que dispomos sobre a análise do audiovisual, em particular do campo de Cinema e História e Media Industry Studies.

Não teria sido possível avançar com a nossa pesquisa sem as entrevistas que pudemos fazer com a equipe que elaborou e produziu a série. Sem elas, não teríamos tido condições de aprofundar nas negociações e contradições que envolvem um produto cultural desse porte Para a compreensão de séries de televisão é importante que seja verificada a audiência que a empresa quer atingir A narrativa em geral será pensada na intenção de atingir determinado público e, mais importante, mantê-lo como fiel ao canal

Para compreendermos a série Manhunt: Unabomber notamos que seria imprescindível destacar quais elementos da cultura norte-americana estavam sendo mobilizados e que falavam diretamente com a audiência que eles queriam atingir Demonstramos como a série mobilizou diferentes tradições em sua narrativa. Enfatizamos alguns temas mais expressivos presentes na trama: o dissenso, a visão de natureza ou a ideia de wilderness e o anti intelectualismo. Assim, acreditamos que o pesquisador que queira analisar séries dos Estados Unidos, principalmente as mais elaboradas, deve se ater às tradições culturais daquele país, já que elas sempre são mobilizadas não apenas no audiovisual, mas também na literatura, teatro etc Em outras palavras, ao analisarmos a série de televisão Manhunt: Unabomber produzida inicialmente por e para norte-americanos foi necessário estudar o quadro de referência específico daquele país

Assim, as cenas da série não representam uma simples pequena casa na floresta, onde Kaczynski se isolou da sociedade, mas todo um universo cultural relacionado ao dissenso e ao ideário do wilderness norte-americano As críticas às instituições (FBI e Universidades) também não representam apenas uma insatisfação com as autoridades e os intelectuais, mas a todo um campo que vê no homem comum, nas atividades úteis e práticas um algo louvável na construção do país. Defendemos que é necessário inserir a série de televisão, como produto do presente, mas dentro de um contexto da História dos Estados Unidos em que essas tradições foram pensadas e mobilizadas Elas não foram selecionadas aleatoriamente, mas sim porque falam diretamente ao espectador que as empresas querem atingir

Em primeiro lugar, destacamos a complexidade da tradição de dissenso nos Estados Unidos, em que se questiona o status quo, em geral em desconfiança com a ordem estabelecida As menções dessa tradição mobilizadas por Manhunt foram as idéias de Henry David Thoreau, pensador do século XIX, e a sua pequena casa que são referências, inclusive, imagéticas. Isto é, o terrorista doméstico Theodore Kaczynski, embora atuando violentamente, falava de dentro de uma expressiva tradição cultural norte-americana. O agente do FBI, James Fitzgerald, também se viu arrastado a contemplar a mesma tradição ao se envolver no caso

Em segundo, verificamos a estética da natureza selvagem em Manhunt, vista desde o final século XVIII como um dos componentes da identidade norte americana Vimos como as imagens da natureza foram exploradas na série em sua grandeza, em contraste ao ruidoso e agressivo mundo urbano e entorno

Em terceiro, com as diversas cenas e diálogos críticos ao FBI, á Universidade e aos acadêmicos, examinamos a tradição do anti-intelectualismo estadunidense, a qual articula o antielitismo ao “homem comum”, muitas vezes o do oeste, e á própria democracia As instituições de ensino não foram poupadas e foram representadas pela série como local onde Kaczynski for traumatizado e radicalizado Ao mesmo tempo, temos a crítica á estrutura rígida da agência de segurança por sua resistência aos métodos, propostos por Fitzgerald, de análise linguística. O favorecimento ao “homem comum” — o indivíduo mediano — esteve relacionado a conquistar e manter uma audiência que se via contemplada por essa ordem de idéias Entretanto, como vimos, quem elaborou a série foi uma equipe profundamente intelectualizada As contradições emergem da série continuamente.

Constatamos, dessa forma, que sem esse quadro de referência e contexto cultural, essas diferentes camadas de entendimento e leitura da trama podem ser perdidas ou subestimadas. Embora o horizonte dos espectadores tenha sido consideravelmente expandido com a sua disponibilização no catálogo da Netflix, não podemos ignorar ou minimizar Manhunt como produto da Discovery Channel elaborado por e para norte- americanos e suas implicações. A Netflix, por sua vez, ao incluir a série no catálogo, rompeu as fronteiras da audiência dos Estados Unidos.

Ao analisarmos apenas as imagens de Manhunt Unabomber, é impossível visualizarmos os diversos conflitos e negociações que ocorreram no processo de produção, desde a criação do roteiro inicial até a filmagem Para isso, como anunciamos, as entrevistas que fizemos foram centrais. A série foi pensada e elaborada por dois agentes aposentados do FBI, James Clemente e James Fitzgerald, e um roteirista de Hollywood, Tony Gittleson Durante a escrita do texto original, havia pouco consenso sobre o formato da narrativa Clemente e Fitzgerald tinham escrito, em versão preliminar, um filme de ação-aventura Contudo, para Gittleson, dezoito anos de investigação não poderiam ser contados satisfatoriamente em um longa-metragem

Percorremos outras distensões que ocorreram na série: se iam apostar numa história considerada “fidedigna” ou abririam para uma “licença criativa”. Nesse percurso, Clemente que defendia uma versão mais fiel á realidade foi marginalizado no processo e não escondeu ressentimento. Gittleson também não ficou contente com o andamento da série, pois não reconheceu o produto final como seu Ao fim e ao cabo, concordaram em ter um “homem comum” como protagonista, James Fitzgerald.

No processo de filmagem, os conflitos e as negociações continuaram O showrunner e roteirista, Sodroski priorizou a construção de uma história interessante e convincente, que agradasse a audiência Para o diretor Greg Yaitanes, em contraste, a série foi “extremamente acurada” em reproduzir com fidedignidade os fatos[358] Isso estaria evidente na estética adotada: nos detalhes da casa de troncos, eventos, objetos de época, cenários e até mesmo na aparência e comportamento das personagens

Em razão do exposto, argumentamos que não é possível analisar Manhunt: Unabomber a partir de uma marca autoral O diretor e showrunneríroieinsta, Yaitanes e Sodroski, trabalharam em equipe, mas tinham prioridades distintas para o projeto Com múltiplos atores e instituições participando de sua construção, a série foi resultado dessas disputas O produto final reflete as contradições das partes envolvidas e de suas diferentes prioridades, principalmente na tensão entre entreter a audiência e narrar os eventos do passado

Já a Discovery tinha seu próprio objetivo com a estreia da série: recuperar o nome de sua marca. Nos anos que antecederam a estreia de Manhunt, a empresa utilizou de uma estratégia sensacionalista para atrair uma audiência. Em 2014, fãs, cientistas, jornalistas e organizações ambientalistas criticaram os conteúdos enganosos que foram exibidos como documentários. Essa repercussão negativa foi simultânea com a popularização do serviço de streaming Netflix e suas séries originais, atingindo diretamente a receita da empresa A Discovery, assim como outros conglomerados televisivos tradicionais perdia audiência, tendo suas ações penalizadas com especulação na bolsa de valores. Durante esse momento, a indústria da televisão passava por mudanças profundas em sua economia, tecnologia, distribuição e criação[359]

Manhunt: Unabomber foi um projeto da Discovery para competir com os programas roteirizados dos serviços de streaming A série foi entendida pelos executivos como reunindo os ingredientes para agradar sua audiência e competir nessa nova era de ouro da televisão. Entretanto, o orçamento de 5 milhões de dólares por hora/episódio, comparado á programação tradicional que custava cerca de 400 mil dólares, foi motivo de conflito dentro da empresa Por um lado, os executivos, que foram contratados após a queda nos resultados de 2014, apostavam que o futuro da companhia estava em sua inserção nas séries roteirizadas Por outro, acionistas que controlavam a empresa estavam cada vez mais descontentes com os riscos e custos envolvidos nessas produções

Manhunt exibiu essas contradições, na sua estreia na Discovery em 2017, como a única série roteirizada em meio a uma programação de documentários e reality shows de baixo custo. Podemos entender que a série falhou em atingir o público-alvo pelo próprio modo com que os canais de televisão a cabo se organizam Essas redes buscam estabelecer uma identidade e atender gostos em espécies de nichos de audiência[360] Por exemplo, um homem branco e conservador espera ter acesso, ao sintonizar na Fox News, a um formato específico de noticiário De maneira semelhante, tem a expectativa de que a Discovery Channel lhe ofereça documentários como Shark Week e reality shows de natureza como Naked and Afraid (2013 -), Man vs Wild (2006 - 2011), Alaskan Bush People (2014) e Deadliest Catch (2005 -). De acordo com Tietge, esse formato de reality coloca em oposição o homem e a natureza A wilderness é representada como hostil e perigosa aos participantes, que buscam sobreviver dominando as forças primitivas da natureza selvagem Em contraste, Manhunt construiu uma narrativa positiva da wilderness, colocando como resposta aos problemas da modernidade[361].

Apesar de ser difícil designar um gênero para Manhunt, se buscarmos entender a série por essa forma, notamos outras diferenças em relação a programação tradicional do canal. Mesmo nossos entrevistados não chegaram a um consenso sobre como tratar Manhunt dentro dos gêneros conhecidos do audiovisual O diretor Yaitanes classificou a série como um docu-drama, argumentando que para produzir a narrativa em apenas oito episódios, foi necessário omitir partes da história real Contudo, essas escolhas não teriam comprometido uma fidedign idade dos eventos pois foi ‘fortemente baseada em fatos. Isso era algo importante para nós"[362]

Para o showrunner e roteirista Sodroski, Manhunt mobiliza dois gêneros: o de crime drama e o true-crime O primeiro, mais presente no programa, estaria na interação entre Fitzgerald e Kaczynski, na obsessão do policial em capturar o terrorista e em sua busca, após a prisão, pela confissão do Unabomber O segundo gênero, o true-crime, no qual a narrativa aborda detalhes de um crime real, satisfazendo a curiosidade de uma audiência interessada por esse conteúdo.

O gênero principal é esse intenso drama criminal. É sobre esse jogo gato e rato, entre um brilhante serial bomber e a polícia, mas também usando alguns elementos do true crime, esse tipo de true crime mais estranho que ficção, onde usamos incidentes para entreter o público. Então, tem dois gêneros aos quais sempre voltamos, um era policial versus criminoso, sempre há novas revelações, eventos e reviravoltas. Eles estão jogando um jogo de xadrez. A outra parte é como, e isso é único para o gênero de true-crime [...] você acha que se lembra do retrato falado do Unabomber? Aqui está toda a história desse retrato falado que você nunca ouviu antes, nem é o desenho real, não se parece com ele porque existe toda essa história por trás[363]

Nenhum deles tratou do gênero bastante comum de filmes e séries que enfocam os tribunais de justiça. O qual também está presente em Manhunt De qualquer forma, são gêneros consagrados capazes de atrair audiência

Assim, novamente são os canais de TV por assinatura buscando satisfazer, e manter, uma determinada audiência. Entretanto, o público-alvo da Discovery não é o mesmo que se entretém com a programação de séries roteirizadas de nicho true-crime Esse gênero, articulado ao formato de série, demanda um engajamento do espectador[364] O público deve manter concentração, dedicar uma atenção maior aos longos diálogos, pistas, detalhes e dispositivos narrativos para assistir esse tipo de programação Isso requer um compromisso, pois desviar o olhar da tela pode comprometer o entendimento da história, desestimulando o espectador a assistir o próximo episódio.

Podemos imaginar o desafio do público acostumado aos realities sobre a natureza e documentários sensacionalistas sobre tubarões, assistindo Manhunt na Discovery, com seus seis atos, bem pensados para a inclusão de intervalos comerciais. Em comparação, a audiência é menos penalizada ao perder alguma cena de Shark Week ou de Naked and Afraid[365] Entendemos isso como mais um motivo de Manhunt não ter agradado o público-alvo tradicional da Discovery O resultado foi que a Discovery perdeu público cativo, mas ganhou uma audiência que não assistia regularmente o canal Porém, não era isso o que ela queria, a Discovery pretendia recuperar o público perdido — após as polêmicas que envolveram a credibilidade dos seus documentários, particularmente os dos tubarões. Além de atirar num alvo e acertar em outro que não pretendia, a Discovery não queria mais investir em produtos tão custosos.

No correr da nossa Dissertação de Mestrado, analisamos mais o papel da Discovery do que o serviço de streaming, Netflix, onde a série constou como sua produção original Tal ausência se dá em razão da pouca abertura que a Netflix dá para análise da plataforma Além disso, em razão do seu pouco tempo de existência não se encontra bibliografia sobre o streaming. Pois bem, mesmo assim, Manhunt: Unabomber, foi resultado conjunto da Discovery, dos estúdios Lionsgate e da Netflix Esta foi a saída encontrada pela Discovery para levar á frente a série

Ao rotular Manhunt como uma série original, inclusive para a audiência brasileira, o serviço de streaming buscava demonstrar um retomo sobre o valor pago pela assinatura de seus clientes[366] É possível que a expansão para o Brasil com um conteúdo “original” seja representativa de uma competição mais acirrada com as inúmeras plataformas de streaming que surgiram nos últimos anos.

Os produtores de Manhunt consideram que o produto foi mais bem sucedido na Netflix do que na Discovery Entretanto, grande parte do público do streaming é de não norte-americanos, não está, portanto, imerso no universo cultural das tradições norte- americanas já postas. Isso indica que a série pode ser vista sem se levar em consideração esse universo Podemos, entretanto, argumentar que Manhunt foi mais bem sucedida na Netflix porque o serviço de streaming oferece múltiplas séries de nicho de audiência.

Em comparação com a Discovery Channel, a Netflix tem a possibilidade de reproduzir uma programação mais diversificada, agradando grupos distintos. O canal pode apresentar apenas um programa durante seu horário nobre, enquanto a Netflix não possui as constrições de uma grade horária. Nesse sentido, redes de televisão a cabo, usualmente, são mais cautelosas sobre quais programas financiam e exibem Outra diferença fundamental se faz na relação, novamente, com a audiência. Na Netflix, os assinantes são separados por “grupos de gosto” (taste clusters) e não por nacionalidade, raça, gênero e idade[367] Assim, é possível que a audiência de Manhunt nesse serviço de streaming seja a mesma que consome outros programas true-crime originais como Making a Murderer (2015) e Mind Hunter (2019) etc

Em suma, o estudo das séries de TV por assinatura deve, então, passar por caminhos que abordem o universo cultural tratado. A autoria é diluída em meio aos recursos mobilizados para atingir a todo custo determinada audiência Disso depende a sobrevivência da TV por assinatura na era do streaming. Apesar do esforço na competição com outros canais a cabo e serviços de streaming, a própria Discovery não resistiu e a série acabou na Netflix Nada disso, entretanto, diminui a riqueza de um produto cultural como o analisado Através de Manhunt: Unabomber pudemos, como historiador, mergulhar no tempo presente; pudemos estudar não apenas o universo cultural norte-americanos, mas também uma pequena parte da indústria cultural dos Estados Unidos Esperamos, assim, que o nosso trabalho possa contribuir com estudos sobre séries de TV — ainda tão raros — e, por que não, com estudos sobre serviços de streaming


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[1] Correspondência entre David Presley, membro da produção de Manhunt, e Theodore Kaczynski. Ann Arbor. Joseph A. Labadie Collection - Ted Kaczynski Correspondences (manuscrito) Caixa 98. Pasta 1399.0

[2] Para ver mais sobre terrorismo, televisão e séries nos Estados Unidos pós 11 de setembro de 2001: TAKACS, Stacy. Terrorism TV: Popular entertainment in post-9/11 America. S I: University Press Of Kansas, 2012.

[3] JUNQUEIRA, Mary Anne. Ao Sul do Rio Grande. Imaginando a América Latina em Seleções: Wilderness, Oeste e Fronteira. Bragança: Universidade Sagrado Coração, 2000.

[4] Media Industry Studies é parte do campo de Media Studies, pode ser entendido como um campo acadêmico interdisciplinar focado no estudo das variadas formas de mídias de comunicação, como a televisão, o filme, o rádio e a mídia digital. A disciplina busca discutir a relação entre a mídia e a sociedade a partir da análise da produção, distribuição, recepção e consumo. Ver mais em: LOTZ, Amanda. Key Concepts in Media Industry Studies. In: HAVENS, Timothy; LOTZ, Amanda (ed ). Understanding Media Industries. Oxford: Oxford University Press, 2012 p. 1-304. Já para uma compreensão mais panorâmica de como investigar séries de televisão e cultura ver: TAKACS, Stacy. Interrogating Popular Culture: key questions. S I: Routledge, 2015.

[5] JOSEPH A. LABADIE COLLECTION OF SOCIAL PROTEST. Vice President for Communications Arts & Culture University of Michigan. Disponível em: <https://arts.umich.edu/cultural-collections/joseph-a- labadie-collection-of-soc!al-protest-documents/>. Acessado em: 16 jun. 2022.

[6] HERRADA, Julie. Op. cit, p.35-43.

[7] Em Legai, há quatro subséries: Cópias de documentos consiste no material copiado pelo FBI para o processo judicial. Os advogados de Kaczynski tiraram essas cópias dos arquivos do FBI; A Comunicação Jurídica consiste em cópias de notas, cartas e documentos que Kaczynski enviou a seus advogados e seus funcionários; Os documentos legais contêm documentos judiciais, rascunhos e correspondência de Kaczynski para advogados relacionados ao seu caso; Por fim, Notas Legais e Pesquisa é principalmente material de pesquisa coletado por Kaczynski para seu processo judicial. Prisão abrange materíais como formulários de solicitação de biblioteca, apelos aos regulamentos prisionais, pesquisas e notas sobre vários assuntos. Em Publicações, o arquivo preserva artigos e livros reunidos por Kaczynski após sua prisão. Este material possui notas laterais e “correções’ feitas por ele. Os Escritos de Ted Kaczynski são textos escritos por ele após seu encarceramento. Contém dois manuscritos: seu artigo Ship of Fools e o livro inédito Truth vs Lie. A série Audiovisual contém VHS, CDS e DVD. Há gravações de áudio de sua entrevista com a jornalista Therese Kint, datada de 1999. Parte dessa entrevista foi publicada em Anarchy: A Journal of Desire Armed e na edição britânica de Green Anarchist. A entrevista foi usada como fonte primária para a série de TV Unabomber. In His Own Words. As gravações audiovisuais contêm frtas do estudo Murray Psychology no qual Kaczynski participou como enquanto estudante em Harvard. Por fim, os Arquivos do FBI consistem em fotocópias tiradas de documentos que o FBI encontrou na moradia de Kaczynski. Essa série tem fotos de itens encontrados em sua casa.

[8] NAPOLITANO, M. Fontes audiovisuais: a história depois do papel. In: Caria Bassanezi Pinsky. (Ong.). Fontes Históricas. led.Sâo Paulo: Editora Contexto, 2005.

[9] Ibid., p.237-240.

[10] Ibid., p.242

[11] MORETTIN, Eduardo Victorio. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. História: Questões & Debates. 38, no. 1,200, p. 25-32.

[12] Ibid., p.36.

[13] Ibid., p. 15-40.

[14] No Brasil, existem importantes obras que exploram o formato séries de TV. O trabalho de Monica Komis é referência no estudo de séries e minisséries brasileiras. A pesquisadora explora, por exemplo, a minissérie Anos Dourados da emissora Globo. Nesse programa da década de 80, é reproduzido o mito dos “bons tempos" da era de Juscelino Kubitschek. Em outras palavras, Kornis destaca como esses produtos culturais constroem passados históricos e imaginários. Ver mais em: KORNIS, Mônica. Uma Memória da História Nacional Recente: as minisséries da Rede Globo. Acervo, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 125-142, jun. 2003. Edson Pedro articula em sua análise histórica as produções e estratégias narrativas das minisséries estadunidense Roots e Holocaust. Ver mais em: SILVA, Edson Pedro da. História em horário nobre: memória e etnicidade em Roots e Holocaust. Significação, São Paulo, v. 8, n. 56, p. 173-191, jul. 2021.

[15] LOTZ, Amanda D. The Television Will Be Revolutionized. New York: New York University Press, 2014.

[16] Ibid.</em>

[17] Ibid., p.36.

[18] “At first, this niche targeting aimed fairly general with channels such as CNN seeking out those interested in news, ESPN attending to the sports audience, and MTV aiming at youth culture’. Ibid., p.32.

[19] Ibid.</em>

[20] Aqui informamos que utilizamos o termo 'liberal' no sentido empregado nos Estados Unidos: de pessoas que defendem projetos progressistas por parte do Estado, cujas proposições sao dirigidas em favor de políticas sociais e de reformas no âmbito econômico.

[21] Para ver mais sobre o dissenso no específico de uma cultura logo após aos ataques de 11 de setembro ver MELNICK, Jeffrey P. 9/11 Culture: America under Construction. Oxford: Wiley- Blackwell, 2009.

[22] THOREAU, Henry David. Walden; or life in the woods. New York: Dover Publications, 1995.

[23] Sam Worthington é mais conhecido por sua atuação, como o personagem protagonista, no filme Avatar (2009). Já Paul Bettany é conhecido por seu papel coadjuvante, como Jarvis, nas franquias da Marvel Comics: Homem de Ferro (2008), Homem de Ferro 2 (2010), The Avengers'. Os Vingadores (2012), Homem de Ferro 3 (2013), Vingadores. Era de Ultron (2015) e Capitão América'. Guerra Civil (2016).

[24] CHASE, Alston. Harvard and the Unabomber. The Education of an American Terrorist. New York, NY: Norton, 2003.

[25] Adrift in Solitude, Kaczynski Traveled a Lonely Journey. Los Angeles Times, 14 de abril de 1996. Disponível em: <https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1996-04-14-mn-58543-story.html> Acesso em: 27 jun. 2019.

[26] CHASE, Alston. Op cit.

[27] KACZYNSKI, Theodore J. Industrial Society and its Future. In: KACZYNSKI, Theodore J.; SKRBINA, David. Technological Slavery: The collected writings of Theodore J. Kaczynski, a ka. "The Unabomber". Port Townsend: Feral House, 2010. p.38-125.

[28] CHASE, Alston. Op cit.

[29] Ibid.</em>

[30] MICHEL, Lou; HERBECK, Dan. American Terrorist: Timothy McVeigh and the Oklahoma City bombing S I: Harpercoilins, 2001.

[31] CHASE, Alston. Op cit.

[32] HANRAHAN, Jake. Inside the Unabomber's odd and furious online revival. Wired UK, 2018. Disponível em: <https://www.wired.co.uk/article/unabomber-netflix-tv-series-ted-kaczynski>. Acesso em: 08 fev. 2023.

[33] FITZGERALD, James R. A Journey to the Center of the Mind: Book III: the (First Ten) FBI Years, 1987- 1997. West Conshohocken, P: Infinity Publishing, 2017. De acordo com seu website, James Fitzgerald concluiu em 2005 um Mestrado em Linguística na Universidade de Georgetown. Disponível em: <https://www.jamesrfitzgerald.com/>. Acesso em: 28 de jun de 2019.

[34] FITZGERALD, James R. Entrevistado por Rodolpho Hockmuller Menezes em 14/03/2022. Arquivo pessoal.

[35] O agente aposentado também cria seu próprio conteúdo digital. Ele possui um website, no qual divulga material relacionado à seu trabalho. Sobre Manhunt, disponibilizou oito entrevistas que conduziu com membros da produção, fãs do programa e pessoas que inspiraram personagens. Em adição, nesse endereço online, também está disponível o roteiro utilizado nas filmagens de Manhunt. Fitzgerald é sócio de uma empresa de entretenimento especializada em true-crime junto a Jim Clemente, outro agente aposentado do FBI e criador de Manhunt. Jim Clemente, que participou da escrita do roteiro inicial, é um agente aposentando do FBI, também tendo atuado como promotor de justiça em Nova York. Atualmente se dedica a indústria do entretenimento, trabalhado como consultor e escritor em séries como: Criminai Minds (2005 - 2020), Quantico (2015 - 2017) e Blindspot (2015 - 2020). Clemente é apresentador do podcast Real Crime Profile, onde analisam cenas de crimes estabelecendo um perfil (profile) de criminosos e Best Case Worst Case, sobre os bastidores de investigações criminais, através do depoimento de policiais e outras autoridades. Jim Clemente. XG PRODUCTIONS. Disponível em: <https://www.xgproductions.com/jim-clemente>. Acesso em: 23 fev. 2023.

[36] MANHUNT Unabomber. Direção de Greg Yaitanes. Roteiro: Andrew Sodroski; Jim Clemente; Tony Gittelson. 2017. DVD, son., color.

[37] Existem diversas reproduções de Manhunt: o original da Discovery, a exibida no streaming Netflix, do estúdio Lionsgate e de copias piratas que circulam na internet. Assim, ao se tratar de uma série em multiplataformas, com diferentes edições, optamos por não fornecer as minutagens das sequências analisadas.

[38] “I want you to think about the mail for a minute'. “I can send you cookies from the opposite side of the world”. 'I write an address, and they just... obey" Episódio 1, Unabom.

[39] “Stop taking it for granted like some complacent, sleepwalking sheep and really think about it [...] And you see, it only works because every single person along the chain acts like a mindless automaton [...] Well, it's not your fault. Society made you this way. But you're a sheep, and you're living in a world of sheep. And because you're all sheep, because all you can do is obey, I can reach out and touch anyone anywhere. I can reach out and touch you... Right now" Episódio 1, Unabom.

[40] HOWE, Irving. Twenty-five years of dissent: An America Tradition. Nova York: Routledge, 2022; CALMES, Jackie. Dissent: The Radicalization of Republican Party and its capture of court. Nova York: Twelve, 2021.

[41] HARDING, Walter. The days of Henry Thoreau: A biography. 2. ed. [S. I]: Dover Publications, 2011, p.

[42] YOUNG, Op erf , p.135.

[43] /b/d., p. 137.

[44] NASH, Roderick. Wilderness and the American Mind. New Haven: Yale University Press, 2014, p. 84-

[45] EMERSON, Ralph Waldo. Nature. In: EMERSON, Ralph Waldo. Addresses and Lectures, The Works of Ralph Waldo Emerson: Nature. Boston: [S.l], 1883. p. 31-38., apud, NASH, Roderick. Wilderness and the American Mind. New Haven: Yale University Press, 2014.

[46] Ibid., p. 85.

[47] “Society everywhere is in conspiracy against the manhood of every one of its members. Society is a joint- stock company, in which the members agree, for the better securing of his bread to each shareholder, to surrender the liberty and culture of the eater. The virtue in most request is conformity. Self-reliance is its aversion. It loves not realities and creators, but names and customs. Whose would be a man must be a nonconformist’. EMERSON, Ralph Waldo. Essays. Boston: Houghton Mifflin Company, 1883, p.51-2 (Edição original, 1841).

[48] THOREAU, Henry David. Resistance to Civil Government. In: PUTNAM, G.P. (ed.). Aesthetic papers. Boston: The Editor, 1849, p. 189-211.

[49] WALLS, Laura Dassow. Henry David Thoreau: A life. Chicago: The University of Chicago Press, 2017, p. 248-254.

[50] Martin Luther King Jr (1929-1968) foi um ministro batista, ativista e um dos líderes mais proeminentes do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. Utilizava da filosofia política da desobediência civil não- violenta para combater a segregação racial no Sul e em outras partes dos Estados Unidos.

[51] Mahatma Gandhi (1869-1948) foi um escritor indiano, advogado, político e líder do movimento nacionalista. Mobilizou a desobediência civil nâo-violenta, para combater o domínio colonial britânico na índia. WALLS, Laura Dassow. Henry David Thoreau: A life. Chicago: The University of Chicago Press, 2017, p. 207-215; JOHNSON, Linck. The Life and Legacy of “Civil Disobedience". In: PETRULIONIS, Sandra Harbert; WALLS, Laura Dassow; MYERSON, Joel (ed.). The Oxford Handbook of Transcendentalism. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 629-641.

[52] A Thoreau Society é uma das maiores e mais diversas sociedades de autores. Anualmente, durante duas semanas, pessoas de diferentes estratos da sociedade participam de mesas de discussão sobre o autor e suas obras. Uma das primeiras reuniões estavam presentes não só acadêmicos, mas “um tenente da marinha, um carteiro, dois publicitários, um estudante de rabinato, e um "filósofo andarilho*. Ibid., p. 314.

[53] BUELL, Lawrence. The Environmental Imagination: Thoreau, nature writing, and the formation of American culture. Cambridge: Harvard University Press, 1995. p. 313-314.

[54] SEDERHOLM, C. Popular Culture. In: FINLEY, J (ed ). Henry David Thoreau in Context. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. p. 349-358.

[55] O local de sua morte, um ônibus abandonado, adquiriu notoriedade após a exibição do filme, tomando- se local de visita por diversas pessoas que buscavam refazer a trilha de McCandles. Nos anos subsequentes, diversas operações foram efetuadas a fim de resgatar aventureiros. Apesar desses esforços, alguns foram a óbito nessa perigosa trilha. Em 2020, autoridades decidiram retirar o ônibus do local, utilizando de um helicóptero para transporte. Atualmente o ônibus encontra-se em um museu da Universidade do Alaska. Para ver mais sobre o museu: OSBORNE, Ryan. Famous McCandless 'Bus 142‘ moved to UAF's Museum of the North. Alaska News Source, 2020. Disponível em: <https://www.alaskasnewssource.com/2020/09/24/famous-mccandless-bus-142-moved-to-uafsmuseum- of-the-north/>. Acesso em: 13 out. 2022.

[56] "I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life, and see if I could not leam what it had to teach, and not when I came to die, discover that I had not lived" THOREAU, Henry David. Op cit, 1995. p.59.

[57] BUELL, Op. cit.. p.314.

[58] THOREAU, Henry David. Walden; or, life in the woods. Boston: Ticknor and Fields, 1854.

[59] SCHNEIDER, Richard J. Walden. In: MYERSON, Joel (ed ). The Cambridge companion to Henry David Thoreau. New York: Cambridge University Press, 1996, p. 97.

[60] THOREAU, Henry David. Op. cit, 1995, p. 35.

[61] Henry David Thoreau: Walden Pond Cabin. Britannica. Disponível em:

<https://www.britannica.eom/topie/Walden#/media/1/634406/15828>. Acesso em 26 jan. 2021

[62] “WALLS, Laura Dassow. Henry David Thoreau: A life. Chicago: The University of Chicago Press, 2017.

[63] THOREAU, Henry David. Op. cit, 1995, p. 7.

[64] Ibid., p 19.

[65] Idem.

[66] Ibid., p. 20.

[67] Ibid., p 18.

[68] MARX, Leo. The machine in the garden: technology and the pastoral ideal in America. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 247.

[69] Ibid.,</em> p. 249.

[70] THOREAU, Henry David, Op. cit, 1995, p.24.

[71] Termo vindo do francês para abrigo.

[72] “It’s perfect simplicity [...] but he lives about as far outside the system as anybody can”, Episódio 5, Abri.

[73] “It’s perfect simplicity" Episódio 5, Abri.

[74] Fonte: Episódio 8, USA vs Theodore Kaczynski.

[75] Fonte: <[[https://helenair.com/news/state-and-regional/govt-and-politics/montana-historical-society-eyes-unabomber-cabin-after-d-c-museum-displaying-%c3%adt-plans-to-close/article_62aa0ff7-2b67-S1bd-9611-][https://helenair.com/news/state-and-regional/govt-and-politics/montana-historical-society-eyes- unabomber-cabin-after-d-c-museum-displaying-ít-plans-to-close/article_62aa0ff7-2b67-S1bd-9611-6f4c1197233c.html>. Acesso em 26 jan. 2021.

[76] Fonte: Episódio 8, USA vs Theodore Kaczynski.

[77] “the Unabomber's cabin has been exhausted as a motif in American art, if not in Europe". The Art of Darkness. NY Times. Disponível em:

<http://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/slideshow/2008/07/19/arts/design/0719-NATURE_3.html>. Acesso em 26 jan. 2021.

[78] Fonte: The Art of Darkness. The New York Times. Disponível em: <http://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/slideshow/2008/07/19/arts/design/0719- NATURE_3.html>. Acesso em 26 jan. 2021.

[79] Fonte: #Unabomber Ted Kaczynski’s cabin on display at the #Newseum in Washington, D.C. 2021. Twitter: Counter-IED. Disponível em: <https://twitter.com/counteried1/status/816745982461349888>. Acesso em: 26 jan. 2021.

[80] Fonte: UNABOMBER’S Cabin Reconstruction at FBI Headquarters. Washington: Office Of Public Affairs, 202-. Son., color. Disponível em: <https://www.fbi.gov/video-repository/unabombers-cabin-reconstruction- at-fbí-headquarters/view. Acesso em: 13 ago. 2022>.

[81] Yaitanes, formado em Cinema e Televisão pela Universidade de Southern California, foi o diretor da série e tem extensa experiência com televisão. Yaitanes dirigiu 30 episódios de House M.D., tendo ganhado um Emmy na categona Outstanding Directing for a Drama Series por seu trabalho nesse programa. Recentemente dirigiu episódios do spin-off de Game of Thrones, House of the Dragon (2022). O diretor é famoso por ter sido um dos primeiros investidores da rede social Twitter e foi convidado em diversas ocasiões para palestrar na empresa. Ele ficou conhecido por interagir, durante as gravações, com os fãs nessa rede social, passando informações sobre as filmagens e obtendo um retomo instantâneo. JACKMAN, Ian. House M.D: the official guide to the hit medical drama. [S.I]: Harpercoilins, 2010; Greg Yaitanes. Internet Movie Database (IMDb).
Disponível em: <https://www.imdb.com/name/nm0944981/?ref_=ttfc_fc_dr1>. Acesso em 23 fev. 2023.

[82] "The only thing we had on studio was the interior of his cabin. We did a field trip to the Newseum, in Washington D C, I don't think it is around anymore, but the cabin was in there and so we studied the cabin, every inch, every texture. It was meticulously recreated except for the added height difference between Ted and Paul, because Paul is taller than Ted, so we add a few inches on the top just to make it so he wasn't hunched around inside. Otherwise, everything was so perfectly recreated. Erik Carlson made our product design, and his prop team was outstanding. We have photos, the evidence and the real thing and were it was, it was so much documentation that it was absolutely incredible to recreate". YAITANES, Greg. Entrevista concedida à Rodolpho Hockmuller Menezes em 19/05/2022. Arquivo pessoal.

[83] Fonte: Arquivo pessoal - fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[84] Fonte: Arquivo pessoal - fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[85] "That cabin was going to play a major character, it is so iconic and it's one of those things that you can Google and know where we messed up or was lazy [. .] We were as close as we could get to the real thing based on the photos. We dressed and redressed that cabin dozens of times depending on which version we were working with. We built three different versions. One was in the woods, one could be lifted and transported, and one was on stage without walls and easy for us to film in’. Meet Erik Carlson, The Designer Behind Manhunt. Unabomber[1]. AWARDSDAILY, 2017. Disponível em:
<https://www.awardsdaíy.com/2017/10/17/rterview-eri<-carisonZ>. Acesso em: 28 jul 2022.

[86] Muitos sites e jornais publicaram sobre os livros encontrados na moradia de Ted Kaczynski em Montana. Inclusive, em seu site pessoal, o agente aposentado, James Fitzgerald, publicou um capítulo bônus com a listagem dos livros presentes na casa. Entre eles, encontramos livros sobre alimentação, plantas, cogumelos e animais nativos, psicologia, química, história, linguagens (francês, russo, espanhol, alemão, latim, etc) além de clássicos da literatura como Mark Twain, Shakespeare, Maquiavel e Dickens. Ver mais em: Bonus Chapter 20A - The List. James Fitzgerald, 2017. Disponível em:

<https://www.jamesrfrtzgerald.com/bonus-chapter-20a-the-list/>. Acesso em 9 de fev. 2023; JOHNSTON, David. Cabins Inventory Provides Insight. The New York Times, 1996. Disponível em: <https://www.nytimes.com/1996/04/16/us/cabin-s-inventory-provides-insight.html>. Acesso em 9 de fev. 2023; The cabin manifest: bombs, 239 books. Tampa Bay Times, 1996. Disponível em: <https://www.tampabay.com/archive/1996/04/16/the-cabin-manifest-bombs-239-books/>. Acesso em 9 fev. 2023.

[87] YAITANES, Greg. Op. cit.

[88] Sodroski se formou em História Medieval na Universidade de Harvard, atualmente mora na Polônia. Ele é um jovem roteirista que iniciou na indústria televisiva recentemente, tendo como crédito apenas dois trabalhos: Manhunt: Unabomber e Manhunt: Deadly Games. Andrew Sodroski. Pacific View, [s.d]. Disponível em: <https://pacificviewla.com/andrew-sodroski/>. Acesso em 25. fev. 2023.

[89] Gittleson foi o escritor do roteiro original comprado pela Discovery. Esse texto não foi o roteiro final utilizado para a filmagem de Manhunt. Gittleson escreveu o longa biográfico A Life In A Day, que conta a história de Brian Epstein, o empresário da música que lançou os Beatles. Sua experiência, entretanto, é como diretor assistente em filmes como: Awakenings (1990), Searching for Bobby Fischer (1993), Heroes (2006) e Veronica Mars (2006 - 2007). Assim como Sodroski, Gittleson estudou em Harvard e viveu em Massachussetts. GITTLESON, Tony. Entrevista concedida á Rodolpho Hockmuller Menezes em 18/05/2022. Arquivo pessoal; Tony Gittelson. Internet Movie Database (IMDb). Disponível em: <https://www.imdb.corn/name/nm0321254/>. Acesso em 25 fev. 2023.

[90] GITTLESON Tony Op cit.

[91] “EXT. TED’S CABIN IN THE WOODS - LATER AFTERNOON. Like Thoreau’s cabin... only everything about this cabin is malign. Less Walden Pond, closer to the fox's lair in the Little Red Riding Hood. A Light snow falls. We slowly PUSH IN..." Arquivo Pessoal. Roteiro original de Manifesto cedido por Tony Gittleson.

[92] Sodroski formou-se como bacharel em História Medieval.

[93] “For me that stuff is really compelling. When I think about the Unabomber, part of what I think is attractive to many people about this story is just like the vision of that cabin. And there it seems really beautiful; it is like Thoreau s you know? Thoreau s cabin... I grew up in Massachusetts and we would go to out to the Walden Pond all the time and it is a huge tourist attraction because people wanna envision that life. So, part of making this show for me actually was my own fantasy of putting myself in that world, and could I live in that cabin? Could I live like that? The cabin was built on the woods, and I remembered just going in there sitting at Ted's desk for a long, long time and it is compelling". SODROSKI, Andrew. Entrevista concedida à Rodolpho Hockmuller Menezes em 06/06/2022. Arquivo pessoal.

[94] “Yeah, but I had running water and electricity and it was very lovely, thank you very much but [...] I separated, I had days you know and weekends and I think the longest I did it for was three days, I'm a father, you know, I gotta be in contact but I wanted to sort of experience a loneliness for three days because we don't get that with texting and email and you know, it's being online and checking the news and to really switch off and have any of that for three days not have contact with people. It’s funny when came to work on morning and my voice cracked because I hadn't needed to use it [...]’. Paul Bettany Speaks On "Manhunt: UNABOMBER". BUILD Series. YouTube, 24 de jul. de 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=n6A2kU3BhXU>. Acesso em 29 de jul. de 2022.

[95] Sam Worthington - 'Manhunt: Unabomber', Minimalism, ’Avatar' - Jim Norton & Sam Roberts Show. YouTube, 21 de julho de 2017. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=rqyZuVt8A2A>. Acesso em 29 de julho de 2022.

[96] Fonte: Arquivo pessoal - fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[97] Arquivo pessoal. Roteiro original de Manifesto cedido por Tony Gittleson, p 1

[98] JUNQUEIRA, Mary Anne. Op cit, 2000, p.57.

[99] JUNQUEIRA. Mary Anne. Estados Unidos: Estado nacional e narrativa da nação (1776-1900). São Paulo: EDUSP, 2018. p. 60.

[100] Idem.

[101] tó/d., 2016, p, 61.

[102] NASH, Roderick. Wilderness and the American Mind. New Haven: Yale University Press, 2014, p. 8- 43

[103] Ainda mais, o Monte Sinai, no coração da wilderness, foi o lugar em que Deus revelou os dez testamentos. Segundo Nash, paradoxalmente, dentro da tradição cristã a wilderness aparece como um lugar de refugio e de contato próximo ao divino. NASH, Roderick. Op cit.

[104] NASH, Roderick. Wilderness and the American Mind New Haven: Yale University Press, 2014, p. 8- 43

[105] Ibid., p. 68.

[106] Ibid., p. 69.

[107] /fc/d., p 143.

[108] Ibid.

[109] JUNQUEIRA, Mary Anne. Op cit, 2018.

[110] NASH, Roderick. Op. cit , 2016, p.14fi.

[111] 'A wilderness, in contrast with those areas where man and his owns works dominate the landscape, is hereby recognized as an area where the earth and its community of life are untrammeled by man, where man is a visitor who does not remain’. Wilderness areas (c). 16 U.S. Code § 1131. National Wilderness Preservation System. Disponível em: <https://www.law.comell.edu/uscode/text/16/1131>. Acesso em 10 fev 2021; Ver também: The Wilderness Act of 1964. The United States Department of Justice. Disponível em: <https://www.justice.gov/enrd/wildemess-act-1964>. Acesso em 10 fev. 2021

[112] PRADO, Maria Ligia Coelho. América Latina no século XIX: tramas, telas e textos. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.

[113] Ibid , p 197

[114] Ibid., p 192.

[115] Fonte: Kindred Spirits por Asher B. Durand (1849). Óleo sobre tela. Crystal Bridges Museum of American Art. Disponível em: <https://collection.crystalbridges.Org/objects/148/kindred-spirits#>. Acesso em 26 jan 2021.

[116] Fonte: Episódio 1, UNABOMB.

[117] Agente treinado em traçar os perfis psicológicos de criminosos.

[118] Fonte: Episódio 1, UNABOMB.

[119] Fonte: Episódios 6 e 8, Ted e USA vs Theodore Kaczynski.

[120] Fonte: Arquivo pessoal. Fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[121] Fonte: Episódio 8, USA vs Theodore Kaczynski.

[122] Natalie Rogers é uma personagem ficcional. Estudante de doutorado, auxiliou James Fitzgerald durante a investigação do caso Unabomber

[123] “Natalie: So, now what? Fitzgerald: Don't know. Anything we want, right?’. Fonte: Episódio 8, USA vs Theodore Kaczynski.

[124] “For me, it was the part about driving. Every time I got in the car, I thought about it. The more I drove, the more it made sense. Like, there was this one night, I was driving home from work, and there was nobody on the street - -1 mean nobody. And I’m sitting there at a red light, just waiting, waiting. And there's no cars anywhere. But, still, I sat there. I obeyed. That’s when I realized it’s not about technology, it s not about machines. It's about what they're doing to us. It's about what they doing to us, what they do to our hearts, 'cause our hearts are no longer free’ Episódio 2, Pure Wudder.

[125] “I remember reading the manifesto when I was, I guess six-grade or something and even at the time thinking like “okay, this is something really cool, this guy is on to something” At the same time, I remembered when I was a kid my grandma used to send packages to our house in the mail and she sent cookies or whatever in these packages, but she would wrap them exactly like the Unabomber package. She would I don't know why but she would have the brown paper and all this crazy tape and the string. My dad was a scientist, kind of like the package would arrive and there was always this sense of "wow, wait a second, I know is from grandma, but it could... it could be... from him* and so anyway I’m sitting in this waiting room and remembering all these things and I'm like okay, well maybe there is something, maybe there is a show there. Then a couple of days later I got a copy of the manifesto and I thought, I’m not gonna do the show, and then I'm just gonna read the manifesto and then just refresh myself, and then I read the manifesto and “oooh, Yes!!! this is why!!’". SODROSKI, Andrew. Entrevista concedida à Rodolpho Hockmuller Menezes em 06/06/2022. Arquivo pessoal.

[126] “The common strain that binds together the attitudes and ideas which I call anti-intellectual is a resentment and suspicion of the life of the mind and those who are considered to represent it; and a disposition constantly to minimize the value of the life' HOFSTADTER, Richard. Anti-intellectualism in American Life. New York: Alfred A. Knopf, 1966. p.7.

[127] A obra de Hofstadter foi publicada nos Estados Unidos em 1963. O trabalho foi profundamente influenciado pelo contexto em que o autor estava inserido, sendo um acadêmico crítico a repressão macartista da década de 50. Segundo Weiland, esse movimento político estimulou o historiador a escrever esse livro, Hofstader em uma reflexão sobre aquele período disse '[era] uma atmosfera altamente maliciosa e de uma imbecilidade sem graça". Essa obra, até o presente, continua como central nos Estados Unidos para estudar o anti-intelectualismo. Durante nossa pesquisa, notamos uma ressurgéncia no interesse pela temática, com artigos recentes sendo publicados. Todavia, invariavelmente, os autores mobilizam Hofstadter para criticar ou expandir as intepretaçoes sobre o tema. Ver mais em: WEILAND, Steven. The Academic Attitude: Richard Hofstadter and the anti-intellectuals. The Antioch Review, [S.L.], v. 46, n. 4, p. 462, 1988. JSTOR. http://dx.doi.org/10 2307/4611948.

[128] Ibid., p. 145.

[129] Ibid., p 274

[130] Ibid., p. 159.

[131] Ibid., p. 167.

[132] JUNQUEIRA, Mary Anne Op cit, 2018. p. 64.

[133] Ibid.

[134] HOFSTADTER, Richard. Op cit., p.159.

[135] Idem.

[136] HOFSTADTER. Richard. Op cit., p.160.

[137] Ibid., p.159.

[138] HOFSTADTER, Richard. Op cit., p. 258

[139] Ibid., p. 259.

[140] Segundo Hofstadter, durante a história dos Estados Unidos, as universidades dependeram, em grande medida, de doações privadas para sua infraestrutura e pesquisa. Assim, apesar de recorrentemente os intelectuais daquele país se beneficiarem desses recursos, existem conflitos e insatisfações com o demasiado poder que essa classe exerce sobre a educação universitária e a prática intelectual. HOFSTADTER. Richard. Op cit.

[141] “The extension of classical and liberal studies through the college years was often considered even worse than academic schooling at the high-school level, because it prolonged the youth’s exposure to futile studies and heightened his appetite for elegant leisure." Ibid., p.258.

[142] "Intellectuals, it may be held, are pretentious, conceited, effeminate, and snobbish, and very likely immoral, dangerous and subversive. The plain sense of the common man, especially if tested by success in some demanding line of practical work, is an altogether adequate substitute for, if not actually much superior to, formal knowledge and expertise acquired in the schools. Not surprisingly, institutions in which intellectuals tend to be influential, like universities and colleges, are rotten to the core [,..] anti-intellectuals exhibit distaste for the smugness and superiority they believe accompanies intellectual life. For antiintellectuals, the intellectual generates suspicion and cynicism. Intelligence maybe valuable and useful, but intellect dangerous.” Ibid., p. 19-21.

[143] “I was doomed to be a freak from the start” Episódio 6, TED.

[144] “I wasn’t ready. But the worst part was I was still smarter than everyone else" Episódio 6, TED.

[145] “Even 40 years later, I guess you can say that Doug was the only real friend I ever had" Episódio 6, TED.

[146] “Professor Henry Murray, he was everything I wanted to be, a beaming Greek god of Harvardness' Episódio 6, TED.

[147] “For him to select us, to bring us into the inner circle of the fold* Episódio 6, TED.

[148] “His was a hand of God, separating sheep from goats" Episódio 6, TED.

[149] “It was as if Christ Himself came down and asked me about my life’ Episódio 6, TED.

[150] “We talked about everything, every crevice of my life, my dreams, my fears' Episódio 6, TED.

[151] Aqui, me refiro a como o projeto MKUItra é representado na narrativa. Para ver mais sobre os experimentos conduzidos em Kaczynski durante seu período em Harvard, veja: CHASE, Alston. Harvard and the Unabomber: the education of an American terrorist. New York: W. W. Norton & Company Inc., 2003.

[152] “Some of Harvard's most distinguised thinkers' Episódio 6, TED.

[153] “They found the majority of your ideas to be derivative, cliched and juvenile’ Episódio 6, TED.

[154] “From a thired-rate thinker's mass-market paperback’ Episódio 6, TED.

[155] “A creepy, beta-male" Episódio 6, TED.

[156] “I'm afraid Theodore is in desperate need of psychological intervention” Episódio 6, TED.

[157] “Many people regularly call him a creep' Episódio 6, TED.

[158] Fonte: Arquivo Pessoal. Fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[159] Fonte: Arquivo Pessoal. Fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[160] “David, I keep asking how'd I go from this innocent little kid to this? I think it was Harvard that did it’ Episódio 6, TED.

[161] “Sometimes, I think I'm just trying to punish those people because they have what I really want - a home, a family, the ability to be normal. I am 53 years old, and I’m a virgin' Episódio 6, TED.

[162] CARLSON, Ashley Lynn. Introduction. In: CARLSON, Ashley Lynn (ed.). Op cit., 2015. p. 1-9.

[163] VON CZARNOWSKY, Laura- Marie; SCHIMMELPFENNING, Annette. True Detective or Smooth Criminal: the (dys)functional genius in contemporary detective shows. In: CARLSON, Ashley Lynn. Op cit., 2015. p. 185-197.

[164] ‘In many representations, however, the notion of genius is mediated by a long-running myth of Anti- intellectualism which recuperates the characteristics of genius by pathologizing such characters until the already fine line between genius and madness disappears altogether. Thus, while the current resurgence of intellectuals on television can certainly stimulate our own thinking, it also influences our perceptions of genius through repeated portrayals of the genius as tragically flawed [...] [allowing] the viewer to celebrate specific characterizations of intellectuality while maintaining an anti-intellectual stance of detached (anti)- enlightenment”. LONG, Jz. Mediated Genius, Anti-Intellectualism and Detachment(s) of Everyday Life. In: CARLSON, Ashley Lynn. Op cit., 2015. p. 32-48.

[165] “I think people are surprised when they see how much humanity Ted was given because he deserved to be represented as accurately as possible, which he was human but disturbed. We also wanted to show that there is a fine line with genius, it is a fine line between inventing the iPhone and becoming the Unabomber". Yaitanes, Greg. Op. cit.

[166] CARLSON, Ashley Lynn. Introduction. In: CARLSON, Op cit., 2015. p. 1-9.

[167] DRURY, Richard L. Community Colleges in America: a historical perspective. Inquiry, S.l, v. 8, n. 1, p. 1-6, spring 2003. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltexVEJ876835.pdf. Acesso em: 21 jan. 2023.

[168] “I think is kind of true in a sense, and this really did happen to Fitz, not exactly the way that we showed it. I think his family life did felt a part and, he sort of like... the case took over, he ended up leaving his family and the case kind of came between and destroyed his marriage and he ended up at a beach house for a while, it wasn't in the woods but you know... This is why it's not a documentary, right?" SODROSKI, Andrew. Op. cit.

[169] Na chamada “era de ouro' da televisão, com seu caráter comercial, as representações da família unificavam uma identidade majoritária americana burguesa. Elas eram representações idealizadas do American Dream. Imagens genéricas de famílias brancas de classe média caracterizaram grande parte do horário nobre da televisão a cabo desde a década de 1950. As produções televisivas mais recentes ofereceram uma "construção específica* de mundo. A visão de mundo da 'nova" televisão se contrapõe á “era de ouro’, representando disfuncionalidades na vida familiar. Ver mais em: PRESS, Andrea. Gender and Family in Televisions Golden Age and Beyond. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 625, 2009, pp. 139-50; COGHLAN, J. Conceptualizing (re) worked narratives of the American family: From the American Dream to American decay in new* television. Australasian Journal of Popular Culture, 5(1), 2016, pp.33-48; JENKINS, C. Home Movies: The American Family in Contemporary Hollywood Cinema. I B. Tauris, 2019; LEVY, Emanuel. The American Dream of Family in Film: From Decline to a Comeback.' Journal of Comparative Family Studies, vol. 22, no. 2,1991, pp. 187-204; COONTZ, Stephanie. The way we never were. American family and the nostalgia trap. Nova York, Basic Books, 2000.

[170] 'At the time his marriage was having issues, you know young kids. This is a big creative license... after he broke the Unabomber case his marriage broke up, I guess he told you, and he ended up with a very attractive and very smart linguist. So, I said let's just assume you meet her working at the case, well bring her as a love interest and we'll change that and go to her for advice, and they both loved that, they said we can do that, that's great" SODROSKI, Andrew. Op cit; '\Ne took that later incident, and we just moved it up, and he wanted it to be clear, that he wasn't unfaithful to his wife during his marriage, but ok, I can have a romantic tension, you know, he did want to come across as good guy, which he is, he's a very good guy. I really liked the romantic tension and actual unfulfilled romantic relationship, his marriage is in trouble ... I really liked the idea of that tension, he did become legitimated obsessed with the Unabomb case, he was away, I think in San Francisco, and his marriage was already on the rocks or having troubles and it did become... So, this is all great for a character, he's immersed in this case, he's obsessed on figuring it out using only the language, he's getting a lot of pushbacks, and that’s not usually how the FBI solves cases. So, a lot of good dramatic elements. So that's the one big creative license we took" GITTLESON, Tony. Op cit

[171] “The work coming out of your department. Hasn't been publishablei n 20 years' Episódio 3, Fruit of the poisonous tree.

[172] “Was there a corrections page appended to the front? Or "Errata"? Was it in english or latin?" Episódio 3, Fruit of the poisonous tree.

[173] “Leave it to the comparative Linguistics grad student. To focus on what's relevant” Episódio 3, Fruit of the poisonous tree.

[174] “Did you all read Paragraph 88? Some scientific work Has no conceivable relation to the welfare of the human race, Comparative linguistics, for example" Episódio 3, Fruit of the poisonous tree.

[175] “So who do we see about our per diem?” Episódio 3, Fruit of the poisonous tree.

[176] HOFSTADTER, Richard. Op cit.

[177] “They are representational targets. Gil murray was a symbol of something for him. All of his targets symbolize something for FC’ Episódio 1, Unabomb.

[178] “We've got hard forensic evidence that he's a trained airline mechanic. Look - batteries soldered in series, encased in a wire cage just like airplane power bricks, he's an expert at casting and shaping aluminum, and look - look at this new switch he's developed. It looks exactly like an airplane tail stand on a 747’ Episódio 1, Unabomb.

[179] 'A fingerprint off One of those pages [..] A single strand of hair Would be far more valuable Than anything You are gonna get from reading the guy's rant' Episódio 1, Unabomb.

[180] Fonte: Arquivo Pessoal. Fotografia cedida porGreg Yaitanes.

[181] BRAIT, Beth. A Personagem. São Paulo: Ática 1985 pp 53-54,

[182] Ismail Xavier explora com detalhes o papel do narrador, e da voz over, no audiovisual: Para ver mais: XAVIER, I. O olhar e a voz: a narração multifocal do cinema e a cifra da História em São Bernardo. Literatura e Sociedade, [S. I], v. 2, n. 2, p. 126-138, 1997. DOI: 10.11606/issn.2237-1184.v0i2p126-138. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ls/article/view/13886. Acesso em: 3 jun. 2023.

[183] Fonte: Arquivo Pessoal. Fotografia de David Atterton, cedida por Greg Yaitanes.

[184] SILVA, Marcei Vieira Barreto; FONTENELE, Melissa M. Entre realidade e ficção: a voz over e as imagens de arquivo em narcos. Fronteiras - Estudos Midiáticos, [S.L v. 19, n. 1, p. 62-70, 26 out. 2016. UNISINOS - Universidade do Vale do Rio Dos Sinos, <http://dx.doi.org/10.4013/fem.2017 191 06>, p.65.

[185] NICHOLS, B. 2012. Introdução ao documentário. Campinas, Papirus, 270, apud, SILVA, Marcei Vieira Barreto; FONTENELE, Melissa M. Op. cit.

[186] SILVA, Marcei Vieira Barreto; FONTENELE, Melissa M. Op cit.. 2016, p. 67

[187] Idem.

[188] Ibid., p.64.

[189] Ibid., p.71.

[190] “You're a cog in the machine, Fitz, embrace it, bruh" Episódio 1, Unabomb.

[191] “They want you to obey. They want you to be a sheep like they are sheep - obedient, unquestioning piece of machinery. Sit when told to sit, stand when told to stand. They want you to give up your humanity, your autonomy for a paycheck, gold star, bigger tv. The only way to be human, the only way to be free, is to rebel. They'il try to crush you. they'll use every tactic they have to make you obedient, docile, subservient, but you can't let them. You have to be your own master, whatever that takes. Better to die a human being than to live as a purposeless cog in their machine" Episódio 1, Unabomb.

[192] Fonte: Episódio 2, Pure Wudder

[193] "[Fitzgerald 'In modem society, all that's required of you is obedience' Isn't that exactly what cole said?”; “[Cole]: You can put that in your threepage summary. Leadership tips from the unabomber". Episódio 2, Pure Wudder.

[194] “I wrote a parking ticket. The Chief asked me to make it go away 'cause it was for a friend of a friend, and I didn't " Episódio 1, Unabomb.

[195] "[Kaczynski] What I really appreciate about you is that most people take language for granted, but not you. You saw it differently, and that is the first step toward becoming free.. A shift in perspective, manifesto, for instance.. I never liked that moniker. It makes it sound like an unconsidered rant, and you and I both appreciate the power and specificity of words. Manifesto versus article, insanity versus enlightenment, mental breakdown versus extended leave from active duty. You have had a change of life circumstance, since your work on the Unabomb case, am I wrong? [Fitz] Yeah, I have. [Kaczynski] Because of what I allegedly wrote? [Fitz] Yes [Kaczynski] What was it? Just between us" Episódio 1, UNABOMB.

[196] 'One of the things that was you know that came out of our interviews and Fitz was just like after spending so much time analyzing every line of the manifesto and analyzing test writings you know fits definitely had a connection to the messaging. It wasn't that Ted, again it was wrong. I mean where he is in a way a bit of a prophet to what where we find ourselves today. So, mirroring them was deliberate because it was a way to represent how ted messaging not knowing who he was at least you know really what was going on was a way to get inside the head and to show that he was getting inside the head. And, that there was maybe something to being off the grid [...]'. YAITANES, Greg. Op. cit.

[197] “I was trying to tell a story about this character who over the course of this investigation becomes kind of obsessed with the manifesto and slowly goes from being a family man and a cop with some extraordinary abilities and a bit of an outsider to being the Unabomber. And then, at the same time tell his story from his return, coming back from being the Unabomber, confronting Ted Kaczynski and a making some kind of peace with the fact that this case isn't black and white and there isn't a bad guy here really, and that's kind of a tragedy all around " SODROSKI, Andrew. Op. cit.

[198] Ibid.

[199] “But the other part was making it feel immediate, making it feel like there is an immediate and visceral connection between what Ted is doing which is actually very intellectual and detached: it s through the mail and these packages and through the messages and through writing and Fitz's world which it has all this drama and intensity to it and so, Ted was communicating through letters and through the packages and through his bombs, so the voice-over is our way of making it visceral that voice, you know? That sort of authorial voice of Ted's and bringing into our world, and I think trying to get the feeling that you're in the presence of someone who's really insightful and really smart as well. Whafs scary about the voice-over is that the voice of the killer telling you really, really, insightful things about your world. That actually if you stop and think about the miracle of the postal service, you'll see things in a different way. You actually start to see life in a different way and that's just in a first minute, you know what I mean? But is also being told by a guy who's sending me a bomb. So you've these direct engagements with those ideas, that again I think is about always searching for aways to make it very visceral, vicarious connection with that. Ibid.

[200] ‘Discovery's target audience is kind of like older parents, sort of baby-boom parents and their blue-collar, more male children who were living at home, and they are all looking for something to watch together. The idea is that they have a big television in the living room, the sixty-something parents and their thirtysomething children are all living together and all looking for something they can agree on. So that's like what you're targeting, and I think generally more conservative and more in the middle part of the country, is their kind of target demographic. I don't know if that is still true actually now, but back then that was the kind of audience that we were shooting for So, we are trying to show like, you know, emphasizing ingenuity, emphasizing that kind of blue-collar experience versus book knowledge. These were kind of like themes that were very natural for the show and that were speaking to the audience" Ibid.

[201] “What Discovery was interested in was a blue-collar protagonist going up against the system, kind of in a Maverick kind of way, and “discovering" something. And so like, part of what they were looking for was a blue-collar protagonist who discovers a whole new way of doing something and then sort of discovers, “Discovery?, right. The nature stuff was just ice on the cake for them, they have all those back-to-nature shows" SODROSKI, Andrew. Op. Cit.

[202] Valim abordou o audiovisual, política e recepção a partir da História Social. Ver em: VALIM, Alexandre Busko. Entre textos, mediações e contextos: anotações para uma possível história social do cinema. História Social (Campinas), Campinas - SP, v. 11, n.1, p. 17-40, 2006.

[203] JACKSON, David. Cruz beats Trump in Wisconsin, increasing chances of open convention. USA Today. 2016. Disponível em: <https://www.usatoday.com/story/news/politicsfelections/2016/04/05/ted-cruz-donald- tnjmp-wisconsin-primary-john-kasich-never-trump-organizat]ons/82657580/>. Acesso em: 08 jan. 2023.

[204] Para ver mais sobre Bush e o neo conservadorismo nos EUA: MOLL NETO, Roberto. Reaganation: a nação e o nacionalismo (neo) conservador nos Estados Unidos (1981-1988). 2010. 265 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010; JUNQUEIRA, Mary Anne. Os discursos de George W. Bush e o excepcionalismo norte-americano. Margem (PUCSP), São Paulo, v. n° 17, p. 163-171, 2004.

[205] "They confront the same empire of nothing’ produced by neoliberalism but reject the war, centralized state power, and Judeo-Christian values which characterized neoconservatism, and ideology further tainted by the fact there are many neocons are both Jewish and former leftists. They are not alone on the right in viewing neoconservatism as a suspiciously leftist species off conservatism: overly urban, intellectual, Jewish and ideological” TAYLOR, Blair. Aft-right Ecology: Ecofascism and far-right environmentalism in the United States. In: FORCHTNER, Bernhard (ed.). The Far Right and the Environment: politics, discourse and communication. New York: Routledge, 2020. p. 231.

[206] NEIWERT, David. Alt-America: the rise of the radical right in the age of Trump. New York: Verso, 2017.

[207] CUNNANE, Megan; RAPHAEL, T.J. Donald Trump and the Pitfalls of Anti-Intellectualism. WYNC, 2016. Disponível em: <https://www.wnycstudios.org/podcasts/takeaway/segments/how-history-anti-intellectualism-explains-trump>. Acesso em: 08 jan. 2023.

[208] Ibid.

[209] ALBA, Davey; WOHLSEN, Marcus. Trump Is Meeting With Tech CEOs, and It’s Gonna Be Awkward. Wired. Disponível em: <https://www.wired.com/2016/12Arump-meeting-tech-ceos-gonna-awkward/>. Acesso em: 17 jan. 2023.

[210] LUCAS, Ryan. DOJ Watchdog On Russia Probe: No Evidence Of Bias, But Problems With Surveillance. National Public Radio. 2019. Disponível em: <https://www.npr.org/2019/12/09/785525132/justice- department-watchdog-report-on-russia-investigation-due-monday. Acesso em: 08 jan. 2023>.

[211] An examination of the 2016 electorate, based on validated voters. PEW RESEARCH CENTER, 2018. Disponível em: <https://www.pewresearch.org/politics/2018/08/09/an-examination-of-the-2016-electorate- based-on-validated-voters/>. Acesso em: 08 jan. 2023

[212] LOTZ, Amanda D. Op. cit, 2014.

[213] ABOUT US. XG PRODUCTIONS. Disponível em: <https://www.xgproductions.com/about>. Acesso em: 13 jan. 2023.

[214] “What got me connected to Jim Clemente, he was a friend of a friend. Jim had read a screen play of mine about Brian Epstein, the man who discovered and managed the Beatles, it was sort of a bio-picture about the Beatles and Brian Epstein. He had read that liked a lot and we were just sort of socially friendly, and then he said: “you realty should meet my friend James Fitzgerald he*s the profiler who broke the Unabomber case’. GITTLESON, Tony. Op.cit.

[215] GITTLESON, Tony. Op.cit

[216] 'CAMPUS PSYCHIATRIST: Perhaps you can tell me why you're here. TED: I haven’t been, happy. (...)TED: I have- I have a difficult time—relating to people. Women especially.(...) CAMPUS PSYCHIATRIST: Why have you decided to seek counseling now? TED: (a painful silence, then) I need medical permission to have a sex change operation [...] CAMPUS PSYCHIATRIST Mr. Kaczynski...changing your gender is a long, complicated process. It can take years. I think we ll need to understand your underlying. . The Psychiatrist continues to talk, only his VOICE is replaced by Ted's VOICE OVER: TED (V.O.): I felt disgusted by what my uncontrolled sexual cravings almost led me to do- literally to emasculate myself... Then, like a Phoenix, I burst from the ashes of despair to glorious new hope... I realized, why not really kill the psychiatrist-and everyone else I hate? Everyone who ever humiliated and tormented me. What was important wasn't the words that ran through my mind, but the way I felt about them..". Arquivo Pessoal. Roteiro original de "Manifesto’ cedido por Tony Gittleson.

[217] GITTLESON, Tony. Op.cit

[218] “I think it was more psycho-sexual than it was. I think that was a much deeper rage, he's what's now called an Incel. I think that was a lot of what he was. He is an Incel, that's today s terminology, so between the good guy, Fitzgerald, our Hero, and very, very mixed-up bad guy and these two guys". GITTLESON, Tony. Ibid.

[219] “One of the topics they want us to stay away from specifically and I think nghtly so given we didn't really have enough real state to really go into it, they didn't wanna get into Ted’s sexuality. Something we didn't really put it was that you know his relationship with Doug in episode six. Was one more, had more an exploratory sexual nature to it. So, we didn't include that Ted wanted to get a sex change and that was when he decided to kill people, like the doctor that had denied him. We couldn't do enough justice and also, we didn't want to peg that as the reason why he was doing things. We were very sensitive about what Silence of Lambs did to the trans community and felt that you know, we didn't see an away forward with that part of the story without really deep dive". YAITANES, Greg. Op.cit.

[220] GITTLESON, Tony. Op.cit

[221] 'It's a total invention and Fitzgerald knows it is an invention. If I had had proposed it, he would've kicked me out of the door. Again, I have high regard for Fitzgerald, he*s a nice guy he's a thoughtful guy. I understand he got kind of chewed up by Hollywood too (...) so you made compromises that I think he hated but all this nonsense that he became like Kaczynski or so deeply (...) I remember the opening scene; we're supposed to think °Oh my gosh this bearded guy in a cabin is Kaczynski’ It's just absolute bullshit it's nonsense you know, and it is unnecessary creative license. It's what the head of Discovery wanted, they wanted to sex it up you know, and they need eyeballs. I think I'm sure they decided my approach was too close to the actual story which I thought was a virtue they didn't. They wanted to sex it up, to tarted it up so he had his mind meld with Kaczynski which didn't happen. They get immersed in the language deeply, embedded? Yes. Did he turn into Ted? No. (...) I mean it's laughable on the face of it and I laughed when they finally sent the scripts for the arbitration, I was reading them I was aghast it was like it was it was so goofiest to be funny. It was just completely total writers' invention and again if I proposed to Fitzgerald I'm sure he would’ve said I'm not allowing that". GITTLESON, Tony. Op.cH.

[222] “I was so dismayed. Basically, I took the money and run. I was so glad it was over. It's unfortunate, it's a real cautionary tale of Hollywood. You write something, you sell it, you set it up, it goes into production and at the end, you feel you want to disown it" Ibid.

[223] 'It's Not TV, It s HBO". LOTZ, Amanda. If It’s Not TV, What Is It? The case of U.S. subscription television. In: BANET-WEISER, Sarah; CHRIS, Cynthia; FREITAS, Anthony (ed.). Cable Visions: Television Beyond Broadcasting. New York: NYU Press, 2007. p. 1-384.

[224] MITTEL, Jason. Narrative Complexity in Contemporary American Television. The Velvet Light Trap. Austin, p. 29-40. Fall. 2006.

[225] CARDWELL, Sarah. Is Quality TV any good? generic distinctions, evaluations and the troubling matter of critical judgement. In: MCCABE, Janet; AKASS, Kim (ed.). Quality TV: contemporary American television and beyond. New York: I B Tauris, 2007. p.24-31

[226] Ibid.

[227] Ibid., p.24.

[228] YAITANES, Greg. Op cit.

[229] DEHNART, Andy. Will Shark Week Get Back to Reality This Year? Vulture, 2015. Disponível em:

<https://www.vulture.com/2015/07/shark-week-D/scovery-back-to-reality.html>. Acesso em: 23 de nov. de 2022

[230] “of timelessness that is pretty care in the world of entertainment"; "a great celebratory manifestation of what the network stood for, stands for, what is most loved about if. Ibid .

[231] HARWELL, Drew. Life after Honey Boo Boo': Inside Discovers fight to grow up. The Washington Post, 2016. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/business/economy/life-after-honey-boo- boo-inside-D/scoverys-fight-to-grow-up/2016/01/01/df53888c-99cd-11e5-94f0-9eeaff906ef3_story.html>. Acesso em: 23 de nov. de 2022

[232] Celebrating 27 Years of Discovery. DISCOVERY INC, 2012. Disponível em: <https://corporate.Dfscove/y.com/blog/2012/06/17/celebrating-27-years-of-Discove/y>. Acesso em: 23 de nov. de 2022

[233] GIORDANO, Morgan. Remember when TLC used to be called 'The Learning Channel'? America Online “Aoi”, 2015. Disponível em: <https://www.aol.eom/article/2015/05/25/remember-when-tlc-used-to- be-called-the-leaming-channel/21186889/>. Acesso em: 23 de nov. de 2022.

[234] BECKER, Nathan. Discovery Buys BBC Stake In Animal Planet, Liv For $156M. The Wall Street Journal, 2010. Disponível em:

<https://www.wsj.com/articles/SB10001424052748703326204575616523472157804>. Acesso em: 23 de nov. de 2022

[235] Discovery Communications CEO David Zaslav to Present at UBS Global Media and Communications Conference. DISCO VERY INC. Warner Bros. Discovery. 2014. Disponível em:

<https://ir.corporate.Dfscovery.com/news-and-events/financial-news/financial-newsdetails/2014/Dfscove/y- Communications-CEO-Davíd-Zaslav-to-Present-at-UBS-Global-Media-and-Communications-Conference/default.aspx>. Acesso em: 23 de nov. de 2022.

[236] “a leading provider of educational products and services to schools’; number one nonfiction media company in the world’ Discovery Channel Celebrates 25 Years of Innovation, Excellence and Groundbreaking Nonfiction Programming. DISCOVERY INC. 2010. Disponível em: https://corporate.Dfscove/y.com/Dfscovery-newsroom/D/scovery-channekcelebrates-25-years-of- innovation-excellence-and-groundbreaking-nonfiction-programming/. Acesso em 23 de nov. de 2022.

[237] “The cultural stigma around sharks' COHEN, Matt. The history of Shark Week: How the Discovery Channel both elevated and degraded sharks. The Week. 2015. Disponível em: <https://theweek.com/articles/444542/history-shark-week-how-Drscovery-channel-both-elevated- degraded-sharks>. Acesso em: 23 de nov. de 2022.

[238] 'Some of the best footage of sharks in their natural habitat ever caught on video, offering breathtakingly detailed looks at how sharks feed, swim, and act'. Ibid.

[239] DEHNART, Andy. Op. cit.

[240] IS MEGALODON real? Shark Week, debunked. VoxMedia. Produzido por Joss Fong. Escrito por: Joseph Stromberg. 2014. P&B; WINSOR, Ben. Discovery Is Becoming More And More Ridiculous With Its Fake Documentaries. Yahoo! Finances. 2014. Disponível em: <https://finance.yahoo.eom/news/D/scovery-becoming-more-more-ridiculous-144736745.html>. Acessado em: 23 de novembro de 2022

[241] DEHNART, Andy. Op. cit.

[242] “It was presented in such a way that you could very easily watch it and not know it was fictional" ULABY, Neda. After Sketchy Science, Shark Week Promises To Turn Over A New Fin. National Public Radio (NPR). 2015. Disponível em: <https://www.npr.org/2015/07/06/420326546/after-sketchy- science-shark-week-promises-to-tum-over-a-new-fin>. Acessado em: 23 de nov. de 2022.

[243] DAVIDSON, Jacob. Discovery Channel Provokes Outrage with Fake Shark Week Documentary.

The Week. 2013. Disponível em: <https://theweek.com/articles/444542/history-shark-week-how-D/scovery- channel-both-elevated-degraded-sharks>. Acessado em 23 de nov.de 2022.

[244] Ibid.

[245] WILCOX, Christie. Shark Week loses nine million viewers, but Discovery says, “everyone is absolutely thrilled". Discover Magazine, 2014. Disponível em: <https://www.discovermagazine.com/the- sciences/shark-week-loses-nine-million-viewers-but-D/scovery-says-everyone-is-absolutely-thrilled>. Acesso: 23 nov. de 2022.

[246] ANNEAR, Steve. Shark Researchers Take a Bite Out of Discovery Channel's Fake Shark Week Documentary. Boston Magazine, 2013. Disponível em:

<https://www.bostonmaga2ine.com/news/2013/08/05/shark-week-megalodon-fake-D/scove/y-channel/>. Acessado em: 23 de nov. de 2022.

[247] Para saber mais sobre a cobertura jornalística da Shark Week: LITTLETON, Cynthia. Rich Ross Aims to Diversify Discovery Viewership, Restore Docu Credibility. Variety, 2015. Disponível em: https://variety.com/2015/tv/news/rich-ross-aims-to-diversify-D/scovery-viewership-restore-docu-credibility- 1201395918/. Acessado em: 23 de novembro de 2022; HIBBERD, James. Discovery boss vows change: No more anaconda stunts, fake sharks. Entertainment Weekly, 2015. Disponível em: <https://ew.eom/article/2016/01/08/D/scovery-anaconda-sharks/>. Acessado em 23 de nov. de 2022; WINSOR, Ben Op cit.

[248] HARE, Breeanna. Discovery Channel defends dramatized shark special 'Megalodon[]. CNN, 2013. Disponível em: <http://edition.cnn.eom/2013/08/07/showbiz/tv/D/scovery-shark-week-megalodon/>. Acesso em 24 de nov. de 2022.

[249] ‘The stories have been out there for years and with 95% of the ocean unexplored, who really knows?* ARNOWITZ, Leora. Discovery Channel defends its decision to air 'dramatized' 'Megalodon'. FoxNews. 2016. Disponível em: <https://www.foxnews.com/entertainment/Discovery-channel-defends-its-decision-to- air-dramatized-megalodon>. Acesso em: 24 de nov. de 2022.

[250] “yyG pUf Up a three second disclaimer and for two hours we had everybody. It was a fun project. As producers we had to think, "How do we do it this way with a quick turnaround and make a lot of noise?‘ Regardless ofwhat people say and think, we made a lot of noise. It created buzz. It made CNN, Jon Stewart, and every late-night talk show. It did its job. It was the highest rated Shark Week show in the 26-year history of the show". GACHMAN, Dina. How I Love Lucy' Inspired 'American Chopper' Forbes. 2013. Disponível em:<https://www.forbes.com/sites/dinagachman/2013/11/15/how-i-love-lucy-inspired-american- chopper/?sh=31585319712o. Acesso em: 24 de nov. de 2022.

[251] HARWELL, Drew Op cit.

[252] WINSOR, Ben Op cit.

[253] 'No evidence of aquatic humanoids has ever been found". Are mermaids real? No evidence of aquatic humanoids has ever been found. National Oceanic and Atmospheric Administration. Disponível em: <https://oceanservice.noaa.gov/facts/mermaids.html>. Acesso em: 24 de nov. de 2022.

[254] WENEY, Marcos. Discovery US boss: we're in 'hand to hand combat' with Netflix. The Guardian. 2015. Disponível em: <https://www.theguardian.com/media/2015/augZ23/Drscovery-netflix-online-tv-binge- viewíng>. Acesso em: 24 de nov. de 2022

[255] HIBBERD, James. Op. cit.

[256] "Best-rated telecast of 2014". MORAES, Lisa de. Eaten Alive’ Ratings: 4.1 Million Viewers Watch Paul Rosolie Get Not Eaten By Big Snake. Deadline. 2014. Disponível em: <https://deadline.com/2014/12/eaten-alive-ratings-paul-rosolie-D/scovery-channel-1201315328/>. Acesso em 24 nov. 2022

[257] MORAES, Lisa de. Op. cit.

[258] "back-fired on the PR front spectacularly". Para saber mais sobre a repercussão do espectador MORAES, Lisa de. Eaten Alive': PETA Protests “Torment" Of Snake, Twitter Protests Torment Of Viewers: Update. Deadline. 2014. Disponível em: <https://deadline.com/2014/12/eaten-alive-peta-protest-broadcast-D/scove/y-channel-snake-torture-anaconda-paul-rosolie-1201315247/>. Acesso em 24 nov. 2022.

[259] ‘The audience voted with their remote". MORAES, Lisa de. TV critics suspicious about Animal Planet’s Finding Bigfoot'. The Washington Post, 2012. Disponível em: <washingtonpost.com/blogs/tv- column/post/tv-critics-suspicious-about-animal-planets-fnding-bigfoot/2012/08/02/gJQAohBCTX_blog.html>. Acessado em: 26 nov. de 2022.

[260] HAGEY, Keach. Discovery Channel's New Chief Is Rich Ross. The Wall Street Journal, 2014. Disponível em: <https://www.wsj.com/articles/Discovery-channels-new-chief-is-rich-ross-1414534019>. Acesso em 26 de nov. de 2022.

[261] ibid.

[262] LOTZ, Amanda D. Op cit, 2014.

[263] HARWELL, Drew. Op. cit.

[264] SHARMA, Sudeep. Netflix and the Documentary Boom. In: MCDONALD, Kevin; Smith-Rowsey, Daniel (Ed). The Netflix Effect: technology and entertainment in the 21st century. Bloomsbury Academic, 2016.

[265] LOTZ, Amanda D. Op cit., 2014, p. 158.

[266] HARWELL, Drew. Op cit

[267] MCDONALD, Kevin; Smith-Rowsey, Daniel (Ed). The Netflix Effect: technology and entertainment in the 21st century. Bloomsbury Academic, 2016. p. 1.

[268] Ibid.</em>

[269] No Brasil, já temos trabalhos sobre essa série de televisão. Ver mais em: GOZZI, Giancarlo Casellato. As Vantagens da Amoralidade: Melodrama, comentário político, e interação com o público em House of Cards. 2018. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. doi:10.11606/D.27.2018.tde-27122018-103101. Acesso em: 2023-02-15.

[270] McCormick J, Casey. "Forward Is the Battle Cry": Binge-viewing Netflix's House of Cards, Netflix. In: MCDONALD, Kevin; Smith-Rowsey, Daniel (Ed). The Netflix Effect: technology and entertainment in the 21st century. Bloomsbury Academic, 2016.

[271] ADALIAN, Josef. Inside the Binge Factory. Vulture, 2018. Disponível em:

<https://www.vulture.com/2018/06/how-netflix-swallowed-tv-industry.html>. Acesso em: 27 nov. 2022.

[272] SHARMA, Sudeep Op. cit.

[273] “As a way to highlight its connection to quality cinema and to distinguish its catalog from more mundane forms of television programming". Ibid.

[274] “Environmental advocacy campaigns’ and “glossy documentaries". HARWELL, Drew. Op cit.

[275] Ibid.

[276] HAGEY, Keach Op cit.

[277] Discovery Channel Enlists John Goldwyn As Exec Producer For Scripted Programming. THE DEADLINE TEAM. 2015. Disponível em: <httpsJ/www.yahoo.com/entertainment/news/D/scoiflery-channeLenlists-]ohn-goldwyn- 203600119.html>. Acesso em 27 de nov. de 2022

[278] YAITANES, Greg. Op cit.

[279] 'Historical-themed limited series that would run between four and 10 hours’ LITTLETON, Cynthia. Op. cit.

[280] HIBBERD, James. Op. cit.

[281] YAITANES, Greg. Op cit

[282] Ibid.

[283] “This was for me one the foundational elements [...] When I first pitched the show, one of the things that I said was this is sort of about how in order to catch the Unabomber, you must become the Unabomber". SODROSKI, Andrew. Op. cit.

[284] “Narratively complex programs'. MITTELL, Jason. Op cit.

[285] LOTZ, Amanda D. Op. cit., 2014.

[286] SODROSKI, Andrew Op cit.

[287] LOTZ, Amanda D. Op. cit., 2014.

[288] "Dead on accurate'. YAITANES, Greg. Op. cit.

[289] Fonte: Arquivo pessoal - fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[290] Fonte: Arquivo pessoal - fotografia cedida por Greg Yaitanes.

[291] “At least for me is important that we are telling the stories (...) is not really about the facts so much as like the world behind the facts and the people behind the facts.’ SODROSKI, Andrew. Op. cit.

[292] 'Ok, so that's was kind of the story that I was trying to tell emotionally with the show and I had the advantage of having all these real events to play with it and to structure, to get fuel to the drama and that texture of real life, that I could draw, so I guess is to say that the drama came first, and the docu part of was second. It s just one of these things, I don't know if you know this distinction between histoire and discours, I think it's Levi Strauss but it is in academic thinking about story telling there is this idea histoire, basic the infinite number of events that our reality is composed of one after the other and there is the discours which when we tell a story, we are pulling even a true story, we're pulling individual elements out of the infinite flow of time to tell the story. And actually, the same flow of time can tell an infinite number of stories because you can just pull, depending on what you pull, right?" SODROSKI, Andrew. Op. cit.

[293] You Can Eat Your Cake and Have it too | James Fitzgerald | TEDxPSU. S.l: Tedx Talks, 2020. (12 min ), son., color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qn_287JXpWQ. Acesso em: 23 jan. 2023.

[294] “Fitz's five facts v Fiction". The Fitz Files - Manhunt: Unabomber. James Fitzgerald. Disponível em: https://www.jamesrfitzgerald.com/the-fitz-files-manhunt-unabomber/>. Acesso em: 23 jan. 2023.

[295] Ibid.</em>

[296] STEJSKAL, Greg. Stejskal: Discovery Channel TV Series on Unabomber Disrespects The Investigation’s Achievements. 2017. Tickel the Wire, Disponível em: <https://www.ticklethewire.eom/2017/08/10/stejskal- D/scove/y-channel-tv-series-unabomber-disrespects-investigations-achievements-probe/#more-128062>. Acesso em: 23 jan. 2023.

[297] "Bonus Chapter 20B - The Making of Manhunt. Unabomber, and the “Unmaking” of a Few Retired FBI Agents’. Bonus Chapter 20A - The List. James Fitzgerald. Disponível em:

<https://www.jamesrfitzgerald.com/bonus-chapter-20a-the-list/>. Acesso em: 23 jan. 2023.

[298] FITZGERALD, James. Retired FBI Agent: The Ongoing Attempt to Denigrate the Unabomber TV Series and My Role in the Investigation. Tickel the Wire, 2018. Disponível em: <https://www.ticklethewire.com/2018/01/25/retired-fbi-agent-ongoing-attempt-denigrate-unabomber-tv- series-role-investigation/>. Acesso em: 23 jan. 2023.

[299] FITZGERALD, James. Op cit.

[300] “The media spotlight was pretty trick, I didn't plan on that. I mean my contract with them... I mean of course I was paid for my time and my advice for the show, basically giving them my life story of the Unabomb case nothing else, I can still sell other parts of my life story if I choose [...] Of course, there were parts in the series that did not happen in real life and there was like one retired FBI agent that I know, I didn't even meet this guy, actually, a couple of them, who were just all out of shape because of this, one guy wrote some article at one some unread blog site, whatever, but I counter that and kind of made him look foolish in the long run. Because my book says it all, my book shows that it was a team effort, here is how we did it, I was part of this team, I was very glad to be there, I was in charge of the language part, some people didn't believe me that language can actually help solve a case [...] So, yeah, I was praised unabashedly by some, criticized by one or two and of course I know the reality is somewhere in the middle and it did nothing to my ego. It is where it always was relativity, flatlined, but I was honored by some of the things people said and some of the things people wrote and some of the interviews that I did. But I was just part of a team, my goal was to make the FBI look good. Back around fifteen, sixteen, and seventeen the FBI, especially its upper management here was under some attacks, more about a political way, without getting into that whole thing. I was glad to come and say “here is how the FBI function for one of the biggest cases of the 20th century[]*, in which you know multiple people were killed or seriously dozens were injured and we came together". FITZGERALD, James. Op cit.

[301] YEO, Debra. David Kaczynski turned in his brother the Unabomber. He hopes a new docuseries helps people see Ted Kaczynski as a human being. Toronto Star, 28 de fevereiro de 2020. Disponível em: <https://www.thestar.com/entertainment/television/2020/02/28/david-kaczynski-turned-in-his-brother- unabom ber-he-hopes-a-new-docuseries-helps-people-see-ted-kaczynski-as-a-human-being.html>. Acesso em: 26 jan. 2023.

[302] Também foi para essa universidade que, em 1985, enviou uma bomba para um professor de Psicologia. Retired FBI agent recalls crucial Ann Arbor connection that helped nab the Unabomber. MICHIGAN RADIO, Disponível em: <https://www.interlochenpublicradio.org/michigan-arts-culture/2017-09-12/retired-fbi-agent- recalls-crucial-ann-arbor-connection-that-helped-nab-the-unabomber>. Acesso em: 26 jan. 2023.

[303] YEO, Debra. Op. cit.

[304] FORMER FBI profiler on the psychology of a serial bomber 2018. P&B. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y4WwQDtAEs0>. Acesso em: 26 jan. 2023.

[305] Idem.

[306] Mariana Villaça, em Identidades sobrepostas: o caso do Filme Soy Cuba, articula correspondências com a produção audiovisual. Ver em: VILLAÇA, M. M. Identidades sobrepostas: o caso do filme Soy Cuba (Mikhail Kalatosov, 1964)? Dossiê: História e cinema cubano-soviético. ArtCultura (UFU), v. 13, p. 41-59, 2011.

[307] ‘History of social protest movements and marginalized political communities [...] this is a collection that documents history from below" JULIE HERRADA. The Ted Kaczynski Papers: FBI files and photographs. M. Library Blogs. Disponível em: <https://apps.lib.umich.edu/blogs/beyond-reading-room/ted-kaczynski- papers-fbi-files-and-photographs:*. Acesso em: 16 de juL 2022.

[308] Kaczynski is in the tradition of those Americans who have been outspoken in their rejection of technology and modernity in their lives, from Thoreau to Scott Nearing." Para ver mais sobre como o arquivo foi estruturado e a relação de Kaczynski com a instituição, ver em: HERRADA, Julie. Op cit., 2003.

[309] Ann Arbor. Joseph A. Labadie Collection - Ted Kaczynski Correspondences (manuscrito). Caixa 97 pasta 128-1294.

[310] “The episode that focuses entirely on you seems to place your time at Harvard as an important time in your life and identifies the Henry Murray experiment you took part in as the roots of your ideology" Ann Arbor. Joseph A. Labadie Collection - Ted Kaczynski Correspondences (manuscrito) Caixa 97. pasta 1350.

[311] "The overarch of the series focuses on traditional law enforcement methods failing to capture you and the experimental and new field of forensic linguistics proving the key element' Ibid.

[312] ibid.

[313] Ibid

[314] SHEPTOSKI, Matthew P. Ideology or Insanity? Media Presentation of Ted Kaczynski and Tim McVeigh 2002 111 f. Tese (Doutorado) - Curso de Sociologia, Western Michigan University, Michigan, 2002.

[315] “currently working on the project Manifesto for the Discovery Channel about you and the FBI effort to capture you". Ann Arbor. Joseph A. Labadie Collection - Ted Kaczynski Correspondences (manuscrito) Caixa 97. Pasta 1314.0.

[316] “working to recreate the scenes of death and destruction wrought on people by you has pushed my to read your manifesto”. Ibid.

[317] “1. At what point was primitive man in balance with nature? [...] 1a. What do you envision the world would look like after the collapse of the industrial society? [...] 2. Why did you select such inconsequential targets? If your goal was to start a revolution, to spark the downfall of the industrial system why bomb a computer storeowner or a college professor? A power grid, a dam, highway bridges, rail systems all seem like targets that would have actually put stress on to the system and with out killing or maiming individual people" Ibid.

[318] “Now I have a question for you. You say you're working on a project for Discovery Channel about me & “the FBI effort to capture me*. My bombing campaign ended 22 years ago, my trial was completed 19 years ago. Yet all through the intervening years, over and over and over again, ad nauseam, the media keep putting on these programs about me, why?' Ibid.

[319] HERRADA, Julie Op c it. 2003. p 42

[320] Ann Arbor. Joseph A. Labadie Collection - Ted Kaczynski Correspondences (manuscrito} Caixa 98.

Pasta 1399.0.

[321] "Hello (...) I've volunteered of the group to be the sender of the post card [...] This letter came as idea of my friend to ask people on the Internet if they wanted to send you a Holliday greeting. This could be done anonymously or directly but all greetings are from young people. It is a mix of right-wing trump supporters, primitivists. people who seen a show about you on television (who it is pretty positive of you surprising enough and displays you in a good way) occultists, post-left anarchists (new kind of anarchist who value liberty more than leftism)'. Ibid.

[322] HANRAHAN, Jake. Inside the Unabomber's odd and furious online revival. Wired UK. 2018. Disponível em: <https://www.wired.co.uk/article/unabomber-netflix-tv-series-ted-kaczynski>. Acesso em: 08 fev. 2023.

[323] "Manhunt: Unabomber was the perfect breeding ground to introduce the ideology to suitable people’, Rin says. "The people attracted to the ideas began interacting with each other and formed themselves [into] a social base. They were able to form a community and slowly develop a culture. This is what eventually became Prim Twitter [Primrtivist Twitter being another name for the pine tree comunity’ Ibid.

[324] “They were all united by Rin under a popular front that “embraced collapse’ and "loved nature’ Ibid.

[325] “Like agent Fitz in Manhunt, the new Kaczynski followers are drawn to his theories. In this sense, there is somewhat of a Freedom Club revival happening - hundreds of young men seeking to reconnect with nature, as na act of rebellin against the state of Western civilization, all couched in Ted Kaczynski's antitech ideas” Ibid.

[326] “Some in the community began flirting with fascism," Rin says." ibid.

[327] WHITE Supremacy Meets Eco-Warriors | Decade of Hate. S.l: Vice World News, 2022. Son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aGXo-s15Nk&t>. Acesso em: 9 fev. 2023.

[328] Ibid.

[329] "I guess he’s idealized because he's portrayed as this misunderstood white man who's too smart for his own good and couldn't fit in with society because he knew better than other people and that's how a lot of eco-fascists would see themselves because they’re marrying far-right ideology with far-left so there's already not really a place for them in society and you therefore see these violent responses like mass shooting*. Ibid.

[330] Para mais sobre a extrema direita e sua relação com a Natureza ver: FORCHTNER, Bernhard (ed ). The Far Right and the Enviroment: politics, discourse and communication. New York: Routledge, 2020.

[331] Redneck for wilderness". TAYLOR, Blair. Alt-right Ecology: ecofascism and far-right environmentalism in the united states. In: FORCHTNER, Bernhard (ed ). Op cit., New York: Routledge, 2020. p. 1-268.

[332] 'mass influx of (...) culturally-morally-genetically impoverish people". ABBEY, Edward. One Life ata Time Please. New York: Henry Holt and Co, 1980. p. 31-38., apud, TAYLOR, Blair. Op cit.

[333] TAYLOR, Blair. Op cit.

[334] SODROSKI, Andrew Op cit.

[335] 'I think is great that it is reintroducing Ted Kaczynski to a younger audience. I think he deserves to be; his ideas deserve to live on. We really ought to ourselves to grapple with the ideas he laid out and the insights that he has about modernity. I think at the same time, I don't think there is any way you can watch the show and not be really horrified by the violence of those bombs and what those did to the victims. For us was realty a tricky line to walk, I think for us is really important to respect Ted Kaczynski the philosopher, the thinker, and at the same time to totally condemn Theodore Kaczynski the bomber You will notice like for most of the bombings the POV is not an objective POV, we are there in the middle of it. I think it is a very visceral experience, what it is to have a bomb go off in your home, I find it very upsetting and like, in a way that speaks to that moral perspective we bring to it. At the same time, it doesn't mean that we can't empathize with the person that was so isolated, unloved, cut off, and desperate for human connection that his only way to reach out to people is through violence". SODROSKI, Andrew. Op eft.

[336] “Whether if we went too far is for someone's personal taste. I think we found a healthy balance". YAITANES, Greg. Opcit

[337] “Andrew and I were good, sort of ying and yang to each other. Andrew had a lot of compassion for Ted and we had to balance it out". Ibid.

[338] "Still to this day I don't identify with Ted. If any of those were my friends like I want that guy down. That was always in my mind while I was working but I wanted to show the life he led. He was selective and targeted and yet all to a means to warn the world about what was coming with technology and that was really interesting. Because it was really fascinating in the present day where technology completed overrun my life and my kid's life and you know, the lack of play that happens, the screen time and addiction and mood swings and everything that it does, just really in a lot of ways bring sadness’. YAITANES, Greg. Op cit.

[339] LOW, Elaine. Warner Bros. Discovery touts its huge reality TV portfolio but insiders predict staff cuts and 'intense pressure' to trim unscripted budgets at HBO and HBO Max. Business Insider. 18 de maio de 2022 Disponível em: <https://www.businessinsider.com/wamer-bros-Dzscovery-hbo-max-reality-tv-future- unscripted-2022-5>. Acessado em: 27 de novembro de 2022

[340] HARWELL, Drew. Op cit.

[341] YAITANES, Greg Op cit.

[342] LOTZ, Amanda D., Op. cit. 2014.

[343] “All of a sudden True Detective did very well, and Discovery Channel said: we want something like that” FITZGERALD, James. Op cit.

[344] 'I think that was a pretty important show, setting the table for what we were able to do in this show and the risks we were able to take”. SODROSKI, André. Op. cit.

[345] YAITANES, Greg. Op cd.

[346] "But it was sort of like having to teach them narrative film and there was some experience of the people that have been involved from other jobs, but it was hard culturally to do that*. Ibid.

[347] 'I remember ongoing sticker shock of what an episode would cost. It was like their budget for their shows isn’t very expensive. We were 5 million an episode, you know it's a lot of money, and we had expensive talent, we had a big story, we had a lot to do and so that was both familiar and unfamiliar. [. ..] We got there, I think with money to spare but it was sort of like having to teach them narrative film and there was some experience of the people that have been involved from other jobs, but it was hard culturally to do that, at the same time the president was so gun-ho in what we were doing that was gonna be a real paradigm shift for the network and so we had in a way sometimes more support, because we were the only scripted project, we had all their attention. At the same time, we had all their attention, we were heavily scrutinized, but John Goldwyn was such a great producer and ran a lot of interference with that because they really trusted in him, he was exactly like a great producer should be, protecting us and housing us in the project.’’ Ibid.

[348] YAITAN ES, Greg. Op. cit.

[349] SODROSKI, Andrew Op cit.

[350] Ibid.

[351] O principal método de financiamento para programas de televisão é o por déficit, no qual os canais pagam apenas uma parte do necessário para a produção do programa. Esse montante dispendido pelas redes é chamado de taxa de licença. Assim, os estúdios acabam por absorver a diferença entre o valor desembolsado e o total gasto na produção. O modelo permite diluir os riscos para os canais ao diminuir o valor do investimento, conferindo o direito de exibir as estreias e mais reprises. Por outro lado, os estúdios mantêm a propriedade dos programas, possibilitando uma venda em janela secundária para outras redes ou serviços de streaming. Ao bancarem parte dos custos, o financiamento por déficit permite uma maior autonomia dos produtores e estúdios em relação à essas empresas. Embora considerem os requerimentos e parâmetros dos canais, mudanças podem ser negociadas durante a construção da narrativa e produção. Esse modelo de financiamento também explicaria o envolvimento da Netflix em Manhunt. Mesmo antes da etapa de filmagem, as três entidades envolvidas com a série: Lionsgate (estúdio), Discovery e Netflix chegaram em um acordo para financiar a produção. Foi decidido que a rede de TV a cabo teria o direito de exibição nos Estados Unidos, inclusive com a estreia do programa e sua reprise. O serviço de streaming reteria os direitos a uma janela secundária, reproduzindo a série em sua plataforma global como um "Original da Netflix", enquanto nos Estados Unidos exibina o aviso na abertura: "produção original da Discovery. Atualmente, a série não está mais em exibição na Netflix Brasil, indicando o fim do contrato com a Lionsgate, que pode revender a série para uma janela terciária. LOTZ, Amanda. Op. cit., 2014, p.97

[352] “So, Discovery was concerned about spending as money money as they were on the show, and one of the ways that they offset that risk was by selling the show, I think before we even shot it, they've sold to Netflix for its second window and then kind of Lionsgate would take over the further windowing for the show. So it would be on Netflix America, then on Netflix Worldwide and I think thay might places were was on local carriers and stuff too." SODROSKI. Op. cit.

[353] "I think Rich Ross and John Goldwyn were trying to move Discovery into new territory with fictional shows and miniseries and docudramas that were good, and the Discovery ownership didn't want to take that risk. For them, those were very, it is risky territory, and I think not playing to their core demographic. They want to keep making cheap reality television that was just saturating their core market and so, it was a big risk on the part of their creative team at Discovery and I'm glad that they took it. I wish we'd lasted more then. The second season was on Charter. It would've been nice to be back on Discovery and do it there but what happens to a smart premium cable show on the Shark Week network? It is not one of the easiest feats as it turns out." SODROSKI. Op. cit.

[354] “High-stakes game that not everyone can win’; “We don't do red carpets or fancy openings". HAYES, Dade. Discovery Chief David Zaslav On Why He Is Doubling Down On Unscripted: “We Don't Do Red Carpets Or Fancy Openings". Deadline. 27 fev. 2018. Disponível em:

<https://deadline.com/2018/02/Discove/y-chief-david-zaslav-on-why-he-is-doubling-down-on-unscripted- we-dont-do-red -tapetes-1202304345/>. Acesso em: 27 de nov. de 2022.

[355] RENTMANN, Nina. Discovery Reviews Production Costs After Saving on Low-Budget Quarantine Shows. 2020. The Wall Street Journal. 4 de jun. de 2020. Disponível em: <wsj.com/articles/DfScove/y- revíews-production-costs-after-saving-on-low-budget-quarantine-shows-11591311803>. Acesso em: 27 de nov. de 2022

[356] Ibid.

[357] LOW, Elaine. Op. cit.

[358] “In reality, everything is dead on accurate’. YAITANES, Greg. Op cit.

[359] LOTZ, Amanda. Op cit., 2014.

[360] Ibid.

[361] TIETGE, David J. Experiencing Nature through Cable Television. In: RUTTEN, Kris; BLANCKE, Stefaan; SOETAERT, Ronald (ed ). Perspectives on Science and Culture. S I: Purdue University Press, 2018.

[362] “It is a docudrama. It is heavily based on fact, I think that was something very important to us". YAITANES, Greg. Op cit.

[363] “The rock ship of the show is this intense crime drama... about that kind of cat and mouse between a brilliant serial bomber and the police and also using some elements of that true crime, these sort of stranger than fiction true-crime kind of incidents to hook the audience as well. So, there are two genres pieces that we kept going back to, one was like, one is just a cop versus robbery, there is always like new revelations, new twists, new turns and a there is chess game between them. The other part of it is like, and this is unique for the true crime genre is like [...] you think you remember the skect of the Unabomber? here's the whole story of the sketch that you never knew, it’s not even the real sketch, it doesn't look like him because it's not the right sketch because there is this whole back story’. SODROSKI, Andrew. Op cit.

[364] MITT EL, Jason. Op cit.

[365] Sobre as diferentes práticas em se consumir televisão ver: LOTZ, Amanda. Op cit., 2014.

[366] Para ver mais sobre a distribuição de Manhunt na Europa como um Netflix Original: BASTHOLM, Saren Rardam. A Tale of Two Shows about Profiling and Criminal Psychology: Mindhunter and Manhunt: Unabomber. 16:9 filmtidsskrift, [S.l], 13 jan. 2021. Disponível em: <https://www.16- 9.dk/2021/01/mindhunter-manhunt/>. Acesso em: 23 fev. 2023.

[367] Para mais sobre a lógica dos executivos da Netflix ver. ADALI AN, Josef. Op cit.